Resumo: Atualmente, as Sociedades Limitadas representam uma grande parcela das atividades empresárias no país, pelo fato dela ter surgido como uma alternativa às Sociedades Anônimas, com todas suas formalidades, através de um decreto, restaram muitas nuances a serem resolvidas. O presente trabalho pretende analisar a evolução da penhorabilidade das quotas sociais, especificamente nas Sociedades Limitadas, ao longo da história do Direito Brasileiro. Iniciando-se com a análise da matéria durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, Código Comercial e o Decreto nº 3.708. Posteriormente, sendo um divisor de águas, analisando a matéria sob a égide do Código Civil de 2002, a pequena reforma feita no Código de Processo Civil de 1973 pela Lei nº 11.382 de 2006 até outro marco importante que foi a aprovação do Código de Processo Civil de 2015. Acerca deste último, por ser recente, analisar-se-á seu artigo 861, que trata especificamente da penhora de quotas sociais, bem como as possíveis tendências de sua aplicabilidade no Direito Brasileiro.
Palavras-chave: Sociedades Limitadas. Penhora. Quotas sociais.
1 INTRODUÇÃO
Analisando o cenário empresarial brasileiro atual, verifica-se que existem aproximadamente 5,5 milhões de Sociedades Limitadas, correspondentes a 27.84% do número total de agentes econômicos do país, segundo dados de 2017 fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. A Sociedade Limitada é o tipo societário mais utilizado pelos empreendedores[1]. Isso denota claramente a importância das Sociedades Limitadas no cenário empresarial.
A Sociedade Limitada surgiu do Decreto nº 3.708, que importou da Alemanha o conceito deste modelo societário, que oferecia o mesmo benefício da limitação de responsabilidade que até então era exclusividade das Sociedades Anônimas, mas sem a complexidade do regime jurídico destas ultimas.
Ao se tornar sócio de uma Sociedade Limitada, o sócio transfere bens ou direitos de seu patrimônio para o patrimônio da sociedade, recebendo, em troca, quotas sociais, que passam, assim, a integrar o patrimônio do sócio, em substituição aos bens que o mesmo transferiu para a sociedade para adquirir o status de sócio.
Muito embora é fato incontroverso que a quota integra o patrimônio do sócio, discutiu-se por longo tempo, no judiciário nacional, a possibilidade de penhorá-las por dívida particular do sócio. Houve um confronto entre a penhorabilidade das quotas e as características inerentes à Sociedade Limitada, pois o ingresso de um terceiro (o credor que penhorou as quotas) em uma sociedade de pessoas, sem a anuência dos demais sócios, representaria contrariedade ao regime jurídico das Limitadas, onde o caráter intuitu personae é preponderante.
Tratará este trabalho de monografia sobre a possibilidade de penhora das quotas das Sociedades Limitadas, analisando a evolução do tema ao longo do tempo, culminando com a recente previsão existente no Novo Código de Processo Civil.
2 A PENHORA DE QUOTAS DE SOCIEDADES LIMITADAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO DESDE SEU SURGIMENTO
Desde a época de vigência do Código Civil de 1916 haviam indagações acerca da penhorabilidade das quotas de Sociedades Limitadas (então denominadas Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada). A discussão girava em torno da possibilidade de fazer recair a constrição judicial sobre algo que dizia-se ser propriedade do sócio, mas cuja realização, mediante o ingresso do eventual adquirente na sociedade, para Mônica Gusmão (2003) implicava na concordância dos demais sócios, tendo em vista o caráter intuitu personae da sociedade.
2.1 A NATUREZA DO VÍNCULO OBRIGACIONAL NA SOCIEDADE LIMITADA
A quota social, integra o patrimônio do sócio. Logo, por ser um bem integrante do patrimônio do sócio, é passível de ser penhorada por dívidas pessoais do mesmo. Marlon Tomazette (2016. p. 369) fornece o seguinte conceito de quota social:
Ao contribuírem para o capital social, os sócios transferem dinheiro ou bens à sociedade e adquirem, em contrapartida, quotas de participação. Essas quotas são a divisão do capital social. Sob a ótica da sociedade, as quotas são os contingentes de bens, com os quais os sócios contribuem ou se obrigam a contribuir para a sociedade. Sob o ponto de vista dos sócios, as quotas representam direitos e obrigações inerentes à sua condição de sócio.
Alfredo de Assis Gonçalves Neto (2002. p. 174-175), adota entendimento acerca da quota social, veja-se:
A quota social, portanto, tem a natureza de um bem incorpóreo, que enfeixa direitos pessoais e patrimoniais. Os direitos pessoais são os de deliberar, de fiscalizar a sociedade, de votar e ser votado, de retirar-se da sociedade e de, eventualmente, geri-la; os direitos patrimoniais são o de receber dividendos, quando determinados em balanço e deliberada sua distribuição, e o de participar do acervo social em caso de dissolução total ou parcial da sociedade ou de apuração de seus haveres em decorrência de falecimento, de exclusão ou do exercício do direito de retirada.
Assim, a natureza jurídica da quota social, é bipartida, conforme escreve Milton Gomes Baptista Ribeiro (2003. s.p.), pois a quota enfeixa, simultaneamente, direitos pessoais e patrimoniais. Adentrando, portanto, ao patrimônio particular do sócio que a subscreve e integraliza.
Dito isso, passa-se a analisar os elementos envolvidos na formação do contrato de Sociedade Limitada. Esta espécie de sociedade possui a característica intuitu personae – em regra.
Com efeito, a sociedade é um contrato. No caso da Sociedade Limitada, para a escolha dos sócios com quem se contrata a sociedade, a afinidade entre os contratantes é relevante para a formação do vínculo obrigacional. Em outras palavras, nesta espécie de contrato, as características pessoais das partes contratantes são determinantes para a criação da pessoa jurídica.
Quanto à natureza contratual da sociedade limitada, ensina Fabio Tokars (2007, p.45):
Após a superação de algumas orientações em sentido divergente, que surgiram nas primeiras décadas após a criação das sociedades limitadas, a doutrina nacional e estrangeira firmaram orientação no sentido de a sociedade limitada apresentar natureza contratual.
Já sobre o caráter intuitu personae Fábio Tokars (LOBO, 2004 apud TOKARS, 2007, p.43) explica:
(...) bem como, Jorge Lobo, para quem “a sociedade limitada é intuitu personae, porque, quer quando de sua constituição, quer durante o seu funcionamento, em geral os sócios nutrem sentimentos de afeição e confiança mutuas, respeitam-se e admiram-se, nela priorizando-se as qualidades pessoais dos sócios e não o contingente econômico-financeiro necessário à formação do capital social.
Entretanto, a análise da atual disciplina jurídica das Sociedades Limitadas atesta a forte influência das características pessoais de cada sócio para a contratação desse tipo de sociedade.
Alternativamente, existem aqueles que defendem a natureza híbrida da Sociedade Limitada, esses entendem que, para a definição no caso concreto acerca da precisa característica de cada sociedade, é necessário analisar o seu contrato social. Caso no contrato exista dispositivo que vede a alienação das quotas a terceiros sem a anuência dos demais sócios, estar-se-á claramente diante de uma sociedade de pessoas, de inegável caráter intuitu personae. Por outro lado, se na análise do ato constitutivo da sociedade limitada não for localizada cláusula submetendo a entrada de novos sócios à concordância dos demais, verifica-se que, nesses casos, se atribui mais importância ao capital integralizado por parte dos sócios do que à pessoa do sócio em si, aproximando-se às características de uma sociedade de capital. Há também outra forma de pretender aproximar a sociedade limitada ao caráter de sociedade de capital. A possibilidade de sua regência supletiva pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976), autorizada pelo parágrafo único do artigo 1.053[2] do Código Civil de 2002.
Fabio Tokars (2007, p. 44) diferencia a Sociedade Limitada quando esta tem características de sociedade de capitais, quando exista no contrato social, adesão às normas da sociedade anônima: “caso haja a opção pela aplicação subsidiaria das disposições anonimárias, estará presente uma sociedade de capital, salvo se as demais regras do contrato social indicarem, de forma inequívoca, o contrário”. Manifesta-se assim o caráter intuitu pecuniae para as sociedades limitadas constituídas nos moldes do parágrafo único do artigo 1.053 do Código Civil.
Entretanto, a regra do art. 1.057[3] do Código Civil demonstra o contrário e reforça o caráter intuitu personae da Sociedade Limitada.
Referido dispositivo determina que, mesmo na completa ausência de previsão contratual acerca de anuência dos demais sócios quanto ao ingresso de terceiro na sociedade, somente será admitido o terceiro caso não haja oposição de mais de 25% do capital social.
Além do caráter intuitu personae da Sociedade Limitada, na criação da sociedade e no desenvolvimento de suas atividades, outro elemento relevante é a affectio societatis.
Fabio Ulhoa Coelho (2016, p. 379) ensina que, “a affectio societatis é a disposição dos sócios em formar e manter a sociedade uns com os outros. Quando não existe ou desaparece esse ânimo, a sociedade limitada pluripessoal não se constitui ou deve ser dissolvida”. No mesmo sentido, Vera Helena de Mello Franco (1995, p. 133) complementa: “affectio societatis significa confiança mútua e vontade de cooperação conjunta, a fim de obter determinados benefícios”. A análise dessas duas características da Sociedade Limitada deixa exposto o problema decorrente da penhora das quotas de sócio por seus credores particulares.
Poderia o credor, terceiro estranho aos demais sócios ou outro terceiro que arrematasse as quotas penhoradas em leilão, ingressar na sociedade caso adquirissem as quotas levadas a hasta pública? Em outras palavras, poderiam os demais sócios serem obrigados a contratar, contra a sua vontade, com o terceiro adquirente das quotas penhoradas?
Verifica-se, portanto, a raiz do problema: o claro embate entre as características da Sociedade Limitada, conflitantes com a possibilidade de contratação com terceiros estranhos. Estes com quem não se pretende relacionar (ou relativamente aos quais estão ausentes a affectio societatis e o relacionamento determinante para a contratação de sociedade), por outro lado tem-se o direito de satisfação do credor, tendo em vista que a quota é um bem penhorável.
3 A QUESTÃO DA PENHORABILIDADE DE QUOTAS ANTES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
O tema da possibilidade de penhora das quotas sociais de sociedade limitada foi objeto de longa discussão. Houve, com o passar do tempo, significativas mudanças no entendimento acerca do assunto.
Sob a égide do CPC/1939, o entendimento predominante era acerca da impenhorabilidade das quotas. A base deste raciocínio residia no argumento de que o capital social pertence inteiramente ao patrimônio da sociedade, não se confundindo com o patrimônio do sócio devedor.
Portanto, não haveria que se falar em possível penhora de quotas sociais. A adoção desta corrente implicava na oportunidade de resguardar parte do patrimônio do sócio devedor, através da sociedade empresária, pois bastaria ao sócio integralizar todos os seus bens no capital social de uma sociedade limitada para torná-los inalcançáveis pela constrição judicial. Clarindo Favretto (1986, s.p.), tratou do tema, fundando-se na ideia de Waldemar Ferreira e Edson Prata, de que o Código Comercial colocava o fundo social como inexigível em processo de execução, sendo, assim, bem impenhorável.
A base desta corrente sustentava-se nos artigos 930, V; 931; 942, XII e 943, II[4] do Código de Processo Civil de 1939, que, em conjunto com o artigo 292[5] do Código Comercial, como menciona José Waldecy Lucena (1996), expressamente proibiam a penhora dos fundos sociais, pela dívida particular de sócio.
É de mesma importância citar o disposto no Código Comercial, como mencionado por José Waldecy Lucena (1996), pois foi ferramenta para os defensores da tese da impenhorabilidade por longo tempo, mesmo durante o Código de Processo Civil de 1973.
Na esteira desta corrente, a posição de Rubens Requião (2003, p.483) era a seguinte:
O que se precisa ter em mente, na hipótese em exposição, é a certeza de que os fundos sociais não pertencem ao quotista, mas à sociedade. Sustentar-se o contrário é pôr-se abaixo toda a teoria da personificação jurídica e negar-se a autonomia do seu patrimônio em relação aos seus componentes. Preocupa a alguns juízes, pressionados pelas partes, o fato de que, não existindo outros bens do devedor-quotista, ficará ele imune ao processo de execução, apresentando-se como aparente devedor insolvente. Não, não é assim. A penhora deve recair sobre os créditos que o devedor possuir em conta corrente da sociedade, ou sobre os lucros que da sociedade resultar, após o balanço. Se estes não ocorrerem, a penhora somente poderá ser feita na liquidação da sociedade, sobre o produto liquido que couber em pagamento ao cotista-devedor. Se houver, todavia, o mau uso da pessoa jurídica e o devedor houver maliciosa ou fraudulentamente transferido seus bens para a sociedade por cotas, restará ao juiz o recurso de, examinando a fraude, desconsiderar a personalidade jurídica, mandando penhorar os haveres do sócio na sociedade.
José Waldecy Lucena (1996) destaca que essa corrente de pensamento perdeu força quando o Código de Processo Civil de 1939 foi revogado pelo de 1973, que não acolheu o texto legislativo expresso nos artigos supracitados do código de 1939. Os defensores da impenhorabilidade ficaram assim órfãos de boa parte de seus instrumentos legais em que se fundava a impenhorabilidade das quotas sociais em sociedade de responsabilidade limitada. Restava unicamente o mencionado artigo do Código Comercial para defender a possível impenhorabilidade.
Passa a prevalecer, a partir do CPC de 1973, entendimento no sentido da possibilidade da penhora das quotas.
De início, a doutrina adotou um posicionamento híbrido. Para a possibilidade ou não da penhora, deveria ser levado em consideração o que consta no ato constitutivo da sociedade empresária. Caso não haja, em seu contrato social, cláusula prevendo a necessidade de anuência dos demais sócios para alienação das quotas sociais, as mesmas poderão ser penhoradas. Do contrário, não. Nesse sentido, Rubens Requião (2003, p. 483) lecionou:
A Quota somente era penhorável, em nosso entender, se houvesse, no contrato social, cláusula pela qual pudesse ser ela cessível a terceiro, sem a anuência dos demais companheiros. A sociedade demonstraria, com isso, sua completa despreocupação e alheamento em relação à pessoa do sócio, dando-lhe um nítido sabor de sociedade de capital.
Assim, caso existissem no contrato social dispositivos que vedassem a alienação das quotas a terceiros sem prévia anuência dos demais sócios, as mesmas seriam impenhoráveis. Do contrário, as quotas poderiam ser arrematadas ou adjudicadas por terceiro credor. A esse respeito, confira-se o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
PENHORA. SOCIEDADE POR QUOTAS. IMPENHORABILIDADE DA QUOTA SOCIALPOR DIVIDAS PARTICULARES DOS SOCIOS. SÃO IMPENHORAVEIS AS QUOTAS DA SOCIEDADE COMERCIAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA, POR DIVIDAS DE SEUS SOCIOS, PORQUE SUA NATUREZA E "INTUITU PERSONAE" E NAO "INTUITU PECUNIAE". PENHORAM-SE OS LUCROS LIQUIDOS QUE A QUOTA POSSA REVERTER. DECISAO CONFIRMADA.
(Agravo de Instrumento Nº 594093585, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Clarindo Favretto, Julgado em 18/08/1994)
Entretanto, com a evolução das discussões, principalmente tendo em vista a regra do artigo 591 do CPC/1973, a jurisprudência passou a reconhecer amplamente a plena possibilidade de penhora das quotas sociais. Confira-se, por exemplo os seguintes julgados do STJ, que tem por seus relatores os Ministros Eduardo Ribeiro e Sálvio de Figueiredo, respectivamente:
O artigo 591 do CPC, dispondo que o devedor responde, pelo cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens, ressalva as restrições estabelecidas em lei. Entre elas se compreende a resultante do disposto no artigo 64, I, do mesmo Código, que afirma impenhoráveis os bens inalienáveis. A proibição de alienar as cotas pode derivar do contrato, seja em virtude de proibição expressa, seja quando se possa concluir, de seu contexto, que a sociedade foi constituída “intuitu personae”. Hipótese em que o contrato veda a cessão a estranhos, salvo consentimento expresso de todos os demais sócios. Impenhorabilidade reconhecida
(Recurso Especial nº 34.882-RS, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Eduardo Ribeiro, Julgado em 29/06/1993)
A penhorabilidade das cotas pertencentes ao sócio de sociedade de responsabilidade Ltda., por dívida particular deste, porque não vedada em lei, é de ser reconhecida. Os efeitos da penhora incidentes sobre as cotas sociais hão de ser determinados em atenção aos princípios societários, considerando-se haver, ou não, no contrato social, proibição à livre alienação das mesmas. Havendo restrição contratual, deve ser facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios, a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (arts. 1117 a 1119 do CPC). Não havendo limitação no ato constitutivo, nada impede que a cota seja arrematada com inclusão de todos os direitos a ela concernentes, inclusive o status de sócio
(Recurso Especial nº 30.854-2-SP, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Eduardo Ribeiro, Julgado em 8/03/1993)
A questão foi definitivamente pacificada com a entrada em vigor do Código Civil de 2002. Em seu art. 1.026[6], está expressamente prevista a possibilidade da constrição judicial dos lucros advindos da quota, ou a sua liquidação.
Restaram, contudo, incongruências e omissões por parte do legislador, que não especificou como será feita a avaliação, muito menos o rito a ser seguido caso chegue-se à última opção de satisfação do credor (a efetiva liquidação das quotas).
3.1 MUDANÇAS ADVINDAS COM O CÓDIGO CIVIL DE 2002
Com a vigência do então novo código civil, superou-se em definitivo a ideia das quotas sociais das Sociedades Limitadas serem impenhoráveis. Caminhou-se, assim, para um horizonte de satisfação do direito do credor em relação ao sócio devedor.
Todavia, ainda restavam algumas nuances a serem resolvidas, como por exemplo, se depois de penhoradas as quotas, o adquirente em hasta pública teria direito de ingressar no quadro societário da Limitada, efetivando seus direitos pessoais que decorrem da quota adquirida judicialmente ou se caberia ao adquirente o direito de simplesmente fazer sua apuração de haveres frente a sociedade, exigindo o cumprimento do direito patrimonial que a quota adquirida lhe proporciona.
Muito esperou-se da Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, havia uma ar esperançoso no direito societário pátrio que de uma vez por todas teríamos esta matéria tão incontroversa frente a juristas de renome e também pelos tribunais do país inteiro, finalmente pacificada.
Ocorre que, por esbarrar de frente com as características inerentes à Sociedade Limitada, no caso o intuitu personae e affectio societatis, esquivou-se da livre penhorabilidade da quota. Adotou-se um posicionamento hibrido, como explicado acima, trazido à baila ao direito societário brasileiro, um dos defensores de tal medida era Rubens Requião (2003, p. 484-485), que defendia que em essência a quota não poderia ser objeto da constrição judicial, vez que, novamente, afrontaria a pessoa jurídica da Sociedade Limitada.
Requião entendia que mister far-se-ia a análise do ato constitutivo da Sociedade Limitada, desta forma, saberíamos qual tipo societário os sócios definiram quando da constituição da sociedade. Caso haja no contrato social clausula permissiva, quanto a cessibilidade das quotas para terceiros, e independer da anuência dos sócios diversos, estaríamos diante de uma Sociedade Limitada, com características de uma sociedade de capital. Portanto perde-se aqui uma característica da sociedade limitada (intuitu personae), equipara-se aqui, de certa forma, a quota à ação das Sociedades Anônimas, uma vez que o importante para a S.A é o capital a ser subscrito, indiferente à figura do sócio, neste caso conhecido como acionista. Assim, tendo a Sociedade Limitada uma face de sociedade de capital, poder-se-ia facilmente penhorar-lhe as quotas.
Também, conforme dispõe o artigo 1.053, parágrafo único[7] do Código Civil, poderá a Sociedade Limitada reger-se, supletivamente, pela Lei 6.404 de 15 de setembro de 1976, conhecida como Lei da Sociedade Anônima. Caracterizar-se-ia assim, também, caso tenha sido essa a escolha dos sócios quando da formação do ato constitutivo, a Sociedade Limitada como uma sociedade de capital, aplicando-se também o entendimento que suas quotas poderiam ser livremente penhoradas, também igualadas às ações.
Já em via de regras, quando não encontrado no contrato social, clausula que dispense a anuência dos demais sócios para a cessão das quotas, ou que a Sociedade Limitada irá reger-se pela Lei das Sociedades Anônimas, esta estaria revestindo-se de um manto protetor, que sob este proteger-se-ia seu caráter intuitu personae e o vínculo da affectio societatis. Portanto, seriam suas quotas agora impenhoráveis?
Por longo tempo, teve-se no Direito Societário a prática recorrente de adicionar nos contratos sociais uma cláusula que dizia-se que as quotas são impenhoráveis, encontrou-se nesta estratégia uma forma de escusar-se o sócio devedor de eventuais dividas que por ventura venha a contrair. Porém não se aceita mais este entendimento, pois estar-se-ia ignorando o direito ao crédito que o credor possui, conduta cada vez mais distante das realidades dos pretórios nacionais. Assim entendeu o egrégio Superior Tribunal de Justiça em seu Recurso Especial de número 712.747/DF, conforme a ementa a seguir, veja-se:
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA DE COTAS DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO. DESATENDIMENTO DA GRADAÇÃO LEGAL. NÃO COMPROVAÇÃO DA EXPRESSÃO ECONÔMICA. ÔNUS DO DEVEDOR. I - Descabe o conhecimento do especial quanto ao pedido de relativização da ordem de gradação dos bens indicados à penhora, se o recorrente não se desincumbiu do ônus de comprovar a expressão econômica daqueles que pretendia dar em substituição aos já penhorados. II - No que se refere à alegação de que os demais sócios do empreendimento são contrários à venda das cotas, sendo ainda essa iniciativa vedada pelo contrato social, asseverou o acórdão recorrido não ter o recorrente se desobrigado do ônus da sua prova, "eis que sequer juntou aos autos cópia do mesmo", de modo que, superar essa conclusão demandaria incursão no acervo fático-probatório da causa, o que é vedado em âmbito de especial (Súmula 7/STJ). III - Ademais, a despeito de haver restrição contratual à alienação das cotas, esta não pode ser admitida como válida, à mingua de qualquer previsão legal. Deve-se apenas facultar à sociedade, na qualidade de terceira interessada, a possibilidade de remir a execução, ou então, conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, em consonância com os artigos 1.117, 1.118 e 1.119 do estatuto processual civil. Precedentes. Recurso especial não conhecido. (REsp 712.747/DF, Rel. Ministro Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 21.02.2006, DJ 10.04.2006 p. 186).[8]
Mesmo diante da regra do artigo 1.026 do Código Civil, ainda há defensores de entendimento oposto ao retratado no julgado do STJ acima citado. Por exemplo, Thais De Campos Leite (2010, p. 77-96), com base no artigo 649 do Código de Processo Civil, sustenta que faculta-se aos sócios gravar as quotas da Sociedade Limitada com a cláusula de impenhorabilidade, uma vez que há entendimento semelhante no Direito Sucessório, quando faculta-se ao testador gravar seus bens com cláusula de incomunicabilidade, portanto tornando impenhoráveis bens passiveis de transmissão, como quotas de sociedades. Destarte, de acordo com esse entendimento, os sócios, ao constituírem a sociedade, poderiam incluir no contrato social clausula tornando as quotas impenhoráveis. Ou seja, mesmo com a regra do artigo 1.026 do CC, seria necessária, novamente, a análise do ato constitutivo da Sociedade para que se saiba, efetivamente, no caso concreto se a quota será impenhorável ou não.
Por outro lado, Gustavo Teodoro Andrade Pena (2011, s.p) entende que, uma vez que a impenhorabilidade decorre de lei, e, para o caso das quotas de Sociedades Limitadas, nada diz a legislação pátria acerca disso, não haveria qualquer restrição para penhora das quotas. Além disso, as quotas não se encontravam no rol de bens impenhoráveis que traz o artigo 649 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época. Assim afasta-se a possibilidade de gravar como impenhoráveis as quotas sociais.
A doutrina acabou convergendo, majoritariamente, para a possibilidade irrestrita da penhora das quotas sociais.
De destacar que o artigo 1.026 do CC, para evitar a polemica acerca da impenhorabilidade de quotas de sociedades cujos contratos sociais contivessem restrições ao ingresso de terceiros, trouxe como alternativa, a possibilidade da constrição judicial recair sobre os frutos advindos da quota, por ser demasiadamente difícil enfrentar, quando tem-se a execução, os direitos e princípios regentes das sociedades com os do credor que busca ter seu direito ao crédito satisfeito.
Buscou-se assim, uma solução para que não se olvide o direito do credor de receber seu crédito, mas sem afrontar os direitos da sociedade empresária limitada, que, se suas quotas sociais fossem livremente penhoradas, teria suas características basilares violadas.
O credor, ao esgotar suas opções de bens à indicar a penhora, pode fazer recair a constrição judicial nos frutos advindos da quota social pertencente ao sócio devedor. Desta forma, evita-se toda a problemática que vinha desenvolvendo-se a respeito desse assunto.
Entende ser esta a melhor alternativa Eduardo Bastos de Barros (2010, p. 121-138), pois ter-se-ia, a satisfação mais rápida da obrigação, e estaria em consonância com o princípio da menor onerosidade ao executado, principio este preceituado no então Código de Processo Civil em seu artigo 620[9]. Pois garantir-se-ia tanto o crédito por parte do exequente, bem como o evitar-se-ia a penhora da quota social da sociedade limitada, como foi explicado acima, que necessita de uma análise minuciosa das características deste tipo societário, através do contrato social e de suas peculiaridades, para então definir se de fato a sociedade limitada é revestida de caráter pessoal ou capitalista, o que definiria se as cotas poderiam, ou não, serem penhoradas.
Neste sentido tem-se o julgado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, em acórdão proferido na data de 28/10/2015
AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PENHORA DE QUOTAS DE SOCIEDADE LIMITADA POR DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO – POSSIBILIDADE – ART. 1.026 DO CÓDIGO CIVIL E 655 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – RECURSO PROVIDO – DECISÃO REFORMADA.
1. As quotas de sociedade limitada podem ser penhoradas para satisfazer o crédito exequendo, ex vi do art. 1.026 do CC e do art. 655 do CPC.
2. Todos os bens do devedor respondem pelas suas obrigações, a teor do art. 591 do CPC, salvo as restrições legais, nas quais não se incluem as quotas de sociedade limitada.
3. Recurso provido. Decisão reformada.
Eduardo Bastos de Barros, frisa, ainda, a necessidade de proceder-se com registro perante as instituições competentes, para que se torne efetiva a penhora dos rendimentos advindos da quota social, conforme disposto no artigo 1.026 do Código Civil, perante terceiros. Para as Sociedades Simples (anteriormente conhecidas como Sociedades Civis) o registro no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas e para o caso da Sociedade Limitada, a Junta Comercial.
3.2 LEI 11.382 DE 6 DE DEZEMBRO DE 2006, A PEQUENA REFORMA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
A dinamicidade no mundo jurídico atual é tamanha, que teve-se a necessidade em fazer a lei processual civilista acompanhar a evolução da sociedade. Desta forma, o legislador editou a Lei nº 11.382 de 6 de dezembro de 2006, a qual trouxe muitas reformas às normas processuais do Código de Processo Civil vigente à época.
Dentre várias novas redações dadas à artigos do CPC, na seara da penhorabilidade das quotas de Sociedade Limitada tivemos mudanças significativas, porem como será mostrado à seguir, o legislador foi infeliz na redação dada à alguns artigos do CPC, pois esperava-se que seriam solucionadas algumas divergências doutrinárias e jurisprudenciais, todavia criou-se brechas para novas discussões e também uma discrepância entre o disposto no Código de Processo Civil e naquilo elencado no Código Civil.
Um dos pontos acertados, pela pequena reforma do Código de Processo Civil de 1973, foi adicionar à redação do artigo 655, inciso VI[10], a parte “(...) e quotas de sociedades empresárias”. Por um lado, positivou-se efetivamente e acabou-se com a discussão, embora esta ter sido enfrentada pela jurisprudência ao longo do tempo, se as quotas societárias seriam de fato penhoráveis, o que o legislador positivou que de fato, são penhoráveis. Porém, como nos ensina Eduardo Bastos de Barros (2007, p. 123), a redação do inciso supracitado foi incongruente, pois escreveu-se que só seriam penhoráveis as quotas de sociedades empresárias, o que excluiria as Sociedades Simples. Explica o professor paranaense, na esteira do artigo 966[11] do Código Civil, a referida incompatibilidade da redação do artigo 655, VI do CPC com o disposto no diploma civilista:
Ou seja, as sociedades que tiverem por objeto social “a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços” serão sociedades empresárias. Já as sociedades simples serão as demais. (BARROS. 2007, p. 124)
Ora, se analisada de maneira literal a nova redação do artigo 655, VI, ter-se-ia essa impressão, de que as quotas penhoráveis seriam somente das sociedades que tiverem como seu objeto social uma atividade empresarial. Ocorre que em nada se diferencia o investimento feito pelo sócio de Sociedade Simples, do investimento feito pelo sócio de Sociedade Limitada, ambos buscam obter alguma vantagem quando ingressam na sociedade (muitas vezes econômica), como ficaria, por exemplo, uma sociedade que presta somente consultoria, portanto se enquadrando na sociedade simples por exercer uma atividade de cunho intelectual. Não seria possível então penhorar as quotas de um sócio devedor dessa sociedade? Entende Eduardo Bastos de Barros ser esta interpretação literal da nova redação do artigo 655, VI do CPC errônea e não condizente com a realidade jurídica.
Outro problema que foi mantido, mesmo com a redação nova dada a artigos do CPC/73, é a discussão que se o sócio devedor, na insuficiência de seus bens, ter sua parte societária constrangida pela penhora e assim gerando ao credor, caso este adjudique as quotas penhoradas, o direito de ingresso na Sociedade Limitada (ou mesmo na Sociedade Simples como explicado acima). Esbarrando-se assim, novamente, na velha discussão do intuitu personae e affectio societatis das Sociedades Limitadas.
Deveria ter o Código de Processo Civil, através da pequena reforma, adotado o entendimento do Código Civil quando editou o artigo 1.026, no sentido de não serem objetos de penhora as ações (participação societária em Sociedades Anônimas) e as quotas, mas sim os frutos que deles adviriam. Eliminar-se-ia desta forma duas problemáticas que vem sendo objeto de discussão desde a criação das Sociedades Limitadas, pelo decreto 3.708 de 10 de janeiro de 1919, como já apresentado nesse trabalho.
Além de menos trabalhoso a constrição judicial dos frutos advindos da participação societária do sócio devedor, também seria mais rápida. Pois a distribuição dos lucros das Limitadas se dá, em grande maioria, por dinheiro, podendo-se assim proceder com o depósito do valor nos respectivos autos de execução, é este o entendimento de Eduardo Bastos de Barros (2007, p. 125).
No julgado a seguir vê-se a adoção da possibilidade do credor utilizar-se do artigo 1.026 do CC para satisfazer seu crédito perante o sócio devedor, porém, vale ressaltar que é somente uma faculdade do credor, e não uma sequência preferencial da penhora, uma vez que deveria vir a penhora sobre os lucros antes da constrição judicial recair sobre a participação societária do sócio devedor na Sociedade Limitada. Veja-se o julgado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que faculta ao credor utilizar-se do dispositivo supramencionado do código civilista.
AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – PENHORA DE QUOTAS DE SOCIEDADE LIMITADA POR DÍVIDA PARTICULAR DE SÓCIO – POSSIBILIDADE – ART. 1.026 DO CÓDIGO CIVIL E 655 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – RECURSO PROVIDO – DECISÃO REFORMADA.
1. As quotas de sociedade limitada podem ser penhoradas para satisfazer o crédito exequendo, ex vi do art. 1.026 do CC e do art. 655 do CPC.
2. Todos os bens do devedor respondem pelas suas obrigações, a teor do art.591 do CPC, salvo as restrições legais, nas quais não se incluem as quotas de sociedade limitada.
3. Recurso provido. Decisão reformada
(TJ-MS - AI: 14069873820158120000 MS 1406987-38.2015.8.12.0000, Relator: Des. Dorival Renato Pavan, Data de Julgamento: 28/10/2015, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 05/11/2015)
Outro ponto não abordado, embora muitíssimo importante, como explicado por Thais de Campos Leite (2010, p. 86), é a diferença no que consta no CPC/73, com aquilo disposto no Código Civil, não somente na temática da possibilidade de fazer recair sobre a quota, o instituto da penhora, mas sim na não observância ao princípio fundamental, norteador do processo de execução, o dito princípio da menor onerosidade do executado.
O artigo 655 do Código de Processo Civil, elenca uma sequência de bens a serem penhorados, portanto para que se respeite o princípio da menor onerosidade ao devedor, deve-se começar as tentativas de penhoras sobre dinheiro (conforme inciso I) e ir prosseguindo na sequencia trazida até que se satisfaça o credito. Porém, ao ser incluído no inciso VI do artigo 655, redação tão genérica e não observando o disposto no código civilista, marginalizou-se o princípio acima mencionado. Uma vez que, retirar do executado o seu direito à sua participação societária seria muito mais gravoso, tanto para o sócio devedor, mais ainda para a sociedade, esta uma terceira à relação entre credor e devedor. Deveria o legislador ao promover a atualização do Código de Processo Civil de 1973, em 2006, em consonância com o disposto no artigo 1.026 do Código Civil, no caso a possibilidade de fazer recair a penhora sobre os frutos que destas quotas decorrerem.
Neste sentido, tem-se Thais de Campos Leite (2010, p. 94), que versa:
Somente dessa forma (afastando-se o inc. VI do art. 655 do Código de Processo Civil), a execução prosseguiria com a devida observância do princípio da menor onerosidade do devedor. Seria a aplicação do princípio no caso concreto, pelo juiz de direito, uma vez que o legislador não respeitou este princípio ao inseriu no código processual o referido inc. VI (com redação tão genérica).
Infelizmente não foi essa a saída adotada pelo legislador de 2006, que manteve a possibilidade da penhora sobre as ações e as quotas.
Para dirimir um pouco, e orientar qual saída dever-se-ia adotar, o Conselho da Justiça Federal elaborou seu Enunciado nº 387 na IV Jornada de Direito Civil, em 2006, que orienta para adotar, preferencialmente, o caminho da penhora dos frutos da quota, respeitando-se assim os princípios da menor onerosidade do devedor, como demonstrado acima, e em conjunto, com o princípio da função social da empresa. Confira-se o enunciado, in verbis:
Enunciado 387. A opção entre fazer a execução recair sobre o que ao sócio couber no lucro da sociedade, ou na parte que lhe tocar em dissolução, orienta-se pelos princípios da menor onerosidade e da função social da empresa.
Como a penhora da quota, era possível, pois foi positivada no Código de Processo Civil de 1973, através da reforma da lei 11.382 de 2006, e através de construções doutrinárias, que foram trazidas a luz da legalidade, com a égide do Código Civil de 2002, em seu artigo 1.026, que possibilitava a penhora daquilo que ao sócio era percebido através da sua titularidade da quota, o que muitos pretórios nacionais optaram por adotar, uma vez que se tornava o processo de execução mais rápido e fácil, e menos oneroso ao sócio devedor, muito menos para a sociedade.
Restou ainda, caso não houvessem frutos a serem percebidos da parte societária, portanto, deveria a penhora recair sobre a quota, tendo que ser enfrentada, uma vez ou outra, a problemática que envolve a penhorabilidade da quota da Sociedade Limitada. Levando-se em consideração os aspectos pessoais da Sociedade Limitada bem como o vínculo que une os sócios, como proceder-se-ia com a satisfação do crédito devido frente a esses aspectos?
Coube à doutrina e a jurisprudência dos pretórios nacionais para encontrar uma forma de se evitar o rompimento do vínculo affectio societatis caso o credor adjudique as quotas ou até mesmo caso a participação societária do sócio devedor vá a leilão. Pois como explicado acima, a quota tem natureza jurídica hibrida. Tendo o possuidor das quotas direitos pessoais, por exemplo ter o status de sócio, como nos ensina Carlos Henrique Abrão (2013, p.30):
A quota representa um conjunto complexo de direitos e obrigações, dando ao seu titular um status, conferindo-lhe o exercício das atividades, tendo interesse direto na realização dos negócios societários.
Advêm da quota também os direitos patrimoniais, que seriam a apuração dos haveres que o detentor da quota tem perante a sociedade. Mas como já explicado, se o possuidor da quota se forçar a entrar na sociedade limitada, que constituída com um caráter pessoal em relação aos sócios, poderia este romper o vínculo fundamental da Sociedade Limitada, podendo levar esta a sua dissolução.
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que solidificou jurisprudência acerca de como deveria proceder a penhora, uma vez que ainda é possível a constrição judicial sobre a parcela societária do sócio devedor, embora devesse preferir-se a faculdade apontada pelo artigo 1.026 do Código Civil, uma vez que, como apontado por Eduardo de Bastos Barros, seria a forma mais pacifica e segura, frente aos princípios fundamentais das Sociedades Limitadas, uma vez que estes não seriam violados. Mas caso for a opção do credor em adjudicar, ou caso venham as quotas à hasta pública, pronunciou-se o STJ da seguinte forma:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. QUOTAS SOCIAIS PENHORADAS. ADJUDICAÇÃO PELO VALOR DO CRÉDITO. PARTE DAS QUOTAS. POSSIBILIDADE. (...) 4. A respeito da affectio societatis, abordada nas instâncias ordinárias, os efeitos da adjudicação relativamente à composição da sociedade deverão ser resolvidos entre os adjudicantes e os atuais sócios à luz das cláusulas do contrato social ou, na pior das hipóteses, mediante dissolução, parcial ou integral, da sociedade para que o credor transforme as quotas adquiridas judicialmente em pecúnia ou em outros bens de seu interesse. Precedentes. 5. Recurso desprovido”. (REsp 522820/SP, Rel Min. Antonio Carlos Ferreira, J. em 22/10/2013, DJe de 5/03/2014)
RECURSO ESPECIAL PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA POSSIBILIDADE. I - É possível a penhora de cotas pertencentes a sócio de sociedade de responsabilidade limitada, por dívida particular deste, em razão de inexistir vedação legal. Tal possibilidade encontra sustentação, inclusive no art. 591, CPC, segundo o qual “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”. II - Os efeitos da penhora incidente sobre as cotas sociais devem ser determinados em levando em consideração os princípios societários. Destarte, havendo restrição ao ingresso do credor como sócio, deve-se facultar à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou concedê-la e aos demais sócios preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1117, 1118 e 1119), assegurando-se ao credor, não ocorrendo solução satisfatória, o direito de requerer a dissolução total ou parcial da sociedade” (REsp n. 221.625/SP, Relatora Ministra NANCY ANDRIGUI, TERCEIRA TURMA, DJ de 7.5.2001).
Há de se anotar, que como ensina Alfredo de Assis Gonçalves Neto (2015, p. 287), esta opção quanto a penhora dos lucros da quota, não é sempre obrigatória, pois tem-se sociedades que não distribuem seus lucros aos seus sócios, ou, passam por um período em que todo o lucro está sendo revertido à investimentos na própria sociedade. Portanto, não se pode falar que a distribuição do lucro, para satisfazer um credor, terceiro à sociedade, é obrigação da sociedade, está que não figura no polo passivo da relação de crédito.
Percebe-se a nítida dificuldade e fragilidade advinda da possibilidade de penhorar as quotas. Uma vez que precisar-se-ia proceder com a liquidação das mesmas, análise do ato constitutivo da sociedade limitada para ver se haveria a possibilidade de ingresso do adjudicante ou arrematante no quadro societário, caso não fosse aceito ou impedido este apuraria seus haveres através da dissolução parcial ou total da sociedade, o que traria grandes problemas, como por exemplo o fim das atividades, caso ocorresse a dissolução total. Entende ser a dissolução da sociedade a última alternativa Carlos Henrique Abrão (2013, p. 30), confira-se:
Na atualidade, a tendência é a preservação do organismo social, como forma de possibilitar o desenvolvimento da atividade econômica, sendo que os procedimentos de liquidação só devem ser adotados em último caso, quando se torna impossível, ou financeiramente inviável a permanência da empresa.
Mister ressaltar outra construção dos pretórios nacionais, acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de facultar aos demais sócios o direito de preferência na aquisição das quotas objetos do instituto da penhora, método este desenvolvido para manter-se o vínculo affectio societatis a fim de evitar a dissolução da Limitada, outra possibilidade seria a Sociedade, na faculdade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou concedê-la. Confira-se o julgado do STJ:
RECURSO ESPECIAL - PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL - PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - POSSIBILIDADE. I - É possível a penhora de cotas pertencentes a sócio de sociedade de responsabilidade limitada, por dívida particular deste, em razão de inexistir vedação legal. Tal possibilidade encontra sustentação, inclusive, no art. 591, CPC, segundo o qual "o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei". II - Os efeitos da penhora incidente sobre as cotas sociais devem ser determinados em levando em consideração os princípios societários. Destarte, havendo restrição ao ingresso do credor como sócio, deve-se facultar à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou concedê-la e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1117, 1118 e 1119), assegurando-se ao credor, não ocorrendo solução satisfatória, o direito de requerer a dissolução total ou parcial da sociedade. (STJ - REsp: 221625 SP 1999/0059057-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 07/12/2000, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: --> DJ 07/05/2001 p. 138 LEXSTJ vol. 144 p. 148).
Na mesma forma que ocorreu na passagem do Código Civil em 2002, aconteceu de maneira semelhante, aquilo que a doutrina e jurisprudência cria como forma de esquivar-se da penhora das quotas, ou neste caso, abrandar seus efeitos, o Código de Processo Civil de 2015, positivou a ferramenta acima explicada, dando desta forma à sociedade, agora de forma expressa em lei, a preferência nas aquisições das quotas que por ventura vierem a ser penhoradas. Analisar-se-á essa temática no próximo capítulo desta monografia.