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A incidência de ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, à luz dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional

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25/11/2017 às 18:19
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Conjugou-se, nesta pesquisa, o critério da preponderância imobiliária com o critério da finalidade constitucional, para se aferir a incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos — ITBI, no tocante a pessoas jurídicas inativas.

1. Introdução

A presente pesquisa debruça-se sobre controvérsia ainda pendente de adensamento doutrinário e pacificação pela jurisprudência das Cortes Superiores, pertinente à incidência ou não do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos — ITBI no tocante a pessoas jurídicas inativas, haja vista as duas regras de imunidade positivadas no inciso I do § 2.º do art. 156 da Constituição da República, assim como o critério da preponderância imobiliária, insculpido na parte final do referido dispositivo constitucional.

Questiona-se: todas as pessoas jurídicas destinatárias da transmissão de bens e direitos em matéria imobiliária, por meio quer da realização de capital, quer da fusão, incorporação, cisão ou extinção, são ou não imunes ao ITBI, em caso de inatividade (entendida como a ausência de prática de atividade econômica)?

Esse questionamento se bifurca em duas indagações:

(a) A imunidade em tela estende-se à parcela das pessoas jurídicas inativas que, se estivesse em efetiva atuação no mercado, desempenharia, de modo predominante, atividade econômica de viés imobiliário?

(b) A pessoa jurídica sem vínculo formal (previsto em estatuto ou contrato societário) e/ou efetivo (liame fático) prevalecente com o ramo imobiliário torna-se sujeito passivo do ITBI, caso seja inativa desde o seu princípio ou assim se torne em ocasião posterior ao início de suas atividades ou à sua existência jurídica?

Em suma, cumpre perquirir se ambas as imunidades insertas no inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88 abrangem as pessoas jurídicas que, destinadas ou não ao exercício precípuo de atividades imobiliárias, quedam-se inativas ao longo da sua existência jurídica ou se tornam inertes a partir de determinado momento.

Para elucidar essa problematização, mostra-se, antes, indispensável (a) clarificar quais são as imunidades relativas ao ITBI previstas na Carta Magna vigente, (b) identificar como se classificam as duas normas de imunidade agasalhadas no inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, (c) verificar se estas possuem caráter incondicionado ou condicionado e (d) discriminar as eventuais hipóteses excepcionais em que o próprio inciso em referência exclui a aplicação das regras imunizantes nele albergadas.

Portanto, na primeira metade do desenvolvimento do texto monográfico, serão, de pronto, tecidos lineamentos sobre as quatro hipóteses de imunidade do ITBI inscritas na Constituição Federal de 1988: (1) os direitos reais de garantia sobre bens imóveis (art. 156, inciso II, 2.ª parte, da CF/88), (2) “a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital” (art. 156, § 2.º, inciso I, 1.ª parte, da CF/88), (3) “a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica” (art. 156, § 2.º, inciso I, 2.ª parte, da CF/88) e (4) “as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária” (art. 184, § 5.º, da CF/88). Após, serão expostas, com maior acuidade, ambas as regras imunizantes insertas no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88. Aclarar-se-á o motivo por que ambas as normas constitucionais são expressões de imunidade objetiva e política. Elucidar-se-á, aos olhos da interpretação teleológica e contextual da Constituição da República, em que consiste, na tessitura desse dispositivo constitucional, a realização de capital, assim como a fusão, a incorporação, a cisão e a extinção de pessoa jurídica, bem como a amplitude, nesse panorama, do termo pessoa jurídica. Esclarecer-se-á se a transformação de pessoa jurídica é hipótese de imunidade ou de não incidência.

Na segunda metade do desenvolvimento da monografia, será aprofundado o estudo das exceções enumeradas no art. 156, § 2.º, inciso I, in fine, da CF/88. Será enfrentada a polêmica exegética acerca de quais imunidades daquele inciso condicionam-se ao critério da preponderância imobiliária. Uma vez delineadas as balizas infraconstitucionais do critério da preponderância imobiliária, será apreciada a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul relativa à incidência ou não do ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, bem assim analisados julgados a respeito, defluentes dos Tribunais de Justiça dos Estados do Paraná, de São Paulo e do Rio de Janeiro. Será estabelecido igualmente o cotejo entre essa jurisprudência dominante do TJ/RS e as considerações doutrinárias sobre a finalidade constitucional das regras imunizantes listadas no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88. Ao fim, verificar-se-á se a conjugação dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional pode aquilatar se determinada pessoa jurídica, com presença preponderante ou não no ramo imobiliário, faz ou não jus à imunidade concernente ao ITBI, mormente em relação a pessoas jurídicas inativas desde os primórdios de sua existência jurídica ou que passam à inatividade em quadra subsequente.


2. As normas imunizantes do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88

2.1 Noções fundamentais

Entre os impostos ínsitos à competência tributária dos Municípios brasileiros e do Distrito Federal (BARRETO, 2013, p. 1.043; CARRAZZA, 1996, p. 96; JARDIM, 2016, p. 344, 354; ROSA JR., 2012, p. 774), o art. 156, inciso II, da Constituição Federal de 1988, agasalha o imposto sobre transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, (1) de bens imóveis (seja por natureza, seja por acessão física), (2) de direitos reais sobre imóveis (exceto os de garantia) e (3) da cessão de direitos à sua aquisição (BRASIL, 2017).

Trata-se do denominado Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos — ITBI (JARDIM, 2016, p. 354), em relação ao qual a atual Constituição da República vislumbra quatro normas de imunidade (BRASIL, 2017; COSTA, 2015, p. 222-226):

  1. Em caso de direitos reais de garantia sobre bens imóveis (art. 156, inciso II, 2.ª parte, da CF/88);
  2. Nas situações em que há a “transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital” (art. 156, § 2.º, inciso I, 1.ª parte, da CF/88, grifo nosso);
  3. Nas circunstâncias relativas à “transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica” (art. 156, § 2.º, inciso I, 2.ª parte, da CF/88, grifo nosso);
  4. Nas “operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária” (art. 184, § 5.º, da CF/88, grifo nosso).

A imunidade abraçada pela CF/88, por meio do seu supracitado art. 156, na 2.ª parte do seu inciso II, é pertinente, recorde-se, aos direitos reais de garantia.

Em verdade, como se cuida de imposto relativo à “transmissão de imóvel ou direitos relacionados com aquele bem” (JARDIM, 2016, p. 355), vê-se que, à luz da interpretação teleológica e contextual, o elenco de tal inciso diz respeito unicamente aos direitos reais de garantia atinentes a bens imóveis (CARRAZA, 2017, p. 1.013; COSTA, 2015, p. 223; HARADA, 2016, p. 82, 85), relativamente aos quais figuram no Código Civil de 2002 a hipoteca (art. 1.225, inciso IX, c/c arts. 1.473 a 1.505, todos do CC/2002) e a anticrese (art. 1.225, inciso X, c/c arts. 1.506 a 1.510, todos do CC/2002)[1], uma vez que o penhor (art. 1.225, inciso VIII, c/c arts. 1.431 a 1.472, do CC/2002) não é hipótese de imunidade do ITBI, mas de não incidência desse imposto municipal e distrital, porque o objeto da garantia pignoratícia restringe-se a bens móveis (MACEDO, 2010, p. 95)[2].

Apoiado na premissa de que o mencionado inciso II do art. 156 da CF/88 relaciona-se a todas as hipóteses legais de direitos reais de garantia sobre imóveis, positivadas quer no Código Civil de 2002 (hipoteca e anticrese), quer em diplomas legislativos específicos, José Alberto Oliveira Macedo inclui nesse rol o negócio jurídico fiduciário de garantia de bens imóveis, no qual se sobressai a alienação fiduciária imobiliária, sob o pálio da Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997, a Lei do Sistema de Financiamento Imobiliário[3] (MACEDO, 2010, p. 95-98).

Há, ainda, reprisa-se, as duas hipóteses de imunidades pertinentes ao ITBI insculpidas também no indicado art. 156 da CF/88, no inciso I do seu § 2.º, isto é, (a) referentes aos casos de “transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”, bem como (b) às situações relacionadas à “transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”, à exceção das circunstâncias em que “a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” (BRASIL, 2017d), é dizer, quando a atividade econômica preponderante se der no ramo imobiliário.

A realização de capital societário concerne à entrada do imóvel ou de direitos reais a ele relacionados, ao passo que a fusão, a incorporação, a cisão e a extinção dizem respeito à saída daqueles[4].

Além disso, recapitula-se, existe a imunidade sediada no art. 184, § 5.º, da CF/88, atinente às “operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária” (BRASIL, 2017d, grifo nosso)[5]. Situada no plano constitucional, constitui norma imunizante, ainda que, por equívoco de redação técnico-legislativa, haja sido chamada de “isenção”[6] pelo poder constituinte originário (AMARO, 2006, p. 161; BARRETO, 2013, p. 1.043; CARRAZZA, 2017, p. 1.108; ROSA JR., 2012, p. 781).

O art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, encerra duas regras imunizantes de feitio objetivo e político relativas ao ITBI, à semelhança do art. 24, § 3.º, da Constituição Federal de 1967, e do art. 23, § 3.º, da Constituição Federal de 1969 (COSTA, 2015, p. 223)[7], com a diferença precípua de que o imposto inter vivos, na ordem constitucional vigente, insere-se na competência tributária dos Municípios e do Distrito Federal (art. 156, inciso II, c/c art. 32, § 1.º, ambos da CF/88) (JARDIM, 2016, p. 344, 354), ao passo que o seu antecessor, na CF/67 (art. 24, inciso I) e na CF/69 (art. 23, inciso I), filiava-se à competência tributária dos Estados e do DF (COSTA, 2015, p. 223)[8].

As imunidades objetivas, também denominadas de imunidades reais (COSTA, 2015, p. 140), enfocam “fatos, bens ou situações” (CARRAZZA, 2017, p. 852), é dizer, “para cuja identificação o relevo está no objeto ou situação objetiva que, em razão de alguma especificidade, escapa à regra da tributabilidade e se enquadra na exceção que é a imunidade” (AMARO, 2006, p. 152, grifo do autor).

No contexto do ITBI, essas situações referem-se, lembre-se, à transmissão quer de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, quer de bens ou direitos provenientes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, excetuadas as indicadas hipóteses da parte final do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88.

As imunidades políticas, em que pese não “constituírem consequência necessária de um princípio” constitucional, “são outorgadas para prestigiar outros princípios constitucionais” (COSTA, 2015, p. 143).

Na tessitura do ITBI, prestigia-se um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, o de garantir o desenvolvimento nacional (art. 3.º, inciso II, da CF/88), sob os aspectos, in casu, social e econômico, pela promoção da atividade econômica[9] levada a cabo pelas sociedades[10] (simples e empresárias), favorecendo-se, de maneira indireta, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, dois dos fundamentos tanto da República (art. 1.º, inciso IV, da CF/88) quanto da ordem econômica (art. 170, caput, da CF/88) pátrias (GRAU, 2014, p. 191), na medida em que torna menos onerosa a transmissão de bens e direitos nas circunstâncias albergadas por ambas as normas constitucionais de imunidade encastoadas no art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88.

2.2 Realização de capital societário

No panorama do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, Leandro Paulsen aplica (PAULSEN, 2015, p. 294) a definição de realização de capital cristalizada por De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, é dizer, “pagamento do capital, seja em dinheiro ou em outros bens, conforme se tenha estipulado em cláusula contratual, pelos sócios da sociedade” (SILVA, 2010, p. 1.149).

Ao comentar a norma imunizante em liça, Herbert Morgenstern Kugler, com arrimo no Direito Empresarial (a maioria das sociedades beneficiárias dessa imunidade compõe-se de sociedades empresárias), divisa na realização de capital societário “o ato pelo qual o sócio integraliza as quotas ou ações regularmente subscritas por ele”, isto é, constitui “a transferência pelo sócio de recursos (dinheiro, bens ou créditos)”, ao adimplir “a promessa anteriormente feita” (KUGLER, 2011, p. 210, grifo nosso).   

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2.3 Fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica

Tal abordagem de Paulsen e Kugler, ao se ampararem na acepção de realização de capital oriunda do Direito Privado, aproxima-se do magistério de Regina Helena Costa, que esposa o entendimento de que “fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica possuem o significado que lhes empresta o Direito Privado, sob pena de alterar-se o teor da regra demarcatória no âmbito da competência tributária” (COSTA, 2015, p. 224).

Em mesmo diapasão o ensino de Rodrigo Ricardo Fernandes, para quem, nessa conjuntura, “os conceitos de realização de capital, fusão, cisão, incorporação e extinção de pessoa jurídica são conceitos próprios do direito privado” (FERNANDES, 2014, p. 137).

Dessarte, com esteio no art. 110 do Código Tributário Nacional[11], deve-se empregar, na contextura do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, as definições de fusão, incorporação e cisão de sociedades hauridas do Direito Privado, positivadas, de início, no microssistema jurídico da vigente Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a Lei das Sociedades por Ações, em seus arts. 227 a 229, estendidas às demais sociedades[12] pelos arts. 1.113 a 1.122 do Código Civil de 2002 (MANGIERI; MELO, 2015, p. 114).

Seguindo essa linha de raciocínio, constata-se que a fusão direta ou propriamente dita (BOTREL, 2016, p. 117), esculpida no art. 228, caput, da Lei n.º 6.404/1976, c/c art. 1.119 do CC/2002, constitui “a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que sucederá em todos os direitos e obrigações” (BRASIL, 2017g), de sorte que, esclarece Sérgio Botrel, importa “verdadeira sucessão universal” (BOTREL, 2016, p. 117, grifo do autor), razão pela qual o mesmo jurista alerta a ausência, no ordenamento jurídico brasileiro, de fusão societária parcial (BOTREL, 2016, p. 117).

Já a fusão indireta ou imprópria diz respeito à transferência para determinada holding de ações ou quotas das sociedades operacionais, para que aquela se torne controladora destas e, por consequência, passe a existir unidade econômica na exploração das atividades das sociedades operacionais, “antes desenvolvidas de maneira autônoma e independente” (BOTREL, 2016, p. 121).

A incorporação, prescreve o art. 227, caput, da Lei n.º 6.404/1976, c/c art. 1.116 do CC/2002, “é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações” (BRASIL, 2017g, grifo nosso). Tal qual acontece nas circunstâncias relacionadas à fusão, a incorporação ocasiona sucessão universal, motivo por que, na ordem jurídica pátria, não há “incorporação parcial de sociedades” (BOTREL, 2016, grifo nosso, p. 125).

A cisão, na dicção do art. 229, caput, da Lei n.º 6.404/1976, diz respeito à “operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes”, de que resulta a extinção da sociedade cindida, “se houver versão de todo o seu patrimônio, ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão” (BRASIL, 2017, grifo nosso).

Daí a inferência de que a cisão total concerne à “transferência da totalidade do patrimônio da cindida, a qual se extinguirá”, enquanto que, na cisão parcial, “apenas parte do patrimônio é vertido para outra (ou outras) sociedade(s), subsistindo a personalidade jurídica da cindida” (BOTREL, 2016, p. 155).

A extinção da pessoa jurídica dependerá das hipóteses de encerramento do tipo societário correspondente, em que se incluem a fusão, a incorporação e a cisão total (GOMES, 2012, p. 173). O art. 1.119 do CC/2002, in exemplis, ao regular a fusão total, evidencia que a sua gênese implica “a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova” (BRASIL, 2017a).

A extinção de pessoa jurídica repercute no campo de incidência do ITBI, porque, observa Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., redunda na “partilha entre os sócios, de bens imóveis, quando existentes” (ROSA JR., 2012, p. 780).

Coerente com essa premissa de que a extinção de pessoa jurídica acarreta a partilha entre sócios ou congêneres dos bens imóveis porventura remanescentes, Roque Antonio Carrazza infere que a extinção, na seara do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, abarca, na qualidade de extinção parcial do ente societário, “a redução do capital (desincorporação) de uma empresa, isto é, a restituição aos sócios (pessoas físicas ou jurídicas) de parte do valor das suas ações” (CARRAZZA, 2017, p. 1.013, grifo do autor).

Contudo, a fim de “evitar a evasão (fraudes) ou elusão fiscal”, Claudio Carneiro afasta a norma imunizante do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, nas situações em que, em vez da “simples extinção da pessoa jurídica”, houve, em realidade, “uma venda disfarçada”, ad exemplum, “se a realização de capital tiver sido promovida pelo sócio A e a desincorporação for para o sócio B” (CARNEIRO, 2016, p. 110).

Além da fusão, incorporação, cisão e extinção (explicitamente elencadas no art. 229, caput, da Lei n.º 6.404/1976, c/c arts. 1.113 a 1.122 do CC/2002), Sacha Calmon Navarro Coêlho e Regina Helena Costa acrescentam, a título de previsão implícita em tal dispositivo constitucional, a transformação (COÊLHO, 2015, p. 342-343; COSTA, 2015, p. 414), descrita, pelo art. 220, caput, da Lei n.º 6.404/1976, c/c art. 1.113 do CC/2002, como “operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e liquidação, de um tipo para outro” (BRASIL, 2017g, grifo nosso), a exemplo da situação em que uma sociedade empresária “deixa de ser por ações para ser por cotas e vice-versa” (COÊLHO, 2015, p. 343).

Entretanto, à vista da ponderação de Luiz Emygdio Franco da Rosa Jr.[13] de que a transformação acarreta somente a mudança do tipo societário e, em consequência, não se opera a transmissão imobiliária, conclui-se que ela configura espécie de não incidência do ITBI.

Posto de outra forma: sendo o fato gerador do ITBI a “transmissão de bens imóveis e de direitos reais a eles relativos” (PAULSEN, 2015, p. 293, grifo do autor em negrito substituído por grifo nosso em itálico), a mera alteração do tipo da sociedade refoge da hipótese de incidência desse tributo[14].

A fusão, a incorporação, a cisão e a extinção, na ambiência do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, reportam-se às pessoas jurídicas em geral, o que engloba todas as sociedades, não só as sociedades empresárias como também as sociedades simples, inclusive as sociedades cooperativas[15], passíveis, verbi gratia, de fusão e incorporação (MAMEDE, 2012, p. 219-220).

Sacha Calmon Navarro Coêlho e Regina Helena Costa também acolhem, na tessitura do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88, a acepção lato sensu de sociedades, com a ressalva de que adotam a classificação de sociedades privadas anterior ao Código Civil de 2002, ao bifurcá-las em sociedades civis[16] e comerciais (COÊLHO, 2015, p. 343; COSTA, 2015, p. 414).

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Sobre o autor
Hidemberg Alves da Frota

Especialista em Psicanálise e Análise do Contemporâneo (PUCRS).Especialista em Relações Internacionais: Geopolítica e Defesa (UFRGS). Especialista em Psicologia Clínica Existencialista Sartriana (Instituto NUCAFE/UNIFATECPR). Especialista em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário (PUCRS). Especialista em Ciências Humanas: Sociologia, História e Filosofia (PUCRS). Especialista em Direitos Humanos (Curso CEI/Faculdade CERS). Especialista em Direito Internacional e Direitos Humanos (PUC Minas). Especialista em Direito Público (Escola Paulista de Direito - EDP). Especialista em Direito Penal e Criminologia (PUCRS). Especialista em Direitos Humanos e Questão Social (PUCPR). Especialista em Psicologia Positiva: Ciência do Bem-Estar e Autorrealização (PUCRS). Especialista em Direito e Processo do Trabalho (PUCRS). Especialista em Direito Tributário (PUC Minas). Agente Técnico-Jurídico (carreira jurídica de nível superior do Ministério Público do Estado do Amazonas - MP/AM). Autor da obra “O Princípio Tridimensional da Proporcionalidade no Direito Administrativo” (Rio de Janeiro: GZ, 2009). Participou das obras colegiadas “Derecho Municipal Comparado” (Caracas: Liber, 2009), “Doutrinas Essenciais: Direito Penal” (São Paulo: RT, 2010), “Direito Administrativo: Transformações e Tendências” (São Paulo: Almedina, 2014) e “Dicionário de Saúde e Segurança do Trabalhador” (Novo Hamburgo: Proteção, 2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FROTA, Hidemberg Alves. A incidência de ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, à luz dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5260, 25 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61648. Acesso em: 19 abr. 2024.

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