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Benefícios da triagem embrionária e a lei brasileira frente aos procedimentos que envolvem vidas humanas

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31/08/2017 às 16:50
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O incentivo ao uso de técnicas de biópsia embrionária tem sido a tônica nas clínicas de reprodução assistida. A seleção de embriões é procedimento preventivo frente a inúmeras doenças. Como se encaixam os princípios jurídicos, morais e éticos nessa temática?

Resumo: O crescente uso de tecnologias reprodutivas no Brasil está relacionado à infertilidade e também ao adiamento da maternidade para após os 30 anos. Apesar de ser mais acentuado no segmento das mulheres de nível socioeconômico mais elevado, esse adiamento também ocorre entre as mulheres das classes sociais menos favorecidas.  A triagem embrionária destina-se a seleção de embriões geneticamente saudáveis, que vem com objetivo de apontar doenças hereditárias e desordem genética, antes que sejam colocados no útero. Com isso, síndromes que passam de geração para geração podem ser abolidas com a escolha de um embrião usando a técnica proposta. O Procedimento é feito através de testes genéticos antes de implantar o embrião no útero. Espera-se, com isso, uma diminuição dos riscos de doenças genéticas e um aumento das taxas de implantação em fertilização in vitro e seu posterior sucesso na gestação e saúde do bebê. É um procedimento que tem por finalidade obter embriões saudáveis livres de má formações, síndromes e doenças genéticas.

Palavras chave: Biotecnologia, biópsia embrionária, triagem embrionária, biogenética, bioética, doenças pré-diagnosticadas, reprodução assistida. 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Métodos de triagem realizados em embriões; 1.1 O uso correto da biópsia embrionária e seus desvios; 2. Legislação Brasileira no trato da triagem embrionária; 2.1. Conselho Federal de Medicina no trato de doação de gametas; 3 Células tronco, tipos e embriões; 4 Doenças que a triagem embrionária pode eliminar vindo a trazer um ser humano saudável; Conclusão  Referências Bibliográficas


 INTRODUÇÃO:

Demandas surgem e envolvem valores e princípios jurídicos quando tratamos de reprodução assistida, tais como a vida, a personalidade, a dignidade da pessoa humana, a ética dentre outros. As técnicas de reprodução assistida estão sendo utilizadas em países desenvolvidos, bem como no Brasil. Apesar disso, não temos um conhecimento mais detalhado da extensão dessa questão tanto do ponto de vista regulatório como de suas implicações sociais, éticas e jurídicas que são muitas.

Enquanto não houver lei específica, clínicas de reprodução assistida seguirão se expandindo e oferecem diversos tipos de serviços, sendo estes procedimentos voltados à vida e sua modelagem, conforme os casais procuram com a esperança de sanar problemas de infertilidade e até mesmo moldar um bebê com características físicas pré-determinadas pela biópsia embrionária.

Justo por vivermos em um momento onde não há fiscalização no país, e grandes batalhas jurídicas estão sendo travadas para resolver questões como o direito ao uso dos embriões congelados, o destino de embriões geneticamente defeituosos, o descarte de material não utilizado, a questão de doação de gametas anônima e limitada por região a fim de evitar reprodução entre pessoas que possam vir serem filhos do mesmo doador.

São muitos os dilemas enfrentados pelos pesquisadores e profissionais da área, a intenção muitas vezes é melhoramentos e acaba sendo interpretado de forma errada pelo público leigo. Há um desvio de informações e intervenções bem influentes na crítica quando tratamos de vidas humanas. Porém, o objetivo do artigo é expor as finalidades da triagem embrionária e a legislação brasileira e suas barreiras quanto aos procedimentos.


1. TRIAGEM REALIZADA EM EMBRIÕES E TÉCNICAS UTILIZADAS

Técnica também conhecida por PGD (preimplantation genetic diagnosis), biópsia embrionária ou CGH (hibridização genômica comparativa), a PGD analisa os genes que trazem em seu conteúdo doenças hereditárias, o PGS analisa as alterações cromossômicas que podem ser geradas de forma espontânea ou quando foram identificadas alterações no cariótipo em um dos progenitores.

A biópsia do embrião humano deve ser considerada como o equilíbrio entre a retirada de células para uma análise genética segura e eficiente somada à preservação do potencial de implantação do embrião ¹’(A. De Vos, C. Staessen, M. De Rycke, W. Verpoest, P. Haentjens, P. Devroey, et al. Impact of cleavage‐stage embryo biopsy in view of PGD on human blastocyst implantation: a prospective cohort of single embryo transfers Hum Reprod, 24 (2009), pp. 2988-2996)

Na reprodução assistida, usa-se de três métodos para diagnóstico: a primeira técnica consiste em retirar o primeiro corpúsculo polar estruído pelo oócito. Também se pode fazer a triagem com o blastômero do embrião em estágio de clivagem sendo esta a segunda e mais bem sucedida. A terceira ocorre pela retirada de células do trofoectoderma (TE) de blastocistos no quinto dia de desenvolvimento. Assim, conforme a biópsia de escolha haverá alteração do material biológico a ser usado para extração de DNA.5–8

1.1. O USO CORRETO DA BIÓPSIA EMBRIONÁRIA E SEUS DESVIOS

Esta triagem é realizada para fins de excluir doenças genéticas e deformações, síndromes, anomalias e trazer um ser humano saudável, incluindo a exclusão dos defeitos monogênicos, as condições ligadas aos cromossomos sexuais e desiquilíbrios cromossômicos tanto os numéricos como os estruturais: considera-se que o diagnóstico pré-implantacional, com o intuito de evitar doenças transmissíveis, é eticamente aceitável, afinal, não há nenhum tipo de discriminação e sim de uma forma de prezar a saúde humana.

É possível remover uma ou duas células de um embrião no estágio de 6 à 10 múltiplas células sem comprometê-lo, para que o material genético destas células possa ser analisado e estes embriões são submetidos à triagem no estágio pré-implantacional, no terceiro dia de desenvolvimento, a zona pelúcida ‘’(grossa camada glicoprotéica que envolve o ovócito e confere aos gametas femininos uma alta especificidade. [3] Ela funciona como barreira, permitindo que apenas espermatozoides da mesma espécie tenham acesso ao ovócito, e é responsável por impedir a poliespermia, para que espermatozoides adicionais não penetrem no óvulo)’’ pt.wikipedia.org

Neste ponto, o embrião ainda está envolvido por uma membrana glicoprotéica, a zona pelúcida, e, para remover qualquer célula, esta membrana deverá primeiro ser perfurada. Isto pode ser conseguido tanto usando um meio de cultura acidificada que "dissolve" a zona pelúcida no local onde é aplicado quanto o método mais conveniente  um orifício pode ser feito com laser, permitindo que uma micro pipeta de vidro seja inserida para extrair a célula

 Os profissionais que trabalham na área devem agir com ética e expor ao paciente que feito PGD com intenção de escolha do sexo representa uma forma de discriminação, e a escolha de características externas é uma forma de eugenia negativa.  Esta escolha ou sexagem é também conhecida por FISH um avanço para identificação do sexo em embriões humanos,

    ela utiliza sondas de DNA marcadas com haptenos fluorescentes frente a sequências específicas dos cromossomos sexuais, que se desejam identificar; mais tarde, sua aplicação se estendeu a outros autossomos responsáveis pelas principais aneuploidias. Com o FISH, fragmentos específicos de DNA podem ser modificados quimicamente ou enzimaticamente e, desta forma, uma sonda de DNA é formada. Medicina Reprodutiva – Dr. Fábio Eugênio © 2011 |

Quando o FISH foi introduzido, peças específicas de DNA forma marcadas radiativamente, mas o refinamento do método tem feito possível o uso de certas moléculas ou substâncias fluorescentes que marquem o DNA. Fragmentos específicos são complementares ao alvejado no DNA. Um híbrido é formado, sendo possível identificar o fragmento alvo.

Para as pessoas consideradas sadias, há muitas descobertas que não representam vantagem alguma e nem despertam curiosidade, enquanto para os portadores de problemas de saúde, o sucesso nas pesquisas científicas pode representar uma esperança única de cura e vida saudável. Há possibilidade de mapear as características físicas do embrião nesta biópsia o que acaba ferindo a legislação pertinente no que tange a dignidade do ser humano e diversidade cultural.

Sem dúvidas os laboratórios trabalham conforme suas próprias diretrizes e portarias, não havendo uma legislação que puna a sexagem embrionária sem fins investigatórios de doenças genéticas, automaticamente ela será usada para escolher também as características do bebê, ou quem sabe somente para isso. Onde não há limites, acaba-se dando espaço para este tipo de procedimento que foi apenas um exemplo usado no meio das manipulações biotecnológicas.


 2. LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO TRATO DA TRIAGEM EMBRIONÁRIA

A lei n.º 11.105/05, atual Lei de Biossegurança, foi a primeira a tratar destes procedimentos limitando muito o uso de embriões para pesquisas e ao Biodireito cabe definir e normatizar os efeitos da evolução biotecnológica sobre estes novos procedimentos e propostas que a biotecnologia vem ofertando com o passar dos dias.

A Lei de Biossegurança aprovada pelo Congresso Nacional em 2005 foi alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), proposta pelo então Procurador da República Cláudio Fonteles, por entender que a norma viola o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, uma vez que de acordo com vários especialistas em bioética a vida humana inicia-se a partir da fecundação, gerando assim mais empecilhos para as pesquisas e procedimentos em reprodução assistida.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) permite a utilização do sêmen de um homem que já faleceu em processos de Reprodução Assistida, desde que ele tenha autorizado, ainda em vida, este uso. No Brasil, já foi relatado um caso envolvendo a fertilização pós-morte. O Código Civil brasileiro reconhece os direitos de filiação das crianças nascidas por inseminação, porém há divergência entre os direitos sucessórios dos herdeiros nascidos com inseminação póstuma.

O Supremo decidiu, por seis votos a cinco, que a Lei de Biossegurança não fere a Constituição Federal. Em seu voto, tais foram as palavras do ministro Marco Aurélio de Mello:

 "Desculpem-me a expressão, mas o destino de todos esses embriões seria o lixo sanitário. Dá-se-lhes, portanto, uma destinação nobre, não vejo qualquer ofensa à dignidade humana o uso de pré-embriões inviáveis ou congelados, que não teriam como destino senão um lamentável descarte".

Após este pronunciamento, os cientistas começaram a confiar mais no desenvolvimento de pesquisas e práticas relacionadas ao assunto. Nota-se que, desde a primeira Lei aprovada até o momento, o progresso foi pouco perto das revoluções da ciência, não percebemos um acompanhamento páreo com todo avanço científico biotecnológico que se disponibiliza, todo dia, com propostas atraentes para casais que desejam ter filhos saudáveis.

Em 2015, o Conselho Federal de Medicina (CFM) estabeleceu novas regras para a medicina reprodutiva no Brasil, finalmente garantindo aos casais homoafetivos o direito de ter acesso às técnicas de reprodução humana assistida para ter filhos

Desde a criação da Lei da Biossegurança, foi-se limitando, de maneira enorme, o uso destes embriões. A Lei 11.105 de 24 de março de 2005, em seu artigo 5º, que nos traz, no inciso II, que se estão os embriões congelados há três anos ou mais, na data da publicação desta lei - ou que, já congelados na data da publicação desta lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir do congelamento - temos que observar, ainda mais, o consetimento dos genitores para a pesquisa, conforme prevê o parágrafo primeiro do mesmo dispositivo.

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Mas esta questão já foi modificada: agora resta estipulado o prazo de 5 anos para os embriões permanecerem criopreservados. Pelo texto antigo, as clínicas não poderiam descartar estes embriões já fecundados, e a nova resolução modifica este quesito tratando que a partir de agora, a clínica só deverá manter os embriões congelados ou “criopreservados”, no jargão médico por cinco anos. Depois disso, eles podem ser descartados ou doados para a ciência, escolha que caberá à mãe, na contratação do serviço. Caso ela queira manter os embriões por mais de cinco anos, terá de pagar por isso.

2.1. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA NO TRATO DE DOAÇÃO DE GAMETAS

O Conselho Federal de Medicina (CFM) atualizou, em abril de 2013, as normas éticas sobre os procedimentos de reprodução assistida frente aos avanços científicos das técnicas dos tratamentos de subfertilidade, e, ainda, a evolução e globalização cultural da própria sociedade. 

Os conselheiros do CFM procuraram tornar a resolução mais abrangente, atual e igualitária, facilitando o acesso de pacientes aos benefícios do processo. Os gametas doados são obtidos através das pacientes submetidas à fertilização in vitro com idade não superior à 35 anos e a doação deve ser feita de forma voluntária sem fins lucrativos, devendo preservar o anonimato.

Porém, houve uma modificação relacionada aos critérios de doação, trata-se do caso de uma doadora com produção acima do normal de óvulos que pode vir a doar parte destes gametas em troca de ajuda financeira para as medicações usadas na estimulação e procedimento de FIV. O custo então seria assumido pelas receptoras.

Em relação aos gametas masculinos, antes não havia limite de idade para ser doador; agora foi estipulado idade máxima de 50 anos para doar para bancos de gametas. Esta decisão foi modificada mediante estudos que comprovam que filhos de pais mais velhos tendem a desenvolver problemas de saúde


3  CÉLULAS TRONCO, TIPOS, E EMBRIÕES.

As células tronco embrionárias totipotentes são as encontradas nos primeiros estágios embrionários, entre o terceiro e quarto dia, quando já está com aproximadamente 32 células. Este tipo de célula tronco é capaz de se diferenciar em qualquer tipo de tecido e órgão, inclusive a placenta e anexos embrionários. Já as células tronco embrionárias pluripotentes são encontradas entre o quinto dia após a fecundação, onde estas tem o mesmo poder de diferenciação das totipotentes, mas com uma exclusão da placenta e anexos embrionários. Este tipo pode ser encontrado no estagio de aproximadamente 64 células do embrião.

As células-tronco e sua utilização e liberação para pesquisas pode trazer grandes avanços biotecnológicos para medicina reprodutiva, é extremamente eficaz em pesquisas, as retiradas de embriões, onde por sua idade e poder de diferenciação são usadas quando liberadas pela justiça. Podemos citar também, mas por forma de estudos recentes, as células  tronco obtidas do cordão umbilical e da placenta.

Estudos revelam que ambos são ricos em células-tronco, entretanto, não se sabe qual o potencial de diferenciação destas para que se possa obter uso. Na utilização de células-tronco, especialmente as embrionárias, são feitas com embriões na fase do blastocisto, uma esfera com aproximadamente cem (100) células, há o sacrifício do embrião in vitro para retirar as células tronco ofendendo assim o direito à vida.

Porém, abre espaço para discutir o que seria uma vida, a partir de que momento um embrião passa a ser uma vida. Uns chamam de pré-embrião os primeiros meses de formação, outros, consideram a partir da concepção. 

Durante os primeiros catorze dias depois da fecundação, há uma corrente que defende que não há vida ainda, e é possível a gemelização: as células são totipotentes, não aparece o esboço do sistema nervoso central, e, por isso, alguns pensam que até então não se pode falar de indivíduo, pois neste período não houve a implantação do embrião no útero materno, podendo ocorrer aborto espontâneo por alguma razão intrínseca.

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Sobre a autora
Barbara Marques Silveira

Bacharel em Direito e especialista em ciências criminais, atualmente mestranda em Bioética pela Universidade de Barcelona na Espanha.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Barbara Marques. Benefícios da triagem embrionária e a lei brasileira frente aos procedimentos que envolvem vidas humanas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5174, 31 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59558. Acesso em: 25 abr. 2024.

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