4 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A DISCIPLINA DA PENHORA DA QUOTA E SUAS TENDENCIAS
Por estar defasado com a atualidade, embora tenha sofrido várias atualizações ao longo do tempo, o CPC de 1973 não condizia mais com a realidade vivida no Direito Brasileiro. Como sabido, editou-se o novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015.
Dentre as várias reformas e novas ideias abarcadas pelo novo CPC, também inovou-se no tocante das quotas sociais de Sociedade Limitada e sobre a constrição judicial que sobre ela poderia recair.
Inovou o novo Código de Processo Civil, de modo semelhante aquilo que foi feito no Código Civil, ao positivar o que já vinha sendo entendimento dos tribunais nacionais no sentido de dar preferência aos demais sócios da Sociedade Limitada, dando também a alternativa à própria sociedade em remir a execução na condição de interessada, deste modo pôde-se defender as características dos vínculos intuitu personae e affectio societatis frente às investidas do credor, quando em busca da satisfação do seu crédito, que muitas vezes chocava-se com estas características fundamentais da Sociedade Limitada, mais especificamente quando o credor optava por adjudicar a participação societárias na execução ou caso seja necessária levar as quotas à hasta pública.
4.1 NOVIDADES SOBRE A PENHORA DE QUOTAS NO CPC DE 2015 E ANÁLISE DO ARTIGO 861.
A partir de 16 de março de 2016, entrou em vigor a Lei nº 13.105 de 2015, trazendo à luz do Direito Brasileiro, um novo Código de Processo Civil. Com ele editaram-se vários artigos pertinentes à matéria analisada, porém o específico viria a ser o artigo 861[12], que solidificou em letra de lei, o que já era entendido por alguns tribunais nacionais, que viria a ser uma forma de proteção da entidade empresária, de modo que não haja entrada de terceiro estranho no quadro societário da Sociedade Limitada, possibilidade esta que vem sendo combatida desde o surgimento da Sociedade Limitada, principalmente quando foi permitido lhe penhorar as quotas sociais.
O artigo 861 do Código de Processo Civil, que garante o direito de preferência aos sócios e também à sociedade caso venha-se recair constrição judicial sobre a participação societária do sócio devedor.
Embora que, no antigo Código de Processo Civil, tinha-se um parágrafo que dispunha acerca do direito de preferência, este não trouxe o procedimento formal a ser adotado. Confira-se o disposto no revogado artigo 685-A do código supramencionado:
Art. 685-A. É lícito ao exeqüente, oferecendo preço não inferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados os bens penhorados. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
(..)
§ 4o No caso de penhora de quota, procedida por exeqüente alheio à sociedade, esta será intimada, assegurando preferência aos sócios. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
(..)
Observa-se no parágrafo 4º (quarto), o que se tinha na égide do Código de Processo Civil de 1973, a respeito do direito de preferência dos sócios e também ao caso de a sociedade ser intimada para manifestar-se.
Pois bem, o novo Código de Processo Civil, já dá uma obrigação à sociedade, no sentido de havendo penhora de quotas da sociedade, onde estipula-se um prazo não superior a três meses, para que esta apresente balanço especial, ofereça as quotas aos demais sócios (observando-se a ordem de preferência) ou não havendo interesse por parte dos sócios que não são devedores, proceder-se-á com a liquidação das quotas, depositando o valor apurado em juízo.
Não concorda muito com essa obrigação pelo artigo 861 do CPC/2015, imposta à sociedade, Alfredo de Assis Gonçalves Neto (2015, p. 284) que critica:
Tem-se ai a submissão da sociedade a um mandamento judicial que a obriga a adotar um procedimento dispendioso, sem qualquer relação de causalidade que o justifique, pois nada deve ao credor de seu sócio nem pode ser responsabilizada por um acontecimento que não lhe é minimamente atribuível.
Quanto a essa questão, preocupou-se, também, Rômulo Augusto Araújo Bronzel (2015, s.p) que discorrendo acerca dos impactos do artigo 861 do CPC/15, sobre esse ônus dado à Sociedade Limitada, sendo que não figura em nenhum polo da relação jurídica executiva: “A sociedade, ficção jurídica que recebeu personalidade própria em relação aos sócios pela Constituição Federal, a qual não deveria estar voltada aos atos pessoais desses recebeu um encargo judicial”.
Outro ponto que Gonçalves Neto anota, em sua obra, é o fato do direito da sociedade em haver seus gastos reembolsados. Uma vez que, lhe é atribuída essa obrigação, decorrente de uma relação processual de onde a pessoa jurídica nenhuma relação tem. Assim, entende Gonçalves Neto, por ter a sociedade, uma vez que um de seus sócios torna-se devedor de outrem que não os demais sócios nem a sociedade, ter-se-á sua quota penhorada, caso não seja de vontade do credor em penhorar os frutos advindos da quota constringida judicialmente. Procedendo-se com a penhora, aplicar-se-á o artigo 861, §5º do CPC/2015, este que dá o ônus das despesas necessárias para o procedimento à sociedade, o que deveria ser suportado pelo exequente com direito de reembolso contra o executado. Nesta esteira posiciona-se o jurista paranaense supracitado:
Como não se trata de débito seu, parece-me que na interpretação de tal norma há de se ter por implícito o direito de reembolso, assegurando-se à sociedade o direito de exigir a antecipação das despesas em que irá incorrer. (GONÇALVES NETO, 2015, p.284)
Embora a preocupação de Alfredo de Assis Gonçalves Neto para com as obrigações que uma penhora possa impor à sociedade. Não pode-se negar que o artigo 861 traz maior segurança ao caráter intuitu personae e affectio societatis da empresa, uma vez que consegue-se uma garantia maior frente à entrada de terceiro no quadro societário. O que poderia ser desastroso para o desenvolver das atividades da sociedade, pois caso um terceiro estranho forçasse sua entrada, poderia haver a quebra do vínculo societário (affectio societatis), o que consequentemente levaria a sociedade a sua potencial dissolução, o que pode gerar abusos por parte do credor. Neste sentido escreve Adriana Aguiar (2016. apud COELHO, s.p):
A possibilidade do ingresso de um sócio desconhecido causa desconforto nas companhias, segundo a advogada. "As sociedades quando são formadas reúnem um grupo de pessoas com um propósito em comum e a possibilidade do ingresso de um terceiro estranho é o pior cenário possível. Alguns credores que sabem disso têm pedido a penhora das quotas porque sabem que podem conseguir um acordo.
Humberto Theodoro Junior (2016, p.286) concorda com esse aspecto positivo trazido ao direito processual brasileiro, protegendo-se unicidade da empresa, que escreveu:
Como se vê, o NCPC preocupa-se com a affectio societatis, na medida em que garante aos sócios a preferência na alienação das quotas ou ações. Da mesma forma, permite que a sociedade evite a liquidação das quotas ou das ações, adquirindo-as sem redução do capital social e com utilização de reservas, para manutenção em tesouraria (§ 1º).
Com o artigo 861, que por uma ótica protege o âmbito societário das Sociedades Limitadas, por exemplo, tem-se também o parágrafo 1º que dispõe sobre a possibilidade da sociedade adquirir suas quotas, com suas reservas, de modo que não haja redução em seu capital social. Ora, o que interessa ao credor e ao juízo de execução é a transformação das quotas em dinheiro, afim de satisfazer a o crédito executado. Portanto, se a sociedade resolve adquirir essas quotas, a ela seria facultado o modo de fazê-lo, nem que seja por empréstimo bancário, ou até mesmo, se vier a promover a redução do seu capital social. Já que é somente de interesse dos sócios, dos administradores e da própria sociedade, deliberar acerca dos modos que a sociedade adquiriria essas quotas e somente é admissível aos sócios impugnar essas decisões tomadas pela sociedade, caso seja vantajosa para ela, em nada o credor poderá se opor (GONÇALVES NETO, 2015, p. 286).
Ao dispor no seu texto legal, o novo CPC em seu parágrafo 3º do artigo analisado, menciona o direito de nomeação de administrador pelo exequente. Ocorre que, para o advogado comercialista, supramencionado, não há nexo para o credor, quem é estranho à sociedade, não tendo o status socii (ABRÃO, 2015, p.30), ter o direito de nomear um administrador. Pois, cabe somente à sociedade, não à pessoa estranha à sociedade, o direito de escolher como procederá com a liquidação das suas quotas, já que à ela foram atribuídas obrigações legais. Entende o Gonçalves Neto, que caso não haja alteração na legislação pertinente, mudando a nomenclatura ou retirando essa disposição, caberá a doutrina e à jurisprudência dar a este administrador, uma conotação de perito avaliador. Sem que este tenha permissão de atuar no seio societário, pois foge à lógica, que um terceiro, não sócio promova a realização do ativo e pagamento do passivo do que couber ao sócio devedor
Outro problema apontado por Gonçalves Neto é o fato da sociedade quando for proceder com a avaliação de suas quotas, ato não judicial, abre-se desta forma espaço para demandas judiciais, tanto por parte do sócio devedor quanto por parte do credor, impugnando o que consta na avaliação das quotas, estaríamos destarte perante uma forma de protelar ainda mais o adimplemento da dívida.
Caso não haja aprovação do laudo apurado, poderá o juiz nomear perito para que proceda com a avaliação judicial da quota. O que poderia ter sido feito logo de antemão.
Entende-se o pensamento por detrás desta medida, pois é marco do novo Código de Processo Civil buscar a celeridade processual. Porém, ao condicionar certas obrigações processuais a terceiros ou às partes, neste caso para terceiro, colide com a inspiração inerente ao código processual com direitos elencados na Constituição Federal[13]. Mesmo que não expressa a possibilidade de impugnação, ao balanço apresentado pela sociedade, no Código de Processo Civil. Os incisos acima citados trazem o direito de proteção judicial a qualquer lesão ou ameaça de lesão, o que seria perfeitamente cabível ao caso de impugnação mencionado.
Por ter tanta possibilidade de protelação pelas partes envolvidas, Gonçalves Neto (2016, s.p) entende não ser a melhor escolha o que o legislador dispôs na redação do artigo 861, dever-se-ia aplicar o disposto no parágrafo 5º, conforme trecho extraído de seu artigo.
Isso tudo deveria ser eliminado para, desde logo, incidir o preceito contido no § 5º do mencionado art. 861. Tal previsão normativa, porém, conquanto seja a única adequada, só tem lugar quando se frustrar o procedimento de liquidação ali regulado. É que, prevista a possibilidade de constrição judicial das quotas sociais, tem-se a apreensão de bens concretos e atuais do devedor, as quais, como quaisquer outros, podem sujeitar-se à avaliação e ser leiloados, sem necessidade alguma do tratamento diferenciado, para resolver plenamente a execução.
Anote-se que o jurista paranaense, quando prefere a penhora “direta” das quotas, ignorando-se o disposto no caput e incisos do artigo 861 do CPC, entende Gonçalves Neto, uma vez avaliadas, conforme de praxe pelo Código de Processo Civil, a quota seria levada a leilão, onde se daria preferência, respeitando-se a preferência legal e contratual a elas impostas, aos sócios integrantes, não devedores, direito de preferência na arrematação destas. Caso não seja de interesse dos sócios em adquirir as quotas do seu sócio devedor, a sociedade, como terceira interessada, também teria preferência na aquisição das quotas penhoradas, visando proteger-se da entrada de terceiro totalmente estranho em seu quadro societário.
Caso sejam arrematadas as quotas, o adquirente não tornar-se-ia detentor do direito pessoal que a quota lhe proporciona, uma vez que este direito é reservado ao sócio. Portanto, estar-se-ia penhorando somente os direitos patrimoniais inerentes a quota. Devendo o adquirente promover perante a sociedade a sua apuração de haveres, de modo que receba o valor condizente à quota.
Por outro lado, tem-se o entendimento de Ana Carolina Aguiar Beneti (2016, p.1368), que explica que levar as quotas à hasta pública deve ser o último recurso a ser adotado, de modo a satisfazer o credito exigido. Ademais, teria o arrematante o direito de ingressar na sociedade, uma vez que foi prestigiado o vínculo afetivo dos sócios quando à estes foram oferecidas as quotas. Confira-se:
A medida facultada por meio do CPC/2015, art. 861, § 5º, deve, entretanto, ser vista como a última solução uma vez que terceiros, estranhos à sociedade, teriam a possibilidade de fazer parte dela por meio da aquisição de quotas em leilão.
Opina Alfredo de Assis Gonçalves Neto (2016, s.p), que o melhor caminho a ter sido adotado pelo legislador, deveria ter sido o mesmo que ocorreu na reforma de 2004 no Código Civil italiano, veja-se o que discorreu o autor em seu artigo:
O legislador bem poderia ter adotado a orientação introduzida pela reforma de 2004 no Código Civil italiano que, disciplinando o procedimento na penhora de quotas, estabeleceu que a determinação judicial de venda das quotas penhoradas deve ser comunicada à sociedade e que, quando referidas quotas forem adjudicadas, a sociedade pode obstá-la apresentando outro adquirente que ofereça o mesmo preço nos dez dias subsequentes (art. 2.471).
Com estes apontamentos feitos por Alfredo de Assis Gonçalves Neto, em sua obra Direito de Empresas – Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil, dá a sugestão de entendimento da lei processual nova.
Explica, que caso não haja por parte do credor a escolha de fazer recair a penhora sobre o que da quota social for percebido, isto se a sociedade estiver distribuindo seus lucros, pois não é obrigação legal dela distribuir seus frutos aos sócios por uma determinação judicial onde ela não figura como parte no processo de execução. Caso haja a impossibilidade desta forma alternativa da penhora, recair-se-á na penhora da quota regulamentada pelo Novo Código de Processo Civil.
Por ser obrigação da sociedade para com seus sócios em promover a liquidação de suas quotas sociais, esta possuirá o dever de apurar os valores inerentes a quota, porém, não se consegue auferir de maneira precisa o valor da quota de uma Sociedade Limitada somente analisando o contido na escrituração nem nos balanços patrimoniais, far-se-á necessário analisar o valor de mercado dos bens que integram esse patrimônio, e toda esse procedimento de apuração será de responsabilidade da sociedade, que nada tem a ver com a relação processual, mister frisar também que o professor Gonçalves Neto entende ter a sociedade direito de reembolso frente ao executado.
Por se tratar de ato particular, o de apurar o valor da quotas, este pode ser impugnado pelos sócios, como já explicado acima. O que naturalmente correrá à uma ação judicial que depois deverá promover uma nova avaliação, só que dessa vez judicial, restando, pois, a execução suspensa.
Por ter todo um percurso tumultuado, o jurista supracitado, prefere o método já adotado pela doutrina e pelos pretórios nacionais, que promoviam a penhora pura como ocorre com qualquer outro bem em processo de constrição judicial. Confira-se as próprias palavras de Alfredo de Assis Gonçalves Neto (2015, p.287):
É nesse sentido que a regra deve ser compreendida: sem penhora do que não é bem particular do sócio (lucros) e sem penhora sobre bem eventual e futuro (participação no acervo social), penhorando o credor os direitos patrimoniais que ao sócio são conferidos pela sua quota de participação.
Embora ter-se buscado com a edição no Código de Processo Civil de 2015 a tão sonhada celeridade processual, no quesito de penhora de quotas, deu-se um passo atrás, conforme entende o advogado paranaense, pois criou-se mais formas de protelar a execução, onde deveria ter sido feito algo semelhante ao ocorrido no Código Civil italiano. Como não se tem em lei processual brasileira, prefere-se pela penhora pura, da maneira que já era feito antes do Código Civil de 2002.