Capa da publicação Responsabilidade penal do psicopata: imputável ou semi-imputável?
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A responsabilidade penal do psicopata à luz do ordenamento jurídico penal brasileiro

Imputabilidade x semi-imputabilidade

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6. DA APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA E DA INTERDIÇÃO CIVIL DO PSICOPATA

Uma vez reconhecida a semi-imputabilidade do agente, cabe ao juiz decidir pela aplicação de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança de internação, nos termos do art. 98 do Código Penal, que assim dispõe:

Substituição da pena por medida de segurança para o semi-imputável

Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

Em comentários ao dispositivo legal supracitado, Delmanto e outros assim prelecionam:

[…] tratando-se de agente com responsabilidade diminuída (ou semirresponsável) há duas alternativas: a. diminuição obrigatória da pena, de um a dois terços (CP, art. 26, parágrafo único) ou b. substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança (internação ou tratamento ambulatorial). […] Fica o juiz com a delicada missão de optar entre a pena diminuída e a medida de segurança. Entendemos que deve decidir com muita cautela, só procedendo à substituição pela medida de segurança quando esta for, realmente, a melhor solução[26].

Nesse sentido, assim já decidiu a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 121, § 2º, INCISO IV, DO CP. CONDENAÇÃO. SEMI-IMPUTABILIDADE. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. ALTERAÇÃO PARA TRATAMENTO AMBULATORIAL. IMPOSSIBILIDADE. I - O art. 98 do Código Penal autoriza a substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança ao condenado semi-imputável que necessitar de especial tratamento curativo, aplicando-se o mesmo regramento da medida de segurança para inimputáveis. II - O juiz deve aplicar a medida de segurança de internação ao condenado por crime punível com reclusão, possibilitada a posterior desinternação ou liberação condicional, precedida de perícia médica, ex vi do art. 97 do CP (Precedentes do STJ e do STF). Recurso especial provido. (STJ, REsp 863.665/MT, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 22/05/2007, DJ 10/09/2007, p. 296).

No caso do indivíduo semi-imputável diagnosticado como portador de psicopatia, é evidente o risco decorrente da mera diminuição de pena, de modo que, para tais situações, o recomendável, no âmbito penal, é a aplicação concomitante de medida de segurança.

Contudo, ao término da medida de segurança aplicada, e visando evitar que o psicopata seja novamente colocado nas ruas, os Tribunais adotaram uma “solução jurídica legítima” para tal problemática, qual seja, a decretação da interdição civil do psicopata, com a consequente internação compulsória em hospital psiquiátrico adequado.

Em um caso concreto ocorrido na cidade de Cáceres/MT, o Ministério Público do Estado do Mato Grosso ajuizou ação de interdição contra o adolescente L. M. DA S. G., tendo em vista que este, aos 16 (dezesseis) anos de idade, naquela localidade, valendo-se de uma faca, tirou a vida de seu padrasto, de sua mãe de criação e de seu irmão de três anos de idade.

Provada a autoria do ato infracional, o adolescente infrator recebeu medida socioeducativa de internação definitiva por três anos, passando por diversas instituições psiquiátricas, as quais relataram sua insanidade mental e vontade de continuar matando.

Às vésperas da conclusão dos três anos da medida socioeducativa aplicada, o Ministério Público estadual requereu que o adolescente fosse interditado no âmbito civil, visto que seus atos poderiam ter desdobramentos potencialmente danosos tanto para si quanto para outrem, caso fosse libertado e deixasse de receber tratamento especializado.

No entanto, o juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público, o que motivou a interposição de recurso de apelação junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT), o qual, por sua vez, negou provimento à apelação ministerial.

O Ministério Público mato grossense interpôs o REsp 1.306.687/MT, o qual foi provido pela Terceira Turma do STJ em acórdão que recebeu a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INTERDIÇÃO. CURATELA. PSICOPATA. POSSIBILIDADE. 1. Ação de interdição ajuizada pelo recorrente em outubro de 2009. Agravo em recurso especial distribuído em 07/10/2011. Decisão determinando a reautuação do agravo em recurso especial publicada em 14/02/2012. Despacho determinando a realização de nova perícia psiquiátrica no recorrido publicado em 18/12/2012. 2.  Recurso especial no qual se discute se pessoa que praticou atos infracionais equivalentes aos crimes tipificados no art. 121, §2º, II, III e IV (homicídios triplamente qualificados), dos quais foram vítimas o padrasto, a mãe de criação e seu irmão de 03 (três) anos de idade, e que ostenta condição psiquiátrica descrita como transtorno não especificado da personalidade (CID 10 - F 60.9), está sujeito à curatela, em processo de interdição promovido pelo Ministério Público Estadual. 3. A reincidência criminal, prevista pela psiquiatria forense para as hipóteses de sociopatia, é o cerne do presente debate, que não reflete apenas a situação do interditando, mas de todos aqueles que, diagnosticados como sociopatas, já cometeram crimes violentos. 4. A psicopatia está na zona fronteiriça entre a sanidade mental e a loucura, onde os instrumentos legais disponíveis mostram-se ineficientes, tanto para a proteção social como a própria garantia de vida digna aos sociopatas, razão pela qual deve-se buscar alternativas, dentro do arcabouço legal para, de um lado, não vulnerar as liberdades e direitos constitucionalmente assegurados a todos e, de outro turno, não deixar a sociedade refém de pessoas, hoje, incontroláveis nas suas ações, que tendem à recorrência criminosa. 5. Tanto na hipótese do apenamento quanto na medida socioeducativa – ontologicamente distintas, mas intrinsecamente iguais – a repressão do Estado traduzida no encarceramento ou na internação dos sociopatas criminosos, apenas postergam a questão quanto à exposição da sociedade e do próprio sociopata à violência produzida por ele mesmo, que provavelmente, em algum outro momento, será replicada, pois na atual evolução das ciências médicas não há controle medicamentoso ou terapêutico para essas pessoas. 6. A possibilidade de interdição de sociopatas que já cometeram crimes violentos deve ser analisada sob o mesmo enfoque que a legislação dá à possibilidade de interdição – ainda que parcial – dos deficientes mentais, ébrios habituais e os viciados em tóxicos (art. 1767, III, do CC-02). 7. Em todas essas situações o indivíduo tem sua capacidade civil crispada, de maneira súbita e incontrolável, com riscos para si, que extrapolam o universo da patrimonialidade, e que podem atingir até a sua própria integridade física sendo também ratio não expressa, desse excerto legal, a segurança do grupo social, mormente na hipótese de reconhecida violência daqueles acometidos por uma das hipóteses anteriormente descritas, tanto assim, que não raras vezes, sucede à interdição, pedido de internação compulsória. 8. Com igual motivação, a medida da capacidade civil, em hipóteses excepcionais, não pode ser ditada apenas pela mediana capacidade de realizar os atos da vida civil, mas, antes disso, deve ela ser aferida pelo risco existente nos estados crepusculares de qualquer natureza, do interditando, onde é possível se avaliar, com precisão, o potencial de autolesividade ou de agressão aos valores sociais que o indivíduo pode manifestar, para daí se extrair sua capacidade de gerir a própria vida, isto porquê, a mente psicótica não pendula entre sanidade e demência, mas há perenidade etiológica nas ações do sociopata. 9. A apreciação da possibilidade de interdição civil, quando diz respeito à sociopatas, pede, então, medida inovadora, ação biaxial, com um eixo refletindo os interesses do interditando, suas possibilidades de inserção social e o respeito à sua dignidade pessoal, e outro com foco no coletivo – ditado pelo interesse mais primário de um grupo social: a proteção de seus componentes –, linhas que devem se entrelaçar para, na sua síntese, dizer sobre o necessário discernimento para os atos da vida civil de um sociopata que já cometeu atos de agressão que, in casu, levaram a óbito três pessoas. 10. A solução da querela, então, não vem com a completa abstração da análise da capacidade de discernimento do indivíduo, mas pela superposição a essa camada imediata da norma, da mediata proteção do próprio indivíduo e do grupo social no qual está inserido, posicionamento que encontrará, inevitavelmente, como indivíduo passível de interdição, o sociopata que já cometeu crime hediondo, pois aqui, as brumas da dúvida quanto à existência da patologia foram dissipadas pela violência já perpetrada pelo indivíduo. 11. Sob esse eito, a sociopatia, quando há prévia manifestação de violência por parte do sociopata, demonstra, inelutavelmente, percepção desvirtuada das regras sociais, dos limites individuais e da dor e sofrimento alheio, condições que apesar de não infirmarem, per se, a capacidade do indivíduo gerenciar sua vida civil, por colocarem em cheque a própria vida do interditando e de outrem, autorizam a sua curatela para que ele possa ter efetivo acompanhamento psiquiátrico, de forma voluntária ou coercitiva, com ou sem restrições à liberdade, a depender do quadro mental constatado, da evolução – se houver – da patologia, ou de seu tratamento. 12. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1.306.687/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 18/03/2014, DJe 22/04/2014).

No caso ora analisado, cumpre abrir um parêntese: é perceptível que a Terceira Turma do STJ considera sinônimos os termos “psicopata” e “sociopata”. A propósito, Hare afirma que “algumas vezes, o termo sociopatia é usado porque implica menor probabilidade, do que psicopatia, de ser confundido com psicose ou insanidade”[27].

Por fim, voltando ao caso, é importante destacar que, por maioria, a Terceira Turma do STJ deu provimento ao supracitado Recurso Especial (REsp) 1.306.687/MT, de modo que foi decretada a interdição civil do adolescente L. M. DA S. G, não havendo notícia nos autos quanto a eventual internação compulsória do adolescente em estabelecimento psiquiátrico adequado.


7. ANÁLISE DE CASOS QUE GANHARAM NOTORIEDADE NA MÍDIA NACIONAL

O objetivo principal deste estudo é analisar alguns dos casos já registrados no Brasil de agentes criminosos classificados como psicopatas, destacando-se os que ganharam maior notoriedade midiática, apontando as suas características, forma de agir, condutas delitivas, vítimas e notadamente o tratamento jurídico dispensado a tais sujeitos.

7.1 Francisco das Chagas Rodrigues de Brito

Francisco Brito trabalhava como mecânico no Estado do Pará e era o caçula dos cinco filhos, proveniente de uma pobre família do sertão maranhense. Sua infância foi marcada por agressões físicas e nenhum traço de carinho. Segundo ele, aos sete anos de idade, foi vítima de abuso sexual, realizado por um dos empregados de sua avó. Talvez em razão destes fatos, tenha se tornado um adulto com problemas para se relacionar com a sociedade.

Segundo informações colhidas pela autora Luma Gomides de Souza, Francisco Brito é considerado o maior serial killer brasileiro, tendo matado 42 (quarenta e dois) meninos nos Estados do Pará e do Maranhão. Seus crimes começaram em 1989, quando atacou três meninos. Todos eles sobreviveram, mas tiveram seus órgãos genitais parcialmente arrancados. O primeiro homicídio ocorreu em 1991, tendo atuado até meados de 2003. Jamais despertou as suspeitas de amigos, parentes ou vizinhos. Parecia ser um bom homem[28].

Ainda, segundo a autora, infere-se que:

Após sua prisão, Francisco deu detalhes de seus crimes, tendo afirmado que grande parte das vítimas foram estranguladas ou mortas a pedradas. Após a morte, iniciava o ritual de emasculação (retirada dos órgãos sexuais) e estripação. De cada criança, Francisco retirava uma lembrança (souvenirs): dedos, uma orelha, um olho. As vítimas tinham entre 10 e 15 anos de idade, oriundas de famílias pobres. Em geral, atraía os meninos para a mata com o convite para apanhar frutas ou andar de bicicleta. Era esta sua técnica de dissimulação. A seleção das crianças levava em conta o tamanho, a idade, o peso, classe social, entre outros fatores[29].

A vitimologia seguia uma regra clara e ele ocultava os corpos. A psicóloga Maria Adelaide Cairo, responsável pelo caso, fez interessante leitura sobre a escolha das vítimas e objetivos implícitos dos delitos: “a cada assassinato, era como se Francisco Chagas estivesse matando o menino que ele próprio foi. Todas as vítimas guardavam semelhanças físicas e sociais com ele”[30].

Pode-se considerar que Francisco assinava seus crimes por meio da castração, no entanto, é possível apontar outras lesões assemelhadas ligando um delito ao outro. Um exemplo são as constantes marcas de fratura no crânio, causadas por pauladas ou pedradas, e, ainda, fraturas profundas nos ossos dos pulsos, causadas por instrumentos contusos cortantes. As ossadas de algumas das vítimas foram, inclusive, localizadas no interior da sua residência[31].

A defesa de Francisco ingressou com inúmeros recursos durante o trâmite das ações, atacando as decisões de pronúncia dos processos relativos ao caso. Em todas as impugnações, requeria-se o reconhecimento da inimputabilidade e consequente aplicação de medida de segurança, visando eximir o agente de parte da responsabilidade penal. Para tanto, argumentava-se que o acusado “ouvia vozes”, chegando a afirmar que veria uma entidade vestida de branco e flutuando acima do chão, indicando qual seria a próxima vítima[32].

As decisões do Tribunal de Justiça do Maranhão, contudo, foram todas no sentido de negar provimento aos recursos, considerando que a análise aprofundada do caso e de todo o conjunto probatório caberia ao Conselho de Sentença, Juiz natural da causa.

Francisco Brito foi diagnosticado como portador de Transtorno de Personalidade antissocial – psicopatia, sendo que, quanto à imputabilidade, o laudo psiquiátrico apontou que o acusado era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato delituoso por ele praticado, contudo, não era inteiramente capaz de determinar-se de acordo com esse entendimento. Assim, acolhendo o resultado apontado pelo laudo, e, por quatro votos a três, Francisco foi julgado semi-imputável no primeiro julgamento, no ano de 2009, o que pode ter influenciado a decisão dos jurados nos julgamentos seguintes, que seguiram a mesma linha.  A propósito, reconhecida a semi-imputabilidade, o acusado foi penalmente responsabilizado pela sua conduta delitiva, sendo beneficiado tão somente com a redução da pena imposta, que, no caso do primeiro julgamento, foi aplicada pelo juiz sentenciante em 1/3 (um terço).

Tal redução, contudo, não trouxe significativa diferença, se considerando que a soma das penas de todas as suas condenações que se tem conhecimento até o momento, já alcançou os 385 (trezentos e oitenta e cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

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7.2 Francisco de Assis Pereira

Francisco de Assis Pereira, nascido no fim do mês de novembro de 1967, em São Paulo, ficou nacionalmente conhecido como o “Maníaco do Parque”, que foi, sem sombra de dúvidas, o caso de maior repercussão no Brasil.

Colhendo-se as informações obtidas pela autora Luma G. de Souza, depreende-se que, diferentemente da grande maioria dos serial killers, ele teve uma infância considerada normal. Era o filho do meio de uma família de classe média, composta por três filhos. Seus amigos e companheiros sempre falaram muito bem de Francisco, sendo pessoa de confiança de seus empregadores. Dentre os diagnosticados psicopatas brasileiros, foi o que melhor desenvolveu a técnica de dissimulação[33].

Francisco foi apreendido em decorrência de as vítimas sobreviventes terem feito um retrato falado do suspeito, que foi publicado em vários jornais de grande circulação, sendo que, quando tomou conhecimento desse fato, Francisco fugiu para o sul do país, onde posteriormente foi preso. Na primeira entrevista coletiva com a imprensa, em 05/08/1998, o motoboy negou qualquer envolvimento: “Nunca matei ninguém! Se a lei dos homens é falha, eu confio na justiça de Deus!”[34]

De acordo com fontes da enciclopédia, após ser capturado pela polícia, o que mais impressionou as autoridades foi como alguém sem armas conseguia convencer as mulheres a subir na garupa de uma moto e ir para o meio de um matagal com um homem que tinham acabado de conhecer. O Maníaco do Parque, no seu interrogatório, falou que convencê-las era muito simples. Bastava falar aquilo que elas queriam ouvir. Francisco cobria todas de elogios, se identificava como um caça-talentos de uma importante revista, oferecia um bom cachê e convidava as moças para uma sessão de fotos em um ambiente ecológico. Dizia que era uma oportunidade única, algo predestinado, que não poderia ser desperdiçado[35].

Ainda, detalhando-se o caso:

Estima-se que Francisco tenha atacado um total de 15 (quinze) mulheres, tendo chegado a matar comprovadamente somente 7 (sete). Ao todo, os crimes foram divididos em três júris, sendo que o ponto central do caso foi a discussão acerca da saúde mental do réu. Francisco seguia um “modus operandi” de criminoso territorial. Conhecia o Parque do Estado como poucos; e por isso praticava os crimes em plena luz do dia sem ser descoberto. A técnica de dissimulação era impecável e todos os crimes eram absolutamente premeditados. Vários atos do acusado demonstram que ele tentava a todo custo inferiorizar a vítima, para que, ao mesmo tempo, se sentisse no controle da situação. Foi classificado como “libertino”, pois o maior prazer advindo do crime era sexual. Quanto maior o sofrimento da vítima e a sua submissão, maior seria o gozo em face da prática do ato criminoso[36].

A propósito, o Promotor de Justiça atuante no caso, descreveu detalhadamente a conduta do agente, nas contrarrazões de apelação referente ao primeiro julgamento ao qual o réu fora submetido, conforme pode-se observar da transcrição que segue:

Em data incerta, entre os meses de maio e junho de 1998, em horário indeterminado, em um matagal situado no Parque do Estado, nas imediações da Avenida Cabo PM José Antônio da Silva Lopes, nesta Capital, o ora apelado, agindo necandi animo, esganou R.A.N., causando-lhe a morte, conforme laudo de exame necroscópico (fls. 7) e de confronto de arcada dentária. Para a consecução do crime propôs à vítima que o acompanhasse ao local dos fatos, a fim de que conhecesse um acampamento que ali se realizava, dissimulando, portanto, seu intento homicida. Já no local (Parque do Estado), por meio de uma “gravata”, esganou-a, matando-a. A torpeza, móvel do delito, consistiu no fato de assim ter agido para obter satisfação com o sofrimento de R. empregando asfixia, caracterizada pela esganadura, na execução de seu desiderato incorreu igualmente na qualificadora do meio cruel. Por fim, havendo escolhido o local dos fatos para a prática do delito, sabedor da vegetação densa naquele local – passível de ocultar os vestígios de seu crime -, momentos após o crime de homicídio praticou o delito de ocultação de cadáver[37].

O Maníaco do Parque foi diagnosticado como portador de “transtorno de personalidade antissocial”, assim definida como psicopatia. Com base nisto, o perito responsável concluiu tratar-se de sujeito semi-imputável, o que diminuiria consideravelmente sua pena. Contudo, o Conselho de Sentença, formado pelo júri popular, entendeu pela plena imputabilidade do agente, ou seja, o acusado foi julgado como plenamente capaz de ser responsabilizado pelas práticas delitivas.

Inúmeros recursos surgiram no decorrer dos processos de Francisco. Um deles diz respeito ao recurso de apelação nº 385.367.3/4-00, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que a defesa postulou a nulidade do julgamento ao argumento de ter sido a decisão do júri contrária à prova dos autos, considerando que os jurados não seguiram a conclusão apontada pelo laudo psiquiátrico; enquanto que o Ministério Público requereu a majoração da pena, sendo apenas este último apelo provido.

Consultando o inteiro teor do julgamento, vislumbra-se que o Tribunal de Justiça entendeu categoricamente que o laudo médico não vincula a decisão dos juízes togados e não togados, sendo possível o advento de decisão que o contrarie, desde que apoiada em outros elementos de provas. Confira-se:

(...) Ficou claro que Francisco sofre de transtorno de personalidade antissocial, o qual, porém, não constitui doença mental nem chega a abalar a saúde mental. O Doutor Paulo Argarate Vasques, um dos médicos encarregados da perícia psiquiátrica, afirmou, na sessão de julgamento, que o réu tinha preservado a capacidade de entender o caráter criminoso do sucesso; quanto à capacidade de autodeterminação, asseverou a dificuldade de detectar seu eventual comprometimento, razão pela qual anuiu na possibilidade de se considerar a plena imputabilidade de Francisco. Mister reconhecer, portanto, que o conselho de sentença optou por uma das vertentes da prova trazida aos autos. Não se há de dizer seja o veredicto, porque afastou a semi-imputabilidade, manifestamente contrário à constelação probatória. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação nº 385.367.3/4-00. Relator Des. Geraldo Xavier. Julgado em junho de 2003).

Computando-se as penas recebidas pelos homicídios, estupros, atentados violentos ao pudor e ocultação de cadáver, Francisco somou 271 (duzentos e setenta e um) anos de reclusão.

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Sobre os autores
Alexs Gonçalves Coelho

Mestre em prestação jurisdicional e direitos humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense - ESMAT (2020). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (2018). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2017). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Criminologia pela Escola Superior da Magistratura Tocantinense - ESMAT (2014). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Público pela Uniderp/Anhanguera (2011). Graduado em Direito pelo Centro Universitário UnirG, Gurupi/TO (2008). Escrivão Judicial - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2010-atualidade). Assessor Jurídico de Desembargador - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2013-atualidade). Membro da Equipe Especial Disciplinar da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Tocantins - EED/CGJUS/TO (2014/2015). Assistente de Gabinete de Desembargador - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2012/2013). Assessor Jurídico de 1ª Instância - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2009/2010). Assistente de Gabinete de Promotor - Ministério Público do Estado do Tocantins (2006/2007).

Thaís Andréia Pereira

Assistente de Gabinete de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO). Graduada em Direito pela URI – Universidade Regional Integrada, Campus FW/RS. Especializanda em Direito Tributário pela UNIDERP-Anhanguera/LFG.

Fabiano Gonçalves Marques

Juiz de Direito no Estado do Tocantins. Especialista em Criminologia pela Escola da Magistratura do Estado do Tocantins (ESMAT). Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocanitns (UFT).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Alexs Gonçalves ; PEREIRA, Thaís Andréia et al. A responsabilidade penal do psicopata à luz do ordenamento jurídico penal brasileiro: Imputabilidade x semi-imputabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5151, 8 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59573. Acesso em: 5 nov. 2024.

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