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Direito sucessório na união estável e a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil de 2002

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18/09/2017 às 10:55
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4 O DIREITO SUCESSÓRIO NA CONSTÂNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

4.1 Direitos sucessórios dos cônjuges no Código Civil de 2002

Estrategicamente optou-se por iniciar a análise do direito sucessório na constância do Código Civil de 2002 abordando-se relativamente aos cônjuges, de modo a melhor cotejar o que esses possuem de direitos e não foi estendido, por referida Lei, aos companheiros.

Como supedâneo à discussão que se abordará, inicialmente, por oportuno, são transcritos a seguir, na íntegra, os artigos números 1.829 e respectivos incisos, 1.831, 1.832 e 1.845, que tratam dos direitos sucessórios dos cônjuges, tais como se encontram no CCB/2002:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Quanto à forma de sucessão ora em comento, para Aldemiro Rezende Dantas Jr.:

[…] as duas grandes novidades do Código Civil de 2002, foram: a) a inclusão do cônjuge sobrevivente entre os herdeiros necessários, como se vê no artigo 1845 do referido diploma; e b) a inclusão do cônjuge nas duas primeiras classes de sucessores, concorrendo tanto com os descendentes quanto com os ascendentes do de cujus, ao invés de ser por eles excluído, conforme dispõem os incisos I e II do artigo 182910.

Através da leitura dos ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa obtemos a complementação para a lição acima, ocasião em que discorre que:

[…] aos herdeiros necessários pertence, de pleno direito, a metade dos bens da herança, que se denomina legítima (art. 1846). Quando se trata de herdeiro cônjuge, nunca é demais reiterar que herança não se confunde com meação. Assim, havendo meação, além desta caberá ao sobrevivente, pelo menos, a metade da herança, dependendo da situação, que constitui a porção legítima.11

De bom alvitre ressaltar que, especificamente no que tange ao usufruto vidual referente aos cônjuges, na linha da doutrina de Guilherme Calmom Nogueira da Gama, o CCB/2002 não repetiu a regra do CCB/1916, porquanto contempla o cônjuge como herdeiro necessário. Também porque, segundo tal autor, como nos termos do artigo 2.045 da primeira legislação citada, houve revogação expressa do Código de 1916, e, dessa forma, a norma contida no § 1º do artigo 1.611 desse perdeu a vigência. Aduz que: “o desaparecimento do instituto vidual mostra-se coerente e lógico com o novo tratamento do direito à sucessão em favor do cônjuge sobrevivente.”12.

Por outro lado, o direito real de habitação existente no Código Civil Brasileiro de 1916 (artigo 1.611, § 2º) em favor do cônjuge sobrevivente foi mantido, e, em tese, melhorado, conforme explicação de Sebastião de Assis Neto, Marcelo de Jesus e Maria Izabel Melo acerca do 1.831 do CCB/2002:

[…] o Código antigo fazia ressalvas quanto ao direito real de habitação em questão, exigindo que o casamento houvesse sido realizado no regime da comunhão universal e que o referido direito perduraria enquanto vivesse o cônjuge sobrevivo e permanecesse viúvo. Como o Código atual não faz qualquer exigência de que o cônjuge sobrevivente mantenha o estado de viuvez, não parece ser essa a exigência do legislador.13

Da mesma forma que os artigos colacionados anteriormente, também são bem importantes para a compreensão os de número 1.836 (“caput”), 1.837, 1.838 e 1.839, todos do Código Civil Brasileiro de 2002, igualmente transcritos a seguir:

Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente.

[…]

Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.

Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.

Como se vê, a despeito da importância para o cotejo com o direito aplicável à sucessão do(a) companheiro(a), os artigos acima serão referenciados em momentos importantes nas discussões que seguem.

4.2 Direitos sucessórios dos companheiros no Código Civil de 2002 – comparação com as regras aplicáveis aos cônjuges

Parte-se dos temas usufruto vidual e direito real de habitação, culminando com a análise e cotejo do artigo 1.790 do Código Civil de 2002, no que tange ao direito sucessório dos cônjuges.

Relativamente ao primeiro, tem-se que foi extinto pela codificação mencionada, tanto relativamente aos cônjuges quanto aos companheiros. No entanto, ensinam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “como forma compensatória pela perda do usufruto vidual, o cônjuge e o companheiro passaram a ter uma porção da herança, em concorrência direta com os descendentes e os ascendentes.”14.

Pertinente ao direito real de habitação, a lição de Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim é no sentido da não revogação, conforme vemos a seguir:

[…] como garantia do direito de habitação em favor do companheiro, pode-se alegar a subsistência do disposto no artigo 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/96, pois não expressamente revogado pelo atual Código Civil. O argumento justifica-se em reforço à extensão analógica do mesmo direito assegurado ao cônjuge sobrevivente e porque o Código Civil, apesar de não prever aquele direito ao companheiro, também não o exclui, deixando a questão em aberto para a exegese doutrinária e jurisprudencial.15

No sentido do explanado, temos, ainda, a orientação dada pelo Enunciado 117 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF): "O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n° 9.278/1996, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6°, caput, da CF/1988.”.

Como supedâneo ao tema principal, ora em abordagem, por oportuno, transcreve-se na íntegra o artigo número 1.790 e respectivos incisos, que tratam dos direitos sucessórios dos companheiros, tais como se encontram no Código Civil Brasileiro de 2002. A respeito do regime de bens já se colacionou, outrora, o artigo 1.725.

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

A forma como veio disposto o regramento atinente à sucessão do(a) companheiro(a) no Código Civil Brasileiro de 2012 já foi objeto de críticas pela doutrina. Nesse sentido Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho lecionam:

Causa estranheza a péssima localização das regras constantes no art. 1.790 do Código Civil. O legislador, inadvertidamente, resolveu inserir o regramento específico da sucessão legítima pela(o) companheira(o) viúva(o) entre as regras gerais e os princípios do Direito Sucessório. Note-se que a matéria, em verdade, é típica da regulamentação da Sucessão Legítima, e não da parte introdutória das Sucessões, o que talvez infira um preconceito sub-reptício em face da relação de companheirismo. E, se não bastasse a sua desastrada topografia, o seu conteúdo não é dos melhores, recebendo, por parte da doutrina, duríssimas críticas. […] Assim, o que se esperaria da nova codificação civil era que ela viesse, finalmente, igualar o tratamento entre cônjuges e companheiros, evitando qualquer alegação de tratamento discriminatório. Ledo engano.16

Houve quebra da paridade sucessória entre cônjuges e companheiros, para Cristiano Chaves de Farias. Nas palavras de referido doutrinador: “O Código Civil de 2002, em diretriz distinta daquela perseguida pelas Leis n° 8.971/94 e 9.278/96, rompeu com o tratamento sucessório isonômico entre o cônjuge e o companheiro.”17.

Para Giselda Fernandes Novaes Hironaka:

Assim como a posição do cônjuge sobrevivo melhorou naquilo que respeita aos problemas de ordem sucessória, nas previsões do novo Código Civil, ampliando-se os direitos que lhe assistem, era de se esperar que o companheiro supérstite tivesse sua condição privilegiada, relativamente àquela condição anteriormente descrita, e garantindo a igualdade de direitos relativamente ao cônjuge sobrevivente, fazendo-se, assim, valer o dizer constitucional em sua amplitude.18

Dissertando acerca das desigualdades de tratamento no que tange aos direitos sucessórios entre cônjuge e companheiro sobrevivo, Maria Helena Diniz leciona que, em esse não sendo herdeiro necessário, pode ser excluído da herança, se assim for disposto em testamento, pois só participará da sucessão quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável.19

Prosseguindo-se, com a análise objetiva da sucessão no caso de união estável tal como regulamentada no “caput” do artigo 1.790 do Código Civil Brasileiro de 2002, temos que o(a) companheiro(a) somente participará da sucessão do outro sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da relação mencionada, ou seja, aqueles adquiridos precedentemente, ou após – esses a título gratuito – por exemplo: doação ou herança, não dão ensejo ao direito aludido.

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Gustavo Renê Nicolau, sobre o artigo 1.790 do Código Civil Brasileiro de 2002, explica que:

Em termos simples, o companheiro terá direito à herança dos bens adquiridos na constância da união e a título oneroso. Os demais bens estão fora de sua alçada. Note que sobre esses bens o companheiro já fez a meação. Agora ele voltará para herdar sobre esses mesmos bens. Herdará concorrendo com descendentes, ascendentes e colaterais na ordem estabelecida pelo malsinado artigo. As regras são claras: Concorrendo com filhos comuns, herdará como se fosse mais um deles, dividindo em partes iguais; concorrendo com descendentes só do de cujus, recebe apenas a metade do que àqueles caiba e por fim, concorrendo com outros parentes sucessíveis (primos, v.g.) terá direito apenas a 1/3, ficando os outros 2/3 destinados a primos, tios etc. Tudo limitado à base de cálculo do caput.20

Por sua vez, os doutrinadores Cristiano Chaves de Farias, Luciano L. Figueiredo, Marcos Ehrhardt Jr. e Wagner Inácio Freitas Dias em abordagem bastante abrangente e, a despeito de contribuir sobremaneira para o entendimento do tema, lecionam o seguinte:

Concorrência sucessória entre o companheiro e os filhos comuns deixados pelo falecido. Se o falecido deixou filhos, a sua herança será a eles destinada, em concorrência com o companheiro sobrevivente. No caso, se os filhos também forem seus, o companheiro tera direito sucessório como uma cabeça a mais, dividindo igualmente a herança. Dessa maneira, exemplificando, se o falecido deixou a viúva e mais dois filhos, que também são dela, os bens adquiridos durante a convivência serão divididos por três partes. Se deixou três filhos, a divisão será por quatro partes e assim sucessivamente. Não se esqueça que o direito do companheiro a herança e somente sobre os bens adquiridos onerosamente na constância da relação. Os bens particulares (adquiridos antes da relação. ou durante a união gratuitamente) serão destinados, exclusivamente, aos filhos.

Concorrência sucessória entre o companheiro e os filhos não comuns deixados pelo falecido. Porém, se o falecido deixou filhos somente seus decorrentes de outros relacionamentos, o direito sucessório na união estável sofrem significativa alteração. Nessa hipótese (deixando filhos que não são da viúva), o direito à herança da companheira corresponderá à metade da cota que couber a cada um dos filhos. Ilustrando, se o extinto deixou um filho que não era de sua companheira sobreviva, ela fará jus a 1/3 dos bens adquiridos onerosamente na constância (já excluída a meação), enquanto o filho terá 2/3. Continuando o exemplo, se o falecido deixou dois filhos exclusivamente seus, a companheira terá 1/5 dos bens adquiridos onerosamente (repita-se, afora a sua meação) e cada um dos filhos terá 2/5. Em suma-síntese: cada filho terá duas vezes a cota que couber ao companheiro sobrevivo. Relembre-se, à saciedade, que os bens particulares ficam para os filhos em sua integralidade, não incidindo sobre eles o direito a herança do companheiro e nem o direito à meação.

Concorrência sucessória entre o companheiro e os demais parentes deixados pelo falecido (demais descendentes, ascendentes e colaterais ate o quarto grau). Não deixando filhos, o companheiro também concorrerá na herança transmitida com os demais parentes sucessíveis. Prima facie, vale recordar que os demais parentes sucessíveis. (CC, art. 1.829) são, em ordem preferencial: i) os outros descendentes (netos, bisnetos...); ii) os ascendentes (pais, avós...); iii) e os colaterais até o quarto grau (irmãos, tios e sobrinhos e tios-avós e sobrinhos-netos). Nessa hipótese, concorrendo com os demais parentes sucessíveis., o companheiro fará jus a 1/3 do patrimônio transmitido (bens adquiridos onerosamente na constância da relação. de companheirismo). Os bens adquiridos antes da relação e os adquiridos gratuitamente na sua constância caberão, com exclusividade, aos parentes, excluídos do convivente a título hereditário e a título meatório.

Distinção em relação. ao sistema sucessório do casamento. Ao proclamar a concorrência sucessória do companheiro com os colaterais até o quarto grau, o sistema sucessório da união estável se afastou, por completo, do regime de herança do casamento. No casamento, não havendo descendentes ou ascendentes, o cônjuge supérstite herda todo o patrimônio sozinho (inclusive os bens particulares), afastando os colaterais. Aqui, na união estável, mesmo ausentes descendentes e ascendentes, o companheiro terá de concorrer com os colaterais. Aliás, os colaterais, inclusive, farão jus a um percentual sucessório maior (2/3), ainda recebendo, na inteireza, os bens particulares.

Inexistência de parentes sucessíveis. e a discussão sobre a concorrência com a Fazenda Publica. Não havendo qualquer parente sucessível (descendentes, ascendentes e colaterais ate o quarto grau), dispõe o inciso IV do artigo em exame que o companheiro “terá direito à totalidade da herança.”21. [grifos constantes no original]

Márcio André Lopes Cavalcante entende que o Código Civil de 2002 regrediu no tratamento do tema, isso porque:

O legislador, cumprindo a vontade constituinte, editou duas leis ordinárias que equiparavam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável (Lei nº 8.971/94 e Lei 9.278/96). O Código Civil de 2002, no entanto, regrediu no tratamento do tema e “desequiparou”, para fins de sucessão, o casamento e a união estável, fazendo com que o(a) companheiro(a) do falecido tivesse uma proteção bem menor do que aquela que é conferida ao cônjuge. Dessa forma, o CC-2002 promoveu verdadeiro retrocesso, criando uma hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração.22

Silvio Venosa: 23

em matéria de direito hereditário do cônjuge e do companheiro, o Código Civil brasileiro de 2002 representa verdadeira tragédia, um desprestígio e um desrespeito para nosso meio jurídico e para a sociedade, tamanhas são as impropriedades que desembocam em perplexidades interpretativas. Melhor seria que fosse, nesse aspecto, totalmente rescrito e que se apagasse o que foi feito, como uma mancha na cultura jurídica nacional. É incrível que pessoas presumivelmente cultas como os legisladores pudessem praticar tamanhas falhas estruturais no texto legal. Mas o mal está feito e a lei está vigente. Que a apliquem da forma mais justa possível nossos tribunais!

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Sobre o autor
Jorge Adrovaldo Maciel

Especialista em Direito Processual (UNISUL), e em Direito Penal e Processual Penal (Centro Educacional DOM ALBERTO).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Jorge Adrovaldo. Direito sucessório na união estável e a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5192, 18 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60480. Acesso em: 26 abr. 2024.

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