Capa da publicação Defesa técnica no PAD federal: possível inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 5 do STF
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Defesa técnica no processo administrativo disciplinar (PAD) no âmbito do serviço público federal.

Uma análise sobre a possível inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 5 do STF

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16/09/2017 às 11:00
Leia nesta página:

CAPÍTULO III – A ATUAÇÃO DO ADVOGADO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

3.1.      Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) versus Súmula Vinculante nº 5 do Supremo Tribunal Federal (STF)

A Constituição Federal de 1988 tornou inadmissível a existência do processo disciplinar sem a observância do princípio da ampla defesa, inarredavelmente atrelado à exigência constitucional de participação de advogado-defensor. Nos dispositivos a seguir, verifica-se cabalmente que esta Carta Magna foi constituída a fim de garantir todos os direitos de defesa de qualquer acusado, seja ele em processo judicial ou extrajudicial.

Ora, veja-se:

Art. 5º, LIV -  ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Art. 5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[...]

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.[97]

Semelhantemente ao processo penal, o processo administrativo, que resultar em sanção, necessariamente reclama a presença de um patrono com conhecimento técnico para proceder com a defesa do processado administrativamente. É nesta linha de pensamento que Lúcia Valle Figueiredo defende:

Se a parte “acusada” da prática de infração administrativa ou disciplinar não se defender por advogado, deverá lhe ser nomeado defensor.

Ainda, se a defesa não houver, quer por revelia, quer porque entenda a parte de não se defender, a nomeação de defensor dativo é absolutamente necessária, do mesmo modo que no processo penal (art. 261 do Código de Processo Penal), sob pena de nulidade.[98]

Mais adiante, a autora reforça seu entendimento ao afirmar que, mesmo em se tratando de sindicância – que dela resulte sanção, imprescindível é a nomeação de defensor. Logo, extrai-se do exposto que a designação de defensor ad hoc é direito do processado administrativamente, e mais, trata-se de uma obrigação da Administração materializar esta defesa técnica, seja ela por advogado constituído pela parte, seja por defensor dativo.

Especialmente nas infrações que culminam em sanção administrativa de demissão, verifica-se a imprescindibilidade da constituição de defesa técnica, pois, diante da grave punição ora aplicável, não se pode tolher sumariamente o direito à defesa ampla do particular frente à Administração Pública.

A partir do ano de 2003, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a ser provocado, recorrentemente, em sede recursal, sobre a matéria constitucional da ampla defesa nos procedimentos administrativos disciplinares.[99] Em perfeita sintonia com os preceitos constitucionais e com uma interpretação preponderantemente pró-administrado, a terceira seção deste Egrégio Tribunal firmou em 2007 o seguinte entendimento, que resultou na Súmula nº 343 do STJ: “É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”.[100]

Cinco foi o número de precedentes que ensejaram na necessidade de sumular a referida redação, padronizando, então, este entendimento no STJ tendo, portanto, aplicabilidade não apenas na esfera federal, regida pela Lei nº 9.784/99, mas também em todos os processos administrativos sancionadores de todos os entes da federação (estados, municípios e Distrito Federal). Foram eles os Mandados de Segurança o MS 7.078-DF[101]; MS 9.201-DF[102]; MS 10.565-DF[103]; MS 10.837-DF[104]; e o Recurso em Mandado de Segurança RMS 20.148-PE[105].[106]

Ao analisar estes julgados, um a um, verifica-se que todos eles dispõem sobre direitos individuais de particulares, tutelados pelo ordenamento jurídico nacional, que por sua vez são agentes públicos.

Para melhor compreensão da linha de defesa da maioria dos Ministros do STJ que se debruçaram sobre o tema, à época, ao julgarem os referidos Mandados de Segurança, faz-se necessário observar o que o Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima arguiu em seu voto-vista, referente ao MS nº 10.837-DF (2005/0120158-6), após citar os artigos 5º, LV e 133, todos da CF/88; os artigos 156 e 159, §2º da Lei 8.112/90, fez a seguinte interpretação:

Na interpretação de referidos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, em observância aos princípios da ampla defesa e do contraditório, é indispensável a presença de advogado ou de defensor dativo inclusive na fase instrutória em processo administrativo disciplinar, não obstante a ausência de expressa determinação na Lei n. 8.112/1990.

Esse posicionamento decorre da circunstância de que é exatamente na fase probatória que se colhem os elementos que servirão de suporte para a futura aplicação da penalidade administrativa. Por conseguinte, é imperioso que o servidor público acusado seja acompanhado de advogado ou de defensor público, para que, em tese, obtenha em seu favor uma defesa técnica.[107]

Ratificando o disposto no voto do Ministro Arnaldo Esteves Lima, e também dos demais Ministros que votaram em conformidade com a Súmula nº 343, Marco Antonio Praxedes de Moraes Filho afirma o seguinte:

A presença de advogado em processo administrativo disciplinar tornou-se obrigatória devido ao seu caráter peculiar em relação aos demais processos administrativos punitivos. Dotada de maior gravidade, suas penas mais severas atingem mais profundamente os bens jurídicos do agente público, Tanto é que o Egrégio Tribunal não exigiu a presença de advogado em todos os procedimentos administrativos punitivos, mas tão somente nos disciplinares. Desta forma, pode-se afirmar que o Superior Tribunal de Justiça deu ao princípio constitucional da imprescindibilidade do advogado uma natureza absoluta no tocante ao processo administrativo disciplinar.[108]

Logo, após demonstrada a posição e entendimento do Egrégio Tribunal STJ, fica demonstrada que a constituição de advogado ou de defensor dativo é, mesmo que no âmbito do processo administrativo disciplinar, fundamental à existência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Ainda mais quando se trata de processos que buscam apurar faltas tão graves que sujeitam o processado a severas sanções.

Em contraponto à Súmula nº 343 do STJ, em 2008 o pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) editou e aprovou a seguinte Súmula Vinculante de nº 5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”[109] derrogando, assim, o entendimento anterior já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Este entendimento, como se pode perceber, manteve a necessidade da defesa técnica como condição de validade do processo administrativo disciplinar, no entanto, tornou desnecessária a realização desta defesa por profissional da área jurídica com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, possibilitando, portanto, a realização desta defesa técnica pelo próprio particular, não acarretando, desta maneira, em nulidade do processo disciplinar.

Neste sentido, Arnaldo Esteves Lima afirma que:

A regra, no entanto, é a facultatividade, que deve ser prestigiada ante a maior informalidade do Processo Administrativo. Além disso, o art. 133 da CF dispõe sobre a indispensabilidade de advogado para a administração da justiça, porém em sentido stricto, ou seja, aquela refletida na atuação do Poder Judiciário em sua atividade-fim.[110] (Grifo do autor)

Também no intuito de melhor esclarecer o verbete sumular exarado pelo Supremo Tribunal Federal, Marco Antonio Praxedes de Moraes Filho pontua que:

[...] conciliando o entendimento legal com os sumulados, voltaram a existir apenas duas situações possíveis: (i) processo administrativo com assistência facultativa – a assistência de advogado pelo particular é mera faculdade, ficando unicamente a critério seu buscar uma defesa mais técnica; (ii) processo administrativo com assistência obrigatória – fica obrigado o assessoramento técnico por advogado nos casos em que a legislação expressamente assim estipular, visto que a Súmula Vinculante nº 5 não afastou a parte final do art. 3º, IV, da Lei nº 9.784/99.[111]

Concluindo as apresentações destas súmulas, é mister destacar que foram apenas três precedentes, além do próprio caso em comento à época, que embasaram a edição e aprovação da Súmula Vinculante nº 5, os quais são, respectivamente: MS 24961[112]; RE 244027 AgR[113]; AI 207197 AgR[114]; e o RE 434059[115].[116]

3.2.      Críticas à Fundamentação da Súmula Vinculante nº 5 do STF

Com a publicação da Súmula Vinculante nº 5, por parte da Suprema Corte brasileira, algumas divergências doutrinárias surgiram, pondo em xeque a constitucionalidade do enunciado, confrontando tanto sua base principiológica e regras constitucionais de elaboração quanto a matéria propriamente dita.

Diante da vasta doutrina produzida acerca da obrigatoriedade da presença do advogado em processos administrativos disciplinares, Marco Antonio Praxedes de Moraes Filho apresenta cinco vertentes por ele identificadas, as quais são:

(i) corrente da defesa técnica plena – defende a presença obrigatória do advogado em todos os processos administrativos em que haja a imposição de alguma penalidade, seja grave ou não; (ii) corrente da defesa técnica condicionada – entende que a defesa especializada somente será necessária quando acarretar algum prejuízo grave na esfera jurídica do particular; (iii) corrente da defesa técnica específica – infere que a defesa técnica somente será obrigatória quando a lei expressamente assim exigir ou quando o interesse em jogo foi indisponível; (iv) corrente da defesa técnica disciplinar – endossa a presença obrigatória da assistência jurídica em todas as fases dos processos administrativos disciplinares; (v) corrente da defesa técnica desnecessária – compreende pela absoluta desnecessidade da participação imperativa do advogado em processos administrativos disciplinares.[117]

Em sua opinião, e seguindo o entendimento do STJ quando formulou a Súmula nº 343, Marco Antonio Praxedes de Moraes Filho defende que a corrente da defesa técnica disciplinar seja a mais apropriada a ser aplicada nesta espécie de processo administrativo. Conforme o autor, este entendimento estabelece uma hierarquia entre os procedimentos administrativos em virtude da gravidade da disciplina experimentada pelo particular ora processado, se aproximando, portanto, às características dos processos judiciais apenas no que diz respeito à presença do advogado, respeitando, em plenitude, o que determina a constituição em relação à ampla defesa.

Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Dierle José Coelho Nunes consignam que, quanto a interpretação do STF em relação a presença obrigatória do advogado nos PADs, há, ao menos, dois pontos relevantes a serem observados:

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Em primeiro lugar, processo administrativo disciplinar pode levar, entre outras coisas, mas em última análise, à perda do cargo pelo servidor público. Cabe lembrar do art. 41, § 1.º, II e III da Constituição da República, que equipara, inclusive, o processo administrativo disciplinar ao processo judicial. Que se aplique ao processo administrativo as mesmas exigências do processo judicial.

[...]

Que hermenêutica "constitucional" é essa que subverte os institutos jurídicos exatamente em razão da sua constitucionalização? Ampla defesa é um instituto jurídico-processual e não se pode desconsiderar sua história institucional em nome de um falso imperativo axiológico de eficiência custe o que custar. Afinal, estaremos vivendo o que o Prof. Lenio Streck tão bem denuncia, uma espécie de "estado de exceção hermenêutico", instaurado por tal pragmatismo judicial, levado às últimas consequências.[118] (grifo nosso)

Percebe-se, então, que os autores rejeitam a ideia de que vale tudo por uma celeridade e eficiência nos processos administrativos disciplinares. É mister enfatizar que o emprego, o salário e a liberdade são bens jurídicos com valor superior ao princípio processual da celeridade no serviço público.

Rafael Pinto Cordeiro entende que “a participação obrigatória do advogado nos processos disciplinares preveniria a ocorrência de nulidades no âmbito administrativo, festejando, entre outros, o princípio da economicidade, uma vez que evitaria ações judiciais para anulação de tais procedimentos.”[119] Mais adiante, o autor expõe que a decisão do STF se baseou basicamente num único princípio, o da segurança jurídica, e nos argumentos do então Advogado Geral da União. Senão, vejamos:

Entendemos que a decisão do STF se fundamentou exclusivamente no princípio da segurança jurídica. Na linha do legítimo entendimento expresso pelo competente Advogado Geral da União, José Antônio Dias Toffoli, a manter-se o entendimento dado pelo STJ à questão, a obrigatoriedade da presença do advogado em PAD daria ensejo à demandas em que servidores, além de sua reintegração ao cargo, poderiam reclamar salários atrasados de todo o período em que dele estiveram ausentes.

Esse argumento, "concessa máxima vênia", é destituído de substrato jurídico, olvidando-se, inclusive, da regra imperativa proclamada pela Constituição Federal, que assegura a apreciação do Poder Judiciário às lesões ou ameaças a direitos.

Por essa razão, emerge neste caso particular uma das mais contundentes críticas que se faz às Súmulas Vinculantes, qual seja, a de que elas obliteram a função precípua dos juízes de dizerem o direito caso a caso, compondo os conflitos de interesse na exata medida de suas realidades.[120]

Dentre os institutos que parte da doutrina aponta terem sidos violados, encontram-se, apontados por Marco Antonio Praxedes de Moraes Filho, a violação a princípios constitucionais, a pressupostos constitucionais para a elaboração das súmulas vinculantes e a violação à judicialidade da decisão.

a) Violação a princípios constitucionais

Quanto à violação de princípios constitucionais, faz-se necessário apontar mais uma vez, além dos que já foram discutidos anteriormente, o princípio da ampla defesa. Neste sentido, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam que:

A defesa leiga, sem advogado, não é ampla, mas restrita. Em processos sancionadores, como ocorre com o processo penal e com o processo administrativo sancionador (disciplinar ou não), que visa a imposição de penalidade ao servidor ou administrado, ressalta a importância de observar-se a garantia constitucional da ampla defesa, motivo por que nesses processos é imprescindível que a defesa do acusado seja técnica, isto é, feita por advogado. Por essa razão não se pode ter como atendido o princípio constitucional da ampla defesa, se não se der advogado ao acusado, no processo penal e no processo administrativo sancionador.[121]

Na perspectiva dos autores acima, a defesa, no caso dos processos administrativos – disciplinares ou não, só é ampla e plena se existir a capacidade técnica entre o Estado e particular, por meio de seu patrono.

Infere-se do exposto que, uma vez que o princípio da ampla defesa é espécie do gênero devido processo legal, e que este, por sua vez, decorre do Estado sob o status de Democrático de Direito, logo, qualquer violação ao primeiro princípio fatalmente reverbera na violação aos demais.

Além do que a doutrina defende em relação à ampla e plena defesa nos PADs, deve-se analisar também o princípio da paridade de armas. Este, por sua vez, sendo utilizado preponderantemente como analogicamente ao Direito Penal e Processual Penal.

Em relação ao princípio da paridade de armas, ou igualdade entre as partes – conforme Lúcia Valle Figueiredo o define, este também se trata de um princípio plenamente amparado pela Carta Maior em toda sua extensão. Neste sentido, a autora afirma que: “A igualdade entre as partes é um dos princípios do due process of law que realmente está espraiado por toda a Constituição; em consequência, certas desigualações são impossíveis, fazem o undue process of law.”[122]

Em mesma sintonia, Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari afirmam que:

Na seara dos processos administrativos pertinentes à aplicação de sanções, não deve o agente decisório deixar de levar em consideração a rica trama principiológica do direito penal. Cabe-lhe, em suma, levantar as pontes conceituais antes por nós exaltadas […], a fim de evitar que o processo realize não a justiça, mas a suma injustiça.[123]

Superada a discussão em relação ao que o processo administrativo disciplinar se assemelha ao processo judicial penal, é de suma importância salientar o que a doutrina defende acerca do princípio da Paridade de Armas, o que eu fora já tratado neste trabalho, e a realidade de todos os órgãos Estatais e os particulares.

Conforme disposto no próprio sítio eletrônico da Advocacia-Geral da União, são funções institucionais deste órgão a atuação consultiva e contenciosa, respectivamente:

Consultiva: [...] se dá por meio do assessoramento e orientação dos dirigentes do Poder Executivo Federal, de suas autarquias e fundações públicas, para dar segurança jurídica aos atos administrativos que serão por elas praticados, notadamente quanto à materialização das políticas públicas, à viabilização jurídica das licitações e dos contratos e, ainda, na proposição e análise de medidas legislativas (Leis, Medidas Provisórias, Decretos e Resoluções, entre outros) necessárias ao desenvolvimento e aprimoramento do Estado Brasileiro.

[...]

Contenciosa: [...]se dá por meio da representação judicial e extrajudicial da União (Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e dos órgãos públicos que exercem função essencial à justiça), além de suas autarquias e fundações públicas.

A representação judicial é exercida em defesa dos interesses dos referidos entes nas ações judiciais em que a União figura como autora, ré ou, ainda, terceira interessada. A representação extrajudicial é exercida perante entidades não vinculadas à Justiça, como órgãos administrativos da própria União, Estados ou Municípios.[124]

Verifica-se, ainda, a título de exemplo, o que contém no próprio sítio eletrônico oficial da Universidade Federal do Rio de Janeiro:

Procuradoria Federal da UFRJ

A Procuradoria Federal - UFRJ é órgão de execução da Advocacia-Geral da União (AGU), e tem por função prestar consultoria e assessoria jurídica aos dirigentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

No exercício de suas atribuições institucionais, os Procuradores Federais elaboram pareceres nas matérias em que, por força de lei, deva necessariamente se manifestar ou, também, em matérias que lhes sejam encaminhadas pela Administração da Universidade.

No que se refere às demandas judiciais em que a UFRJ seja parte, cabe a Procuradoria Regional Federal da 2ª Região representar a Universidade perante o Poder Judiciário, sendo função da Procuradoria Federal - UFRJ fornecer subsídios para que a PRF2 possa exercer suas atribuições em juízo.[125]

Logo, em poucas linhas, percebe-se o aparelhamento técnico-jurídico que os órgãos do Estado, especificamente os federais, possuem para representar suas instituições em demandas, tanto judiciais quanto administrativas, fato este que comprova a desigualdade material entre um particular servidor público e uma instituição federal processante.

b) Violação a pressupostos constitucionais para a elaboração da Súmula Vinculante nº 5

A redação do artigo 103-A da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, regulamentada pela Lei nº 11.417/2016 e pelas Resoluções nº 381/2008 e nº 388/2008, todas do STF, estabelecem, dentre outros, os elementos necessários para se conferir o caráter vinculativo às decisões da Suprema Corte brasileira.

Veja-se o que determina o artigo 103-A da CRFB/88:

O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.[126] (grifo nosso)

Deste dispositivo extrai-se, principalmente, o termo “reiteradas decisões sobre a matéria constitucional” como sendo um requisito formal imprescindível para conferir tal efeito vinculante erga omnes à decisão em tela. Isto significa dizer que para editar e publicar uma Súmula Vinculante, várias decisões do STF, no mesmo sentido, são necessárias como elemento formal exigido para sua elaboração.

Verifica-se, conforme já aludido, que foram apenas três os precedentes, além do próprio caso que culminou na edição da Súmula, que embasaram a edição desta, os quais são, respectivamente: MS 24961[127]; RE 244027 AgR[128]; AI 207197 AgR[129]; e o RE 434059[130].[131]

Com exceção do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento AI nº 207197 e do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário RE nº 244027, o outro caso que precedeu a edição da Súmula Vinculante foi o Mandado de Segurança MS nº 24961, que tratava não de um processo administrativo disciplinar, mas sim de apenas um procedimento administrativo, o qual, em tese, prescinde a obrigatoriedade da ampla defesa.

Ante o exposto, observa-se que o significado do termo “reiteradas decisões sobre a matéria constitucional”, para a edição do enunciado sumular vinculante número cinco do STF, limitou-se a apenas dois julgados, além do julgado que deu sua origem. Logo, percebe-se que a Suprema Corte não cumpriu o requisito elementar de se observar as várias decisões uniformes sobre a mesma matéria.

c) Violação à judicialidade da decisão

Para Marco Antonio Praxedes de Moraes Filho, o que fundamentou a decisão do STF, ao sumular este enunciado, foi preponderantemente o aspecto político em detrimento ao caráter jurídico do caso em comento. O autor explica que:

Com o novo raciocínio exarado na quinta súmula vinculante, tanto se evitou a enxurrada de ações judiciais reivindicando a revisão das decisões administrativas já emitidas, quanto se poupou aos cofres públicos de contratar novos defensores públicos, a fim de abarcar o desmembramento do princípio da ampla defesa.

[...] olhou-se tanto para o pretérito quanto para o futuro, observando-se os reflexos do acórdão na esfera administrativa e, principalmente, na judicial.[132]

Em nome da segurança jurídica, o STF produziu este enunciado de maneira que não observou a garantia constitucional plena ao princípio da ampla defesa, nem tampouco ao do devido processo legal. Tentou-se evitar, assim, a revisão das decisões, algumas já transitadas em julgado, de inúmeros processos administrativos disciplinares que não observaram a participação do defensor técnico em todas as fases deste processo.

A decisão, ainda com o condão político, buscou proteger o Poder Público da necessidade de novas contratações de mais defensores públicos, pois, nos casos em que o servidor processado disciplinarmente não tivesse condições financeiras para custear sua defesa técnica, na seara administrativa, por meio de profissional habilitado, o advogado, a instituição seria obrigada a nomear um defensor dativo ou comunicar o fato à Defensoria Pública. Verifica-se, mais uma vez, a mitigação da ampla e plena defesa do processado, do princípio da isonomia, e também do princípio da paridade de armas.

3.3.      Abuso do Poder Disciplinar

O poder disciplinar exercido pela Administração Pública, como já visto, deriva de outro poder administrativo, do poder hierárquico. Àquele, é atribuído às autoridades administrativas para apurar, por meio de processos e procedimentos administrativos, condutas faltosas praticadas por agentes públicos e puni-los.

Em sua essência, o poder disciplinar é associado à discricionariedade do agente público responsável por apurar as condutas contrárias à realização considerada normal das atividades do órgão estatal e punir quem as praticou. No entanto, essa associação à discricionariedade do agente público vem caindo por terra por conferir a este agente uma subjetividade muito grande em relação ao que é correto ou não. Neste sentido, Odete Medauar defende que:

Não mais é viável invocar poderes livres ou zonas livres a título de discricionariedade. Um rol de princípios e exigências que integram o direito administrativo contemporâneo denotam o direcionamento da discricionariedade [...]. No tocante ao poder disciplinar, soa estranho atualmente associá-lo à discricionariedade. De início, em virtude dos parâmetros que norteiam o poder discricionário em geral. Em segundo lugar, porque o poder disciplinar há muito vem se exercendo sob moldes processuais, justamente para impedir arbítrios e subjetivismos.[133]

Conforme o apontamento da autora, verifica-se uma preocupação premente, especialmente por parte dos doutrinadores, no intuito de se minimizar a abrangência do campo discricionário do agente público, servindo-o com um vasto arcabouço principiológico que servirá para nortear toda e qualquer tomada de decisão.

Mesmo se admitindo um certo grau de discricionariedade no poder disciplinar, outro princípio da Administração Pública surge como forma de controle e transparência das decisões. Este princípio é o da motivação.

Segundo Lúcia Valle Figueiredo, “a motivação atende às duas faces do due process of law: a formal – porque está expressa no texto constitucional básico; e a substancial – sem a motivação não há possibilidade de aferição da legalidade ou ilegalidade, da justiça ou da injustiça de uma decisão administrativa.”[134]

José Cretella Júnior afirma que “desvio de poder é o uso indevido que o administrador faz do poder discricionário de que é detentor para atingir fins diversos do que a lei assinala. Ou é o uso indevido que a autoridade administrativa faz do poder que lhe é conferido para atingir finalidade diversa daquela que a lei preceitua.”[135]

Por fim, a não observância das garantias processuais constitucionais poderá ensejar, fatalmente, no desvio de poder disciplinar, isto é, quão maior é a margem de discricionariedade conferida ao agente público processante, maior é a possibilidade deste cometer abuso de poder na hora de exercer o poder disciplinar.

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Sobre o autor
Gibbson Dias Silva Andrade

•Advogado •Servidor Público Federal - UFPE •Graduado em Direito - ASCES/UNITA •Graduando em Administração com Habilitação em Gestão de Negócios - FAVIP •Sócio/Fundador do Escritório Gibbson Andrade Advocacia •Especialista em Direito de Família •E-mail: [email protected] •Instagram: www.instagram.com/gibbsonandrade •Facebook: www.facebook.com/GibbsonAndradeAdvogado •Messenger: m.me/GibbsonAndradeAdvogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Gibbson Dias Silva. Defesa técnica no processo administrativo disciplinar (PAD) no âmbito do serviço público federal.: Uma análise sobre a possível inconstitucionalidade da Súmula Vinculante nº 5 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5190, 16 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60218. Acesso em: 5 nov. 2024.

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