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O juiz em juízo: a responsabilidade civil do juiz pelo retardamento imotivado da prestação jurisdicional

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30/08/2017 às 14:50
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Análise acerca da possível responsabilização civil pessoal do juiz face ao retardamento imotivado da prestação da tutela jurisdicional, nos casos em que essa morosidade provoque algum dano às partes do processo.

Introdução

Com base no artigo 5º LXXVIII da Constituição Federal a todos são assegurados a razoável duração do processo, bem como os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Ademais, prevê ainda o inciso XXXV do mesmo artigo a inafastabilidade da jurisdição para proteção de direitos.

Ocorre que, em discordância com tais garantias, o magistrado, no exercício da Tutela Jurisdicional, pode lesionar o jurisdicionado em razão do retardamento na prática de atos processuais, e dessa eventual lesão, pode surgir o dever de indenizar.

Assim, importante se faz para o presente trabalho estudar o instituto da Responsabilidade Civil, que tem como objetivo buscar a restauração do equilíbrio patrimonial e moral violado pelo retardamento imotivado da prestação jurisdicional.

O presente artigo tem como objeto o estudo da Responsabilidade Civil do Juiz pelo retardamento imotivado da prestação jurisdicional. O seu objetivo é analisar a possível responsabilidade civil pessoal do juiz pelo retardamento imotivado da prestação da tutela jurisdicional, caso essa morosidade cause algum dano às partes do processo.


1. Do Magistrado

Em atenção aos reclamos de sua própria natureza, o homem vê-se impelido a viver em sociedade. Seus instintos de sobrevivência e de perpetuação da espécie, orientados pela experiência e razão, conduzem-no à procura de integração, por meio do convívio com os demais elementos do grupo social. A natureza humana convida-o a se relacionar consigo mesmo, com a natureza e com outros indivíduos, e dessas relações nasce a vida social, o convívio nas famílias, tribos e metrópoles. Ocorre que, para que se possa viver feliz, em paz, tal convivência exige organização, e como resultado desta, surge a sociedade.[1]

A função de julgar, por sua vez, é tão antiga quanto à própria sociedade. Em qualquer grupo de pessoas, o choque de paixões e de interesses ocasiona conflitos que hão de ser dirimidos por alguém. Esse alguém será o Juiz.[2]

Conforme os ensinamentos de Mário Guimarães: “Juiz é a autoridade a que compete, no Estado, o encargo de administrar a justiça”.[3]

O magistrado, como agente imparcial que é dotado de poder para solucionar o conflito e fazer valer sua decisão pela força, se necessário e, para tanto, deve ter sido aprovado em concurso de provas e títulos, e devidamente empossado pelo respectivo Tribunal, conforme disciplinado pelo art. 93, I, da Constituição Federal.

Ocorre que o papel apropriado dos juízes sempre ocupou lugar de destaque na teoria do direito. Seja pelos incentivos e as restrições que encontram, seja pelo equilíbrio que devem procurar manter entre a interpretação das leis e a obediência a estas, bem como entre a criatividade e o respeito às regras.[4] Nas palavras de Richard Posner[5]:

Seja como defensor da liberdade, mestre do autodomínio, oráculo do lei ou analista econômico presciente, o herói dessa narrativa é... heroico; todos os refletores apontam para o titânico magistrado, o que condiz perfeitamente com a inflada autoimagem da profissão.

O que se pretende com essa pesquisa é desmistificar o status de herói do juiz e tratá-lo como parte do processo. Parte essa que se encontra vinculado a deveres próprios de seu papel como julgador, e que, sobretudo, deve respeitá-los para que se chegue na justa resolução do conflito e, consequentemente, na efetiva prestação jurisdicional.

1.1 Deveres do Magistrado

No exercício da prestação jurisdicional, compete ao juiz cumprir alguns deveres, que são inerentes ao seu cargo. Estes deverem podem ser classificados em quatro tipos: os deveres pessoais, os deveres administrativos, os deveres jurisdicionais, e os deveres jurisdicionais processuais.[6]

São deveres do juiz, nos termos do artigo 139, alínea “b” do Código de Processo Civil, velar pela duração razoável do processo. Ainda, artigo 35 da LC 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) prevê deveres como o de não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar e determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais.

Com efeito, a legislação brasileira prevê no artigo 143 do Código de Processo Civil e no artigo 49 da LC 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) os casos em que o juiz poderá ser responsabilizado por perdas e danos quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude, ou, recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Nesta esteira, prevê o artigo 235 do Código de Processo Civil, qualquer parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá representar ao corregedor do tribunal ou ao Conselho Nacional de Justiça contra juiz ou relator que injustificadamente exceder os prazos previstos em lei, regulamento ou regimento interno. Após a distribuição, não sendo caso de arquivamento liminar, será instaurado procedimento para apuração da responsabilidade.


2. Tutela Jurisdicional

O Estado, garantidor da paz social, monopolizou para si a solução dos conflitos intersubjetivos pela transgressão à ordem jurídica, limitando, assim, o âmbito da autotutela. Como consequência, dotou um de seus Poderes, o Judiciário, da atribuição de solucionar os referidos conflitos mediante a aplicação do direito objetivo, abstratamente concebido, ao caso concreto[7].

Conforme se vê da leitura do artigo 5º, XXXV da Constituição Federal, todo aquele que tiver seu direito subjetivo lesado ou ameaçado tem direito ao acesso à Justiça, por meio de Poder Judiciário, para obter do Estado a tutela adequada. Nisso, traduz-se a denominada tutela jurisdicional, por meio da qual o Estado assegura a manutenção do império da ordem jurídica e da paz social nela fundada[8].

Desta forma, através da Jurisdição, e provocado pelo interessado que exerce a ação, o Estado institui um método de composição do litígio com a participação dos reais destinatários da decisão reguladora da situação litigiosa, dispondo sobre os momentos em que cada um pode fazer valer as suas alegações, a fim de alcançar um resultado corporificado em tudo quanto o Judiciário identificou com base nas provas e do direito aplicável retratado na sentença. Jurisdição, ação e processo são, assim, os monômios básicos da estrutura do fenômeno judicial[9].

2.1 Prestação Jurisdicional

Para chegar à resposta jurisdicional por meio do processo, não se exige da parte autora que esta seja sempre o titular do direito subjetivo litigioso (isto, pois a sentença de mérito pode ser contrária ao interesse de quem provocou a atuação da jurisdição). Desta forma, o provimento da justiça nem sempre corresponderá à tutela jurisdicional a algum direito. No entanto, sempre haverá uma prestação jurisdicional, pois, uma vez exercido regularmente o direito de ação, não poderá o juiz recusar-se a lavrar a sentença de mérito, seja ela favorável ou não àquele que o exercitou.[10]

Assim, mostra-se de extrema importância diferenciar a tutela jurisdicional e a prestação jurisdicional. Logo, distingui-se a prestação jurisdicional da tutela jurisdicional, pois a primeira será prestada a quem realmente detenha o direito subjetivo invocado, e a segunda independe da efetiva existência de tal direito.[11]

O direito à prestação jurisdicional é fundamental para a própria efetividade dos direitos, uma vez que esses últimos, diante das situações de ameaça ou agressão, sempre restam na dependência da sua plena realização. Não é por outro motivo que o direito à prestação jurisdicional efetiva é considerado o mais importante dos direitos, justamente por constituir o direito a fazer valer os próprios direitos.[12]

Faz-se necessário que o processo desempenhe da maneira mais efetiva possível o papel que lhe toca, e para isso, faz-se necessário oferecer ao processo mecanismos que permitam o cumprimento de sua missão institucional, de forma a evitar que este seja considerado fonte perene de decepções. Destarte, cumpre ao ordenamento processual atender de modo mais completo e eficiente possível, ao pleito daquele que exerceu o seu direito à jurisdição, bem como daquele que resistiu, apresentando defesa.[13]


3. Da Responsabilidade Civil do Estado

A Responsabilidade civil do Estado é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-la.[14]

Nos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira[15] de Mello:

Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.

Pode-se, portanto, dizer que a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos.[16]

De início, importa lembrar que o Estado, como pessoa jurídica, é um ser intangível. Somente se faz presente no mundo jurídico através de seus agentes, pessoas físicas cuja conduta é a ele imputada. O Estado, por si só, não pode causar danos a ninguém. Sendo assim, o cenário concernente ao tema que estudamos se compõe de três sujeitos: o Estado, o lesado e o agente do Estado. Neste cenário, o Estado, segundo o direito positivo, é civilmente responsável pelos danos que seus agentes causarem a terceiros. Sendo-o, incumbe-lhe reparar os prejuízos causados, ficando obrigado a pagar as respectivas indenizações.[17]

Portanto, tratando-se de dano resultante de comportamentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a responsabilidade é do Estado. A capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais. E a responsabilidade é sempre civil, ou seja, de ordem pecuniária. [18]

A regra da Responsabilidade do Estado é genérica e abrange tanto a responsabilidade extracontratual como a contratual. Para tanto, é importante distinguir essas duas modalidades de responsabilidade. A contratual é estudada na parte relativa aos contratos celebrados pela Administração, tema que já examinamos anteriormente. A extracontratual é aquela que deriva das várias atividades estatais sem qualquer conotação pactual.[19]

A doutrina da responsabilidade civil do Estado evoluiu do conceito de irresponsabilidade para o da responsabilidade com culpa, e deste para o da responsabilidade civilística, e desta para a teoria da responsabilidade objetiva.[20]

Nesta esteira, a Constituição Federal de 1988 dispõe sobre a responsabilidade civil do Estado no art. 37, §6:

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Art. 37. A Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§6 - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

No mesmo dispositivo constitucional, foram elencadas duas teorias: a da responsabilidade objetiva do Estado e a da responsabilidade subjetiva do agente, que, neste trabalho, terá análise voltada para a figura do Juiz. [21]

3.1 Responsabilidade Objetiva do Estado

Entende-se por Responsabilidade Objetiva a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta apenas a relação de causalidade entre a conduta e o dano.[22]

Foi com lastro em fundamentos de ordem política e jurídica que os Estados modernos passaram a adotar a teoria da responsabilidade objetiva no direito público. Esses fundamentos vieram à tona na medida em que se tornou plenamente perceptível que o Estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. Não há dúvida de que a responsabilidade objetiva resultou de acentuado processo evolutivo, passando a conferir maior benefício ao lesado, por estar dispensado de provar alguns elementos que dificultam o surgimento do direito à reparação dos prejuízos.[23]

O particular, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Não seria justo, portanto, que, diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos. Desta forma, passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado.[24]

Entende-se que, a partir da Constituição de 1946, ficou consagrada a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. De acordo com seu artigo 194, "as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros". E no seu parágrafo único, "caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes". [25]

A Constituição de 1967 repete a norma em seu artigo 105, acrescentando, no parágrafo único, que a ação regressiva cabe em caso de culpa ou dolo, expressão não incluída no preceito da Constituição anterior. Na Emenda nº 1, de 1969, a norma foi mantida no artigo 107.[26]

Nesta esteira Código Civil de 2002, no seu artigo 43, dispõe que:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores de dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.

Pode-se dizer que o referido artigo se encontra atrasado em relação à norma constitucional, uma vez que não faz referência às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.[27]

A característica da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta do Estado tem de provar a existência da culpa do agente ou do serviço, restando desconsiderado o fator da culpa como pressuposto da responsabilidade.[28]

Bastam apenas três pressupostos para a configuração da responsabilidade objetiva: a conduta, o dano e o nexo causal.

3.1.1 Da Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais

A jurisprudência brasileira, como regra, não aceita a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, a não ser nos casos expressamente declarados em lei.[29] Exemplo de ato judicial típico que enseja responsabilidade civil objetiva da Fazenda Pública é a hipótese do art. 5º, LXXV, da CF/88[30].

Da mesma forma, trata-se de responsabilidade Objetiva do Estado os danos causados pelo juiz no curso do processo, conforme previsão do artigo 143 do Código de Processo Civil. Neste sentido:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO. I - A responsabilidade do Estado, por danos causados em virtude do desempenho da atividade jurisdicional, está adstrita às hipóteses previstas no art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal e no art. 133 do CPC. Precedentes. II  No presente caso, pretendem os autores obter da União indenização por dano moral, que alegam ter sofrido em virtude da demora de 17 anos no julgamento de lide trabalhista. A norma aplicável à hipótese é, portanto, a regra do artigo 133 do Código de Processo Civil. III - Apesar de não considerar dezessete anos prazo razoável para a solução do litígio, ressalto não haver nos autos prova de que tal demora tenha decorrido de conduta dolosa do juiz trabalhista, ou que tenha o magistrado protelado, injustificadamente, a conclusão do feito, não se havendo, portanto, de falar em indenização. IV – Apelação improvida. (TRF-2 - AC: 200202010149586 RJ 2002.02.01.014958-6, Relator: Desembargador Federal CASTRO AGUIAR, Data de Julgamento: 01/09/2010, QUINTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: E-DJF2R - Data::16/09/2010 - Página::252)

Assim, resta evidenciado que o Estado responderá civilmente, de forma objetiva, caso haja demora na prestação da tutela jurisdicional. No entanto, cabe ressaltar que apesar de, em regra, a responsabilidade ser objetiva, nos termos do artigo 37, §6º da CF, há ainda corrente jurisprudencial que acredita que a responsabilidade do Estado pela demora na prestação jurisdicional seja caso de omissão, hipótese em que não mais se falaria em responsabilidade objetiva, mas sim subjetiva. Neste sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. DEMORA NA ENTREGA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE QUE O MAGISTRADO ATUANTE NO FEITO AGIU DE FORMA CULPOSA. AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO À CULPA. DEMORA QUE OCORREU EM RAZÃO DOS SUBTERFÚGIOS PROTELATÓRIOS UTILIZADOS PELO RÉU/GENITOR PARA SE ESQUIVAR DO EXAME DE DNA. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBIA À AUTORA. INTELIGÊNCIA DO ART. 333, I, DO CPC. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS JUÍZES. PRECEDENTES DO STF. 1. '"Nos casos de omissão por parte do Estado, a responsabilidade é considerada subjetiva. Cumpre, portanto, àquele que sofreu os efeitos do fato danoso demonstrar que a Administração, através de seus agentes, incorreu em uma das modalidades de culpa - negligência, imprudência ou imperícia' (TJSC, AC n. , da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros)" (TJSC, AC n. , rel. Desª. Sônia Maria Schmitz, j. 19.1.09). 2. "O princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente declarados em lei. Orientação assentada na jurisprudência do STF" (STF, RE n. 219.117-4/PR, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 29.10.99). 3. Para configurar a responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional, caberia a parte autora comprovar a falha do magistrado na condução do feito, o que não o fez. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SC - AC: 20080087635 SC 2008.008763-5 (Acórdão), Relator: Francisco Oliveira Neto, Data de Julgamento: 01/07/2013, Segunda Câmara de Direito Público Julgado, Data de Publicação: 12/07/2013 às 08:18. Publicado Edital de Assinatura de Acórdãos Inteiro teor Nº Edital: 6411/13 Nº DJe: Disponibilizado no Diário de Justiça Eletrônico Edição n. 1670 - www.tjsc.jus.br)

Neste cenário, os danos sofridos pelo particular em razão da demora na prestação jurisdicional só gerariam responsabilidade do Estado caso comprovada a sua culpa. Contudo, não será adentrado no assunto uma vez que foco da presente pesquisa é a responsabilidade do magistrado, conforme se verá adiante.

Antes de adentrar o próximo tópico, importa ressaltar que é majoritário o entendimento segundo o qual não há responsabilidade do magistrado (agente público) por atos jurisdicionais típicos. Desta forma, se, por exemplo, o juiz de primeiro grau profere uma sentença contrária ao Direito, a parte prejudicada não pode se valer de ação contra o Estado para obter o ressarcimento pelos prejuízos que a decisão lhe causou, pois a lei já lhe confere o direito ao recurso, de modo a garantir a discussão da causa em outra esfera jurisdicional.[31]

Tal entendimento tem fundamento na garantia do princípio do livre convencimento motivado e da independência do juiz. Ademais, por se tratar de uma parcela da soberania do Estado, a função jurisdicional não se sujeita à responsabilização geral.[32]

3.2 Responsabilidade Subjetiva do Magistrado

O art. 143 do Código de Processo Civil elenca duas situações que levam o juiz a ser responsabilizado civilmente. A primeira é quando procede com dolo ou fraude no exercício de suas funções, o que não é o objeto do presente estudo. O que interessa para a presente pesquisa é o inciso II, que aborda as condutas negativas do magistrado que causam danos às partes pela morosidade do processo.

É sabido que morosidade do processo atinge muito mais de perto aqueles que possuem menos recursos. A lentidão processual pode ser convertida num custo econômico adicional, e este é proporcionalmente mais gravoso para os que possuem menos condições. A morosidade gera descrença do povo na justiça; o cidadão se vê desestimulado de recorrer ao Poder Judiciário quando toma conhecimento de sua lentidão e dos males (angústias e sofrimentos psicológicos) que podem ser provocados pela morosidade do processo.[33] Nos ensinamentos de Annoni[34]:

Não há como se falar em processo justo, se o mesmo for lento em demasia. E o devido processo legal é um meio de garantir aos jurisdicionados o aludido “processo justo”, que, nada mais é, que a prestação da tutela jurisdicional “efetiva, adequada e tempestiva”.

Quando o juiz retarda atos processuais importantes para o desenvolvimento do processo de forma imotivada, causa um considerável prejuízo às partes, que buscaram o judiciário com o fim de solucionar seus conflitos de forma efetiva, adequada e tempestiva. O que conseguem, no entanto, é uma fonte perene de decepções, haja vista a demora em que se chegue ao fim do litígio, uma vez que não é justo que o processo extrapole os limites do razoável, ferindo de forma direta diretamente o princípio da Duração Razoável do Processo, já estudado anteriormente.

No entanto, as garantias de que se cerca a magistratura no direito brasileiro, previstas para assegurar a independência do Poder Judiciário em benefício da Justiça, produzem a falsa ideia de intangibilidade, inacessibilidade e infalibilidade do magistrado, não reconhecida aos demais agentes públicos, gerando o efeito oposto de liberar o Estado de responsabilidade pelos danos injustos causados àqueles que procuram o Poder Judiciário precisamente para que seja feita justiça.[35]

Não obstante, é relevante desde já consignar que, tanto quanto os atos legislativos, os atos jurisdicionais típicos são, em princípio, insuscetíveis de responsabilização, pois são eles protegidos por dois princípios básicos. O primeiro é o da soberania do Estado: sendo atos que traduzem uma das funções estruturais do Estado, refletem o exercício da própria soberania. O segundo é o princípio da recorribilidade dos atos jurisdicionais: se um ato do juiz prejudica a parte no processo, tem ela os mecanismos recursais e até mesmo outras ações para postular a sua revisão. Assegura-se ao interessado, nessa hipótese, o sistema do duplo grau de jurisdição.[36]

Desde já, vale ressaltar que entende-se por atos jurisdicionais aqueles praticados pelos magistrados no exercício da respectiva função. São os atos processuais caracterizadores da função jurisdicional, como os despachos, as decisões interlocutórias e as sentenças. Em relação a tais atos é que surgem vários aspectos a serem considerados.[37]

Seria, pois, inadmissível que no exercício de respeitável função como a magistratura, o ordenamento jurídico ainda admita a irresponsabilidade dos juízes por atos ou omissões, mesmo causando prejuízos às partes do processo. Toda essa questão acaba por refletir em um sistema judiciário falho e ineficiente.[38]

O juiz, no exercício de suas funções, exerce um grande poder. No entanto, não será porque ao juiz tenha sido conferida ampla liberdade na condução do processo ou porque se lhe assegure o livre convencimento na interpretação das provas, que se lhe vá reconhecer também impunidade quando tenha agido por desídia, dolo, fraude ou omissão no desempenho de suas funções.[39]

A responsabilidade civil do juiz no exercício da função jurisdicional difere-se da responsabilidade dos demais agentes públicos, uma vez que possui disciplina especial, pois, conforme as lições de Nanni[40]:

Enquanto os agentes públicos em geral são civilmente responsáveis em caso de dolo ou culpa, a responsabilidade civil do juiz decorre daquelas hipóteses previstas em lei. Adentra-se e demonstra-se as facetas que circundam a responsabilização do juiz. O primeiro aspecto a ser observado é que o juiz não pode ser imune, devendo responder pelos danos causados. Entretanto, não se pode ignorar que a imunidade do juiz é defendida pela doutrina, como forma de preservar sua independência e liberdade de julgamento.

Assim, considerando que o juiz é um agente do Estado, este deve ser responsabilizado pelos atos danosos a que causa dolo, culpa ou fraude. Desta forma, embora não muito comuns, existem hipóteses em que o magistrado pratica ato jurisdicional com o intuito deliberado de causar prejuízo à parte ou a terceiro. Esta conduta é dolosa e revela uma violação a dever funcional, como disposto na Lei Orgânica da Magistratura.

Aduz o artigo 143 do Código de Processo Civil que:

Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando:

I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte.

Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias.

Este dispositivo prevê a responsabilidade individual do juiz, cabendo-lhe, em consequência, o dever de reparar os prejuízos que causou.[41] O artigo 49 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional é reprodução na essência, com pequena alteração do art. 143 do Código de Processo Civil, razão pela qual todas as considerações externadas ao disposto no código processual são a esse extensíveis.[42]

No entanto, o previsto neste artigo não obsta a responsabilidade do Estado, conforme narra Carvalho Filho[43]:

Contudo, ninguém pode negar que o juiz é um agente do Estado. Sendo assim, não pode deixar de incidir também a regra do art. 37, § 6o, da CF, sendo, então, civilmente responsável a pessoa jurídica federativa (a União ou o Estado-Membro), assegurando-se-lhe, porém, direito de regresso contra o juiz. Para a compatibilização da norma do Código de Processo Civil com a Constituição, forçoso será reconhecer que o prejudicado pelo ato jurisdicional doloso terá a alternativa de propor a ação indenizatória contra o Estado ou contra o próprio juiz responsável pelo dano, ou, ainda, contra ambos, o que é admissível porque o autor terá que provar, de qualquer forma, que a conduta judicial foi consumada de forma dolosa.

Ficará, portanto, o juiz, individual e civilmente responsável por dolo, fraude, recusa, omissão ou retardamento injustificado de providências de seu oficio, nos expressos termos do citado, cujo ressarcimento do que foi pago pelo Poder Público deverá ser cobrado em ação regressiva contra o magistrado culpado.[44]

Acerca das condutas ditadas pelo inciso II do estudado artigo, Machado[45] anota que:

Recusar significa o indeferimento de medidas inequivocamente cabíveis e pertinentes. Omissão deve ser entendida como a não-prática de atos de ofício indiscutivelmente exigidos pela lei. Retardamento é sinônimo de procrastinação de atos pela prática de outros absolutamente inúteis ou desnecessários.

Conquanto, faz-se necessário diferenciar os atos tipicamente jurisdicionais do juiz, normalmente praticados dentro do processo judicial, dos atos funcionais, ou seja, daquelas ações ou omissões que digam respeito à atuação do juiz fora do processo. Neste último caso, diferentemente do que sucede naqueles, se tais condutas provocam danos à parte sem justo motivo, o Estado deve ser civilmente responsabilizado, ainda que o juiz tenha agido de forma apenas culposa, porque o art. 37, § 6o, da CF é claro ao fixar a responsabilidade estatal por danos que seus agentes causarem a terceiros, e entre seus agentes encontram-se, à evidência, inseridos os magistrados[46]. Narra Carvalho Filho[47] que:

É o caso, por exemplo, em que o juiz retarda, sem justa causa, o andamento de processos; ou perde processos por negligenciar em sua guarda; ou deixa, indevidamente, de atender a advogado das partes; ou ainda pratica abuso de poder em decorrência de seu cargo. Todas essas hipóteses, que refletem condutas mais de caráter administrativo do que propriamente jurisdicionais, rendem ensejo, desde que provados o dano e o nexo causal, à responsabilidade civil do Estado e ao consequente dever de indenizar, sem contar, é óbvio, a responsabilidade funcional do juiz.

Nestes casos, o Estado, nos termos do referido mandamento constitucional, tem direito de regresso contra o juiz responsável pelo dano, o qual, demonstrada sua culpa, deverá ressarcir o Estado pelos prejuízos que lhe causou, conforme estudar-se-á de forma mais precisa adiante.[48]

Percebe-se que, apesar da responsabilidade do Estado ser objetiva, a responsabilidade do juiz é subjetiva, sendo necessária a comprovação da culpa além dos demais pressupostos para a configuração da responsabilidade civil, conforme estudado no primeiro capítulo deste trabalho.

Assim, trata-se da responsabilidade objetiva do Estado, bastando a comprovação da existência do prejuízo a administrados. Cabendo ao Estado a ação regressiva contra o magistrado, quando tiver havido culpa ou dolo deste, de forma a não ser o patrimônio público desfalcado pela sua conduta ilícita. Logo, na relação entre poder público e o agente, no caso, o juiz, a responsabilidade civil é subjetiva, por depender da apuração de sua culpabilidade pela lesão causada à parte.[49]

No entanto, a responsabilidade do agente é a subjetiva, razão pela qual só será cabível a ação de regressiva se o agente responsável tiver agido com culpa ou dolo. Logo, a causa de pedir da ação deve consistir na existência do fato danoso, causado por culpa do agente, e na responsabilidade subjetiva deste.[50]

Portanto, cabe ao Estado, autor da ação, o ônus de provar a culpa do agente, nos termos do art. 373, I, do CPC. Em consequência, se o dano tiver sido causado por atividade estatal sem ser possível a identificação do agente (culpa anônima do serviço), o Estado será obrigado a reparar o dano, jungido que está pela teoria da responsabilidade objetiva, mas lhe será impossível exercer o direito de regresso contra qualquer agente.[51]

Cabe ainda ressaltar que as hipóteses do inciso II do art. 143 do CPC só se reputarão verificadas depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não aprecie o requerimento dentro de dez dias (parágrafo único).[52]

Destarte, chega-se ao final da presente pesquisa concluindo-se que, apesar de existir a possibilidade de responsabilização do juiz quando este retarde de forma imotivada a prestação jurisdicional, eventual ação a ser proposta pelo agente prejudicado deverá ser ajuizada em face do Estado, que exercerá o direito de regresso contra o juiz, que responderá subjetivamente pelos danos causados por sua conduta.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARTURI, Leidiane Gabriela. O juiz em juízo: a responsabilidade civil do juiz pelo retardamento imotivado da prestação jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5173, 30 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60092. Acesso em: 15 nov. 2024.

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