5 CONCLUSÃO
Pelo exposto, analisando a matéria da penhorabilidade das quotas sociais da Sociedade Limitada. Observou-se o desenvolvimento histórico da matéria, que no início do século XX, devido ao disposto no antigo Código Comercial e o contido no Código de Processo Civil vigente à época (código de 1939), e por ser a Sociedade Limitada uma criação recente na legislação nacional, uma vez que foi instituída pelo decreto nº 3.708 no ano de 1919. Fortemente revestida pelo seu caráter intuitu personae e o vínculo societário da affectio societatis, posicionaram-se a doutrina e a jurisprudência em favor de tornar as quotas impenhoráveis.
Com o desenvolver da matéria ao longo do século de 1900, levando-se em consideração ponderações de caráter processual, como a proteção do direito do credor de ter seu crédito satisfeito, caminhou-se a pequenos passos ao horizonte da possibilidade de poderem ser as quotas penhoradas. Porém com certa ressalva, ainda entendia-se que, para determinar efetivamente, se as quotas seriam penhoráveis, necessária era a análise do contrato social da Sociedade Limitada. Caso existisse em seu ato constitutivo uma disposição que proibisse ser a quota ser objeto de constrição judicial ou caso tivesse cláusula que dispusesse acerca da alienabilidade, no caso inalienabilidade, da quota atribuía-se à sociedade um caráter personalista mais forte, tornando-se a quota impenhorável.
Se o contrato social fosse omisso em relação às quotas e dispensasse a anuência dos demais sócios quando houvesse a alienação das quotas, equiparar-se-ia essa Sociedade Limitada a uma de capitais, onde valoriza-se não a figura do sócio, mas sim o capital por ele integralizado, e por analogia ao que se aplica às sociedades de capitais como por exemplo, as sociedades anônimas, tornar-se-ia a quota livremente penhorável.
Adotou-se esse posicionamento, mesmo que no Código de Processo Civil de 1973 não possuísse disposição, à época, expressa acerca da penhorabilidade das quotas.
Manteve-se esse entendimento até os anos 2000 que, a iminência do Código Civil de 2002, trouxe dispositivo alternativo à penhora da quota, pois esta embora admitida trazia consigo muitas dificuldades frente ao fato de após penhoradas as quotas, se o adquirente, para os casos da quota ser levada a leilão, ou até mesmo caso o credor resolver adjudicar as quotas, se estas pessoas estranhas, possuiriam direito de ingressar na sociedade como sócio.
Encontra-se nessas hipóteses problemas muito sensíveis que poderiam levar a sociedade à dissolução, pois poderia haver o rompimento do vinculo que une os sócios (affectio soceitatis), o que traria incontáveis prejuízos à sociedade.
O Superior Tribunal de Justiça adotou, nesta época, entendimento que as cláusulas proibitivas de impenhorabilidade das quotas não eram mais validas, uma vez que entendia-se que a impenhorabilidade somente decorre de lei, e no rol taxativo do CPC/73 não havia previsão legal da possibilidade das quotas serem impenhoráveis.
Como dito, em 2002 o Código Civil, trouxe consigo o artigo 1.026, que dispõe no sentido de dar uma alternativa à penhora de quotas, muitos juristas preferem esta forma, por tratar-se de um modo menos oneroso ao credor, ao devedor, e à sociedade. Ao credor, teria seu credito adimplido mais facilmente, pois não entrar-se-ia na discussão acerca de a Sociedade Limitada, que está tendo suas quotas penhoradas, se trata-se de uma Sociedade Limitada com caráter pessoal ou se de capitais; ao devedor, uma vez que não perderia sua participação societária; e à sociedade, quanto ao fato de não perder um de seus sócios, elo do vínculo societário, nem tampouco teria o perigo de ter que admitir terceiro estranho no seio societário, o que poderia trazer desastres incontáveis.
Em 2006, houve uma breve reforma no Código de Processo Civil vigente (1973), nesta reforma foi incluído no artigo 655, IV a expressão “e quotas de sociedades empresárias”, no artigo que já dizia que eram penhoráveis as ações. Porém, errou o legislador ao adicionar somente o termo sociedade empresaria, uma vez que, existem deveras sociedades simples, que para a ótica do sócio é, pois, um investimento de capital. Portanto em nada diferencia-se a quota da Sociedade Simples com a de Sociedade Limitada, para fins de penhora.
Assim, efetivamente positivado pelo legislador, estava a quota sujeita a penhora, porém ainda havia dúvidas quanto à forma de proteção das características basilares da Limitada (intuitu personae e affectio societatis), Assim, construiu a jurisprudência e doutrina método de satisfazer o crédito, porem protegendo a sociedade com suas quotas penhoradas.
A solução encontrada foi oferecer a quota primeiramente aos sócios e também a sociedade, para que exerçam seu direito de preferência, assim, caso nenhum dos sócios-não-devedores interesse-se pela obtenção da quota, poderá a sociedade adquiri-las.
Com a vigência do Código de Processo Civil de 2015, este entendimento foi acolhido pelo texto legal, porém consigo trouxe algumas nuances. Como por exemplo, dar a sociedade o dever de fazer o levantamento do valor de suas quotas, o que dá margem a muita discussão, pois como é ato particular esta avaliação, poderá ser objeto de impugnação dos sócios e também pelo credor, portanto, podendo protelar o processo executivo ainda mais.
Para esquivar-se desta morosidade, é preferivel a penhora dos lucros percebidos da parte societária do sócio devedor, caso a sociedade esteja distribuindo lucros, ademais, é de grande importância a penhora ser efetivamente registrada nos órgãos de registro, Junta Comercial para Sociedade Limitada e Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas para as Sociedades Simples, para que seja válida perante terceiros. Caso infrutífera essa modalidade da penhora, passar-se-ia a penhora das quotas. Deve-se abandonar o contido no texto legal do código processual cível, em seu artigo 861, e passar-se a penhora pura da quota, tal qual é feita com qualquer outro bem móvel. Uma vez levada a leilão, e devidamente avaliada por perito judicial, poder-se-ia dar preferência na aquisição das quotas aos sócios da sociedade e também a ela mesma, para que zelem pelo seu vínculo societário. Se, por acaso, ambos os prioritários se mostrarem inertes, terceiro adquirente poderia exercer seus direitos patrimoniais da quota, e requerendo a dissolução parcial da Sociedade Limitada, para apurar seus haveres, não lhe sendo cabível o exercício do direito pessoal da quota, que vem a ser o direito de ingresso na sociedade e dela participar.
Mesmo entendimento, tem-se ao caso do credor adjudicar a quota e querer fazer parte do quadro societário.
Embora tendo inovado em vários aspectos, o Código de Processo Civil de 2015 não cumpriu com sua premissa de promover a celeridade processual, ideal que trouxe em seu nascimento, no tocante à penhora de quotas de sociedades limitadas, pois deu margem a muitas discussões desnecessárias no processo executivo, o que prejudica o credor, que só visa ter seu direito satisfeito.
REFERÊNCIAS
ABRÃO, Carlos Henrique. Penhora de Quota de Sociedade Limitada. 4 ed, São Paulo: Malheiros, 2013.
AGUIAR, Adriana. Novo CPC barra entrada de estranhos em sociedade. In: Alfonsin, São Paulo, 18 de Março de 2016. Disponível em: <http://alfonsin.com.br/novo-cpc-barra-entrada-de-estranho-em-sociedade>. Acesso em 01 nov. 2016.
BARROS, Eduardo Bastos de. Penhora de ações e quotas de sociedades – as recentes alterações do processo de execução e a disciplina acerca da matéria no Código Civil. Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n. 7, p. 121-138, jan/jun. 2007.
BENETI, Ana Carolina Aguiar. Código de Processo Civil Anotado. Ed. 1.Curitiba: OAB/PR. 2016. P. 1368. Disponível em: <http://www.oabpr.org.br/downloads/NOVO_CPC_ANOTADO.pdf>. Acesso em: 26 de nov. 2016.
BRONZEL, Rômulo Augusto Araújo. Questões controvertidas no novo CPC na esfera do Direito Societário. In: Gazeta do Povo, Curitiba, novembro 2015. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-e-direito/artigos/questoes-controvertidas-do-novo-cpc-na-esfera-do-direito-societario-e6orsmg5hz3v5fm3exhdzk3la>. Acesso em 25 out. 2016.
BRASIL, Código de Processo Civil. 1939. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del1608.htm>. Acesso em: 12 set. 2016.
BRASIL. Código Civil. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 24 ago. 2016.
BRASIL, Código Comercial, 1850. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0556-1850.htm>. Acesso em 12 set. 2016.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 30.854-2-SP. Quarta Turma, Brasília, DF. 8 Mar 1994. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199200334148&dt_publicacao=18-04-1994&cod_tipo_documento=&formato=PDF>. Acesso em: 7 set. 2016.
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 34.882-RS. Terceira Turma, Brasília, DF. 29 Jun. 1993. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199300129023&dt_publicacao=09-08-1993&cod_tipo_documento=&formato=PDF> Acesso em: 8 set. 2016.
BRASIL Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Agravo de Instrumento nº 1406987-38.2015.8.12.0000. Quarta Câmara Cível. Campo Grande. 28/10/2015. Disponível em: http://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/252934996/agravo-de-instrumento-ai-14069873820158120000-ms-1406987-3820158120000/inteiro-teor-252935050. Acesso em 1 nov. 2016.
BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 594093585, Quinta Câmara Cível. Porto Alegre, RS. 18 Ago. 1994. Disponível em: <http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/9236899/agravo-de-instrumento-ag-594093585-rs-tjrs>. Acesso em: 12 set. 2016.
BRASIL, Tribunal Regional Federal 2ª Região. Agravo de Instrumento nº 108612 2002.02.01.049338-8. 29/03/2006. Disponível em: http://trf-2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/862978/agravo-de-instrumento-ag-108612-20020201049338-8. Acesso em 26 out. 2016.
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Direito de Empresa. Vol 2. 20ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
FAVRETTO, Clarindo. Impenhorabilidade da Quota Social em Sociedade Comercial de Responsabilidade Limitada. apud FERREIRA, Waldemar, in Instituições de Direito Comercial - Estatuto da Sociedade Mercantil, p. 437 e PRATA, Edson. In Repertório de Jurisprudência do Código de Processo Civil, 12/3.764 3.790, ed. de 1978. Revista AJURIS. nº 36. Março 1986. Disponível em: <http://livepublish.iob.com.br/ntzajuris/lpext.dll/Infobase/62ad9/62b04/62b6f?f=templates&fn=document-frame.htm&2.0>. Acesso em: 11 set. 2016.
FRANCO, Vera Helena de Mello. Lições de direito comercial. 2. ed. São Paulo: Maltese, 1995.
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa – Comentários aos arts. 966 a 1.195 do Código Civil. 6ª Ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2015.
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Diatribes ao Código de Processo Civil de 2015 (segunda parte). CONJUR, 25 de janeiro de 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-jan-25/direito-civil-atual-diatribes-codigo-processo-civil-2015-segunda-parte> Acesso em: 01 nov. 2016.
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de Direito Societário. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.
GUSMÃO, Mônica. Penhora de Cotas. Revista EMERJ. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista22/revista22_307.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2016
JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. III, ed. 47, Rio de Janeiro, editora Forense, 2016.
LEITE, Thaís de Campos. Penhorabilidade de Quotas das Sociedades Limitadas e o Princípio da Menor Onerosidade ao Devedor. Revista de Direito Empresarial, Curitiba, n.13, p. 77-96, jan/jun 2010.
LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades por Quota de Responsabilidade Limitada. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.
PENA, Gustavo Teodoro Andrade. Penhora de cotas por dívidas dos sócios. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 88, maio 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9456>. Acesso em out 2016.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol 1. 25ª ed, São Paulo: Saraiva, 2003.
RIBEIRO, Milton Gomes Baptista. Das Cotas nas Sociedades de Responsabilidade Limitada. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 29 de dez. de 2003.Disponível em: <http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/1646/das_cotas_nas_sociedades_de_responsabilidade_limitada>. Acesso em: 09 set. 2016.
TOKARS, Fábio. Sociedades Limitadas. São Paulo: LTr, 2007.
TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.