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A aplicação da imunidade tributária recíproca quando os correios exercem atividades comerciais que não são objeto de monopólio

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02/11/2017 às 12:00
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5 O POSICIONAMENTO DO STF EM RELAÇÃO À EXTENSÃO DA IMUNIDADE RECÍPROCA À EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS.           

Após tratarmos da questão de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos poderão usufruir do benefício da imunidade recíproca, passaremos a demonstrar, especificamente, como se formou o entendimento jurisprudencial no caso da ECT, sendo que este entendimento vinha sendo consolidado em função de diversas decisões do Supremo Tribunal Federal referente a impostos específicos.

Em julgamento proferido em 2000, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a ECT era prestadora de serviço público, de competência da União Federal, não exercendo atividade econômica (STF. Recurso Extraordinário 229.696-7 Pernambuco. Rel. Min. Ilmar Galvão, 2000).

Em 2004, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n° 407.099, firmou entendimento de que a atividade exercida pela ECT, na qualidade de empresa pública, constitui serviço público de prestação obrigatória pelo Estado, estendendo a ela o benefício da imunidade recíproca.

Como a ECT estava tendo problemas em relação à cobrança do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA, por parte dos Estados que não concordavam com a ideia de que a referida empresa poderia usufruir do benefício da imunidade recíproca, ela passou a ingressar com diversas ações cíveis originárias, com o objetivo de não ser compelida a pagar o imposto que lhe estava sendo cobrado.

Como já dito, várias ações foram propostas, sendo que a primeira a ser julgada foi a Ação Cível Originária n° 765-1, proposta pela ECT contra o Estado do Rio de Janeiro.

Na referida ação, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a autora não seria obrigada a pagar o IPVA por estar amparada pela previsão legal constante no art. 150, VI, ‘a’ da Constituição Federal, conforme trecho extraído da ementa do referido acórdão que segue abaixo:

Já assentou a Suprema Corte que a norma do art. 150, VI, ‘a’ da Constituição Federal alcança as empresas públicas prestadoras de serviço público, como é o caso da autora, que não se confundem com as empresas públicas que exercem atividade econômica em sentido estrito. Com isso impõe-se o reconhecimento da imunidade recíproca supracitada (RIO DE JANEIRO, 2009).

Durante o julgamento da referida Ação Cível Originária, o Ministro Menezes Direito suscitou questão de ordem para que a decisão tomada no plenário fosse aplicada às demais ações que tivessem objeto idêntico, de forma monocrática e definitiva, pois, não havia sentido que ações com o mesmo objeto fossem julgadas novamente. Tal questão foi autorizada pelo Plenário, sendo que todas as Ações Cíveis Originárias que estavam para ser julgadas obedeceram aos termos desta decisão.

Assim, diante de diversas decisões que demonstraram claramente qual o entendimento majoritário adotado pelo Supremo Tribunal Federal, difícil seria pensar que em um futuro próximo existiria alguma possibilidade da ECT não usufruir do benefício da imunidade recíproca.

Porém, apesar de existir uma corrente minoritária e uma corrente majoritária, Marciano Seabra de Godoi descreve, como veremos abaixo, que além destas, uma nova orientação se formou em relação à questão, conforme Ação Cível Originária n° 765 julgada no Supremo Tribunal Federal em 2009.

No julgamento das diversas ações movidas contra os Estados pela ECT tendo por objeto o IPVA, formaram-se três correntes. (cf. ACO 765, Redator para o acórdão o Ministro Menezes Direito, julgamento em 1.5.2009, DJ de 4.9.2009). Uma corrente minoritária [...] considerou que a imunidade não se aplicava a uma empresa pública como a ECT, nos termos da literalidade do art. 173, parágrafo 2°, da Constituição. A corrente majoritária manteve o entendimento da Segunda Turma [...] e do já referido acórdão do RE 229.696, no sentido de que a ECT não realiza exploração econômica e sim presta serviço público explorado diretamente pela União, mediante uma instrumentalidade sua, sendo por isso aplicável a imunidade recíproca (GODOI, 2011, p. 50).

Uma Terceira Orientação foi adotada pelo Ministro Joaquim Barbosa que considerou que o pleito da ECT devia ser julgado procedente em parte, aplicando-se a imunidade recíproca somente em relação aos bens e serviços relacionados com as atividades que constituem serviço público exclusivo da União (serviço postal e correio aéreo nacional), mas não às demais atividades exercidas pela ECT em regime de concorrência (GODOI, 2011, p. 51)

Após analise das três correntes, verificamos que a corrente minoritária, capitaneada pelo Ministro Marco Aurélio e pelo Ministro Ricardo Lewandowski, vai contra toda a construção jurisprudencial que vem sendo feita sobre o assunto, pois ela nega a imunidade recíproca às empresas públicas, não considerando nem o fato de serem ou não prestadoras de serviço público, utilizando como premissa, conforme exposto por Godoi, apenas a interpretação literal dos artigos. 150, parágrafo 3°, e 173, parágrafo 2°, da Constituição Federal.

A corrente majoritária foi fruto da construção jurisprudencial advinda das diversas decisões judiciais oriundas das ações propostas pela ECT contra os Estados ou Municípios que dela exigem cobrança de impostos, como o IPVA.

Já em relação à terceira corrente, nas palavras de Godoi, terceira orientação capitaneada pelo Ministro Joaquim Barbosa, nos deparamos com uma nova ideia que será objeto de análise mais pormenorizada no próximo capítulo.

Portanto, a ideia, que à época era predominante, de que a ECT seria beneficiária da imunidade tributária recíproca, passou a ser questionada, no que tange à prestação de serviços que não são objeto de monopólio, a partir da nova orientação que foi levada ao Plenário do Supremo Tribunal Federal.


6 A ORIENTAÇÃO DO MINISTRO JOAQUIM BARBOSA

A orientação do Ministro Joaquim Barbosa, constante no voto proferido nos autos da Ação Cível Originária 765-1 Rio de Janeiro, apresentou um novo cenário para a aplicação da imunidade tributária recíproca à ECT, estabelecendo que o benefício somente deveria ser aplicado nos casos em que houvesse a prestação dos serviços enquadrados como monopólio.

Como já vimos, a Lei n° 6.538/78 estabeleceu quais os serviços seriam prestados em regime de monopólio pela ECT.

Vimos também que, após o julgamento da ADPF n. 46, ficou pacificado que a lei supracitada foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, e que só seria objeto de monopólio os serviços especificados em seu art. 9°.

Um dos impeditivos que fizeram com que a nova orientação do Ministro Joaquim Barbosa não prosperasse no julgamento da Ação Cível Originária 765-1, foi o fato da dificuldade de mensurar qual parte do imposto sobre propriedade de veículos automotores seria devido em função da prestação de serviço objeto de monopólio, e quanto seria devido em função da prestação de serviço do que não fosse monopólio.

Assim, pelo o que era observado, existia grande chance de que o Supremo Tribunal Federal, em decisões futuras, mudasse o entendimento em relação à imunidade recíproca da ECT, no que tange às atividades exercidas para consecução de objetivos da instituição não ligados ao monopólio.

Exemplo do que foi dito no parágrafo anterior, poderia ter ocorrido no julgamento do recurso extraordinário 601.392, que será objeto de análise do próximo tópico.


7 O RECURSO EXTRAORDINÁRIO 601.392.

O Recurso Extraordinário n. 601.392 foi interposto pela ECT contra acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região, haja vista que o Tribunal entendeu ser possível a Prefeitura de Curitiba tributar através do ISS os serviços arrolados no item 95 da lista anexo ao Decreto-Lei n° 56/1987, sendo que, dentre os serviços que podem ser tributados pelo imposto estão: as cobranças e recebimentos por conta de terceiros; protestos de títulos; sustação de protestos; devolução de títulos pagos; manutenção de títulos vencidos; fornecimento de posição de cobrança ou recebimento; e outros serviços correlatos à cobrança ou ao recebimento.

O referido Recurso Extraordinário teve a repercussão geral conhecida em função da sua relevância jurídica e econômica e, quando foi julgado em definitivo, teve sua decisão aplicada aos processos idênticos que tramitavam nas instâncias inferiores.

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O Ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, proferiu voto pelo desprovimento do Recurso Extraordinário no julgamento que teve início no dia 25 de maio de 2011.

Iniciando a fala, o Ministro Joaquim Barbosa disse que o seu voto “[...] não tem o objetivo de alterar a jurisprudência da corte acerca da imunidade recíproca da ECT, e, sim, calibrar essa imunidade a luz de balizas já conhecidas, para impedir que a orientação não seja desvirtuada nas funções que a imunidade tributária recíproca exerce no nosso sistema constitucional” (STF. Recurso Extraordinário 601.392. Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2011).

O argumento utilizado pelo Ministro foi o de que a ECT estaria prestando serviços diversos dos autorizados pela Constituição Federal, estando, também, auferindo lucro na prestação desses serviços, contrariando a Constituição Federal que, em seu art. 150, § 3°, veda o benefício da imunidade recíproca quando houver exploração de atividade econômica regida pelas normas de direito privado.

Os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Cezar Peluso desproveram o recurso, acompanhando o voto do Ministro Relator.

Já os Ministros Ayres Brito, Gilmar Mendes e Celso de Mello votaram favoráveis ao provimento do recurso.

Os argumentos dos Ministros Ayres Brito e Celso de Mello se assemelham, uma vez que utilizam do fundamento do subsídio cruzado, este também aventado pela recorrente, como forma de dar à ECT a saúde financeira para poder prestar os serviços objeto de monopólio, que são deficitários.

O subsídio cruzado nada mais é do que a utilização, pela ECT, do superávit oriundo da prestação dos serviços que não são monopólio, para custear a prestação dos serviços objeto de monopólio, que, como já dito, são deficitários.

O julgamento foi suspenso em 16 de novembro de 2011, devido ao pedido de vista do Ministro Dias Toffoli.

Naquele momento, dos onze ministros que compunham o Supremo Tribunal Federal, seis tinham votado a favor da manutenção do acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª região, e três tinham votado contra, sendo favoráveis ao pleito da ECT, faltando apenas os votos do Ministro Dias Toffoli e da Ministra Rosa Maria Weber.

Se os Ministros que já tinham votado não mudassem seus votos, independente dos votos que faltavam, era certo que a ECT não obteria êxito na sua pretensão, sendo obrigada a pagar ISS sobre a prestação dos serviços definidos pela decisão, decisão essa, que contrária à do IPVA, poderia ter sido plenamente operacionalizada na prática, tendo em vista que em relação ao ISS, poderia ser verificado facilmente sobre qual serviço incidia e sobre qual não incidia a imunidade.

Em consonância com esse entendimento, citamos abaixo trecho do Professor Marciano Seabra de Godoi:

No caso da ACO 765, acima comentada, a proposta do Ministro Joaquim Barbosa – de reconhecer somente em parte a imunidade da empresa – esbarrava em problemas de operacionalização prática, tendo em vista que se tratava de cobrança de IPVA sobre os veículos da ECT que são utilizados em diversos contextos. Mas no caso da cobrança do ISSQN, por exemplo, parece-nos que essa orientação deve prevalecer no plenário, não sendo caso de se admitir a imunidade recíproca no caso da tributação de serviços que, segundo o próprio Tribunal (ADPF 46) se submetem à livre concorrência (GODOI, 2011, p. 54).

Apesar do próprio Ministro Relator dizer que o seu voto não tinha o condão de alterar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em relação à imunidade tributária recíproca da ECT, vislumbramos que seria plenamente possível a mesma ser inovada, no sentido de somente ser cabível nos casos de prestação de serviço que seja objeto de monopólio, haja vista que quando ela se aplica sobre a prestação de serviços que não são tidos como monopólio, prejudicava diretamente a livre concorrência, pois, empresas privadas concorreriam deslealmente quando da prestação dos mesmos serviços.

Não obstante tudo encaminhar para o desprovimento do recurso extraordinário, no dia 28 de fevereiro de 2013, na sessão de retomada do julgamento, o Ministro Dias Tofoli votou a favor do provimento do recurso, sendo seguido pela Ministra Rosa Weber e o inesperado, que era uma possível mudança de voto, aconteceu, o Ministro Ricardo Lewandovski mudou seu voto, e a ECT teve o recurso provido por 6 (seis) votos a 5 (cinco).

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Sobre o autor
Clayton Alexandre Ferreira

Agente de Polícia Federal. Bacharel em Direito e Administração de Empresas pela PUC Minas. Pós-Graduado em Direito Público pelo IEC PUC Minas. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6624647844487206.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Clayton Alexandre. A aplicação da imunidade tributária recíproca quando os correios exercem atividades comerciais que não são objeto de monopólio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5237, 2 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60568. Acesso em: 2 nov. 2024.

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