Notas
[1] Merece registro a didática distinção, por Roque Antonio Carrazza, entre hipoteca e anticrese: enquanto que a hipoteca incide “sobre imóvel do devedor ou de terceiro, sem transmissão de sua posse ao credor”, na anticrese o “devedor transfere sua posse ao credor, para que este perceba e retenha seus frutos, imputando-os no pagamento da dívida” (CARRAZZA, 2017, p. 1.011-1.012).
[2] Adaptando-se a esse panorama a lição de Vittorio Cassone (CASSIONE, 2017, p. 117) acerca do conceito de não incidência tributária, percebe-se que, nos casos concretos referentes à transmissão de bens com garantia de penhor, o fato situa-se fora do círculo de competência do ITBI. Na seara da não incidência, “não chega a surgir a própria obrigação tributária, ou seja, o evento (fato social) não se subsume à hipótese de incidência prevista em lei, logo, não surge nenhum fato jurídico tributário” (CASTRO, 2013, p. 254). A não incidência, sem correlação com o fato jurídico-tributário, diferencia-se da imunidade, porquanto esta integra “a própria regra matriz de incidência de cada tributo” e atua como “regra negativa de competência, representando certas vedações ao direito subjetivo do ente político de legislar” (CASTRO, 2013, p. 254).
[3] “Essa garantia materializa-se com a transferência, ao credor, fiduciário, da propriedade fiduciária do bem imóvel adquirido. O devedor, fiduciante, mantém então a posse direta do bem imóvel, enquanto o credor, fica com a possa indireta. O credor adquire uma propriedade limitada ou resolúvel, já que o implemento da condição resolutória (pagamento da dívida) acarretará a reversão da propriedade ao fiduciante, na sua plenitude” (MACEDO, 2010, p. 98).
[4][4] Serve de inspiração ao parágrafo acima trecho do voto condutor do Desembargador-Relator Irineu Mariani, proferido na 1.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos autos da Apelação Cível n.º 70070230727 (0233266-28.2016.8.21.7000), em que, apesar de ressalvar seu “entendimento pessoal” de que a realização de capital é infensa ao critério da preponderância, na condição de imunidade incondicionada, reconhece que “doutrina e jurisprudência se posicionaram no sentido de que a atividade preponderante do adquirente deve ser considerada em todas as hipóteses, tanto na entrada do imóvel (= realização de capital social), quanto na saída (= fusão, incorporação, cisão ou extinção), sempre que ela — atividade preponderante do adquirente — ‛for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil’.” (RIO GRANDE DO SUL, 2017p, grifo em negrito do autor substituído por grifo em itálico nosso, grifo em itálico do autor mantidos)
[5] Conquanto o art. 184, § 5.º, da CF/88, reporte-se a “impostos federais, estaduais e municipais”, afirma Roque Antonio Carrazza que “as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária somente poderiam ser alcançadas pelo ITBI” (CARRAZZA, 2017, p. 1.018). Com posicionamento distinto, obtempera João Marcelo Rocha: “Abrange ainda o IR relativo a eventual ganho na desapropriação (valor histórico do imóvel menor que o valor da indenização recebida pelo desapropriado), bem assim em relação aos eventuais juros oriundos dos títulos da dívida agrária entre a desapropriação e o resgate. Abrange ainda o IOF relativo à operação de resgate dos títulos junto ao Tesouro Nacional.” (ROCHA, 2015, p. 385).
[6] É que “a norma de isenção”, na qualidade de “norma jurídica autônoma que atua no critério material da regra matriz de incidência do tributo, impedindo a sua incidência”, insere-se “no plano infraconstitucional da lei ordinária ou complementar” (CASTRO, 2013, p. 254).
[7] O teor do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88 guarda, de fato, bastante similitude com o § 3.º do art. 24 da CF/67, in litteris: “Art. 24 [...] § 3.º - O imposto a que se refere o n.º I não incide sobre a transmissão de bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica nem sobre a fusão, incorporação, extinção ou redução do capital de pessoas jurídicas, salvo se estas tiverem por atividade preponderante o comércio desses bens ou direitos, ou a locação de imóveis.” Igual semelhança se percebe, literalmente, em relação ao § 3.º do art. 23 da Emenda Constitucional n.º 1/69 (BRASIL, 2017c; BRASIL, 2017e).
[8] Embora consubstancie tributo cuja atual compleição já restava, em linhas gerais, delineada no art. 24, inciso I, da Constituição Federal de 1967, e, depois, no art. 23, inciso I, da Emenda Constitucional n.º 1, de 17 de outubro de 1969 (COSTA, 2015, p. 223; VELLOSO, 2012, p. 557), como imposto da alçada dos Estados-membros e do Distrito Federal (BRASIL, 2017c; BRASIL, 2017e), sua previsão constitucional remonta ao Ato Adicional de 1834, segundo historia Kiyoshi Harada: “A Carta outorgada é omissa na previsão desse imposto. Pelo Ato Adicional de 1834, a siza incidente sobre transações com bens de raiz passou das Províncias [...] para os Municípios, com exceção para o Município do Rio de Janeiro. A Constituição Republicana de 1891 conferiu aos Estados-membros a competência para instituir impostos “sobre transmissão de propriedade” (art. 9º, III). Na Constituição de 1934, esse imposto é mantido na competência estadual, porém, com a divisão entre causa mortis e inter vivos (art. 8º, I, alíneas a e b). [...] o imposto inter vivos incidia, inclusive, na transmissão para o fim da incorporação ao capital da sociedade e a transmissão causa mortis alcançava os bens incorpóreos (§ 4º do art. 8º). Na Constituição de 1937, nada mudou (art. 23, I, alíneas b e c). O mesmo aconteceu com o advento da Constituição de 1946 (art. 19, II e III). Com a Emenda Constitucional n.º 5, de 1961, ocorreu o desmembramento desse imposto. O imposto de transmissão inter vivos passou para competência impositiva municipal (art. 29, III), ao passo que o imposto de transmissão causa mortis continuou na esfera de competência tributária dos Estados-membros (art. 19, I e §§ 1º e 2º). A Emenda Constitucional nº 17, de 1965, reunificou os impostos de transmissão causa mortis e inter vivos, mantendo a competência impositiva dos Estados-membros (art. 9º e §§ 1º e 4º).” (HARADA, 2016, p. 2).
[9] Do que se trata a atividade econômica? Na seara do Direito Econômico, responde Fabiano Dolenc Del Masso: “Objetivamente, a atividade econômica representa o esforço humano para a produção de bens e serviços, cuja finalidade é promover a satisfação das ilimitadas necessidades.” (DEL MASSO, 2012, p. 3). Já, no âmbito das Ciências Econômicas, dilucida Paulo Viceconti Silvério das Neves que as atividades econômicas “são as atividades de produção, circulação, distribuição e consumo de bens e serviços” (NEVES, 2013, p. 5).
[10] As sociedades constituem “pessoas jurídicas de direito privado cujos integrantes contribuem, com seus esforços produtivos (capital ou serviços), para o desenvolvimento da(s) atividade(s) econômica(s), que constitui(em) seu objeto social” (GOMES, 2012, p. 92).
[11] Art. 110 do CTN, ad litteram: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” (BRASIL, 2017b)
[12] “O CCB de 2002 veio a estabelecer normas sobre as operações de transformação, incorporação e fusão de sociedades (arts. 1.113 a 1.122), que, no entanto, não se aplicam às sociedades por ações, por força do seu art. 1.089.” (ROSA JR., 2012, p. 780).
[13] “O dispositivo não menciona a operação de transformação porque corresponde à operação em que a sociedade apenas muda o seu tipo societário, não se podendo falar, assim, em sucessão, e muito menos em transmissão de propriedade, por se tratar da mesma sociedade.” (ROSA JR., 2012, p. 780, grifo do autor).
[14] As hipóteses de incidência, na lapidar definição de Roque Antonio Carrazza, correspondem aos “fatos geradores in abstracto” (CARRAZZA, 1996, p. 94).
[15] “As cooperativas são sociedades simples que, não obstante tenham finalidade econômica, não tem finalidade de lucro. [...] Regem-se pela Lei 5.764/71 e pelos artigos 1.093 a 1.096 do Código Civil, embora, nas lacunas de tais normas, apliquem-se as regras da teoria geral do Direito Societário [...]” (MAMEDE, 2012, p. 188, grifo do autor).
[16] “Na nova sistemática delineada pelo Código Civil [de 2002], em seus arts. 997 a 1.038, as sociedades simples podem ser consideradas, desde que mantidas as devidas proporções, como uma espécie de sucedâneo das antigas sociedades civis, abrangendo, entretanto, um rol menos extenso de atividades econômicas.” (GOMES, 2012, p. 114, grifo nosso).
[17] “[...] constitui um contrato pelo qual uma empresa adquire um bem, entregando-o para o uso e proveito de um terceiro, que paga prestações correspondentes ao preço do bem e mais encargos, com possibilidade de opção de compra ao final. Não adquirindo o bem, ou não exercida a compra e venda, transforma-se o contrato em locação; se optar pela compra quem tem a posse, a espécie muda para compra e venda financiada.” (RIZZARDO, 2017, p. 1.270).
[18] “No arrendamento mercantil envolvendo imóveis, busca a operação munir as empresas de uma quantidade maior de capital circulante. É evidente o elevado custo representado pelo patrimônio imobiliário, determinando vultosos investimentos em um setor não localizado especificamente na produção e no retorno dos gastos. Integram a relação de imóveis arrendáveis os conjuntos de edificações, acessões e terrenos onde funcionam as indústrias, os supermercados, as instalações comerciais, os laboratórios de pesquisa, os silos, armazéns, frigoríficos, hotéis, lojas, clínicas médicas, oficinas, etc. Têm destaque as áreas destinadas a edificações de fábricas, nos distritos industriais situados próximos às grandes cidades.” (RIZZARDO, 2017, p. 1.301).
[19] Ajustando-se a essa questão específica do arrendamento mercantil de móveis o ensino geral de João Marcelo Rocha (ROCHA, 2015, p. 349) sobre o conceito de não incidência tributária, convém acentuar que o leasing de bens móveis diz com “situações deixadas de fora do campo de incidência” do ITBI, “por deliberação do próprio legislador”, in casu, do legislador constituinte, já que o fato gerador de tal imposto municipal não se ocupa de bens móveis.
[20] Em realidade, na contextura da norma imunizante em comento, mostra-se despiciendo invocar, como categoria autônoma, a integralização de capital, porque a expressão “realização de capital”, empregada pelo legislador constituinte, diz respeito à integralização de capital, conforme alumia Herbert Morgenstern Kugler, citado em passagem pretérita deste estudo (KUGLER, 2011, p. 210).
[21] “A receita operacional é aquela decorrente das atividades, principal ou acessória, que constituam objeto da pessoa jurídica. Enfim, é a receita que decorre da ‘operação’ regular da pessoa jurídica. Não operacional, por exclusão, é a receita que não advém da atividade da empresa ou de uma operação produtiva (exemplo: ganhos de capital, receitas financeiras, bônus, subvenções etc.).” (MANGIERI; MELO, 2015, p. 104, grifo dos autores)
[22] Trata-se de evolução do pensamento da Desembargadora Maria Isabel de Azevedo Souza. Exemplo do seu posicionamento anterior repousa no julgamento, em 20 de abril de 2012, pelo 11.º Grupo Cível daquela Corte de Justiça, dos Embargos Infringentes n.º 70047992862, ocasião em que, como Relatora, capitaneou o entendimento, à época, da maioria daqueles julgadores, ao acentuar que “a inatividade da empresa no período previsto pela Lei para a apuração da preponderância não assegura a manutenção da imunidade” (RIO GRANDE DO SUL, 2017g, grifo nosso).
[23] “EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 149, § 2º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTENSÃO DA IMUNIDADE À CPMF INCIDENTE SOBRE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS RELATIVAS A RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO ESTRITA DA NORMA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. I - O art. 149, § 2º, I, da Constituição Federal é claro ao limitar a imunidade apenas às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico incidentes sobre as receitas decorrentes de exportação. II - Em se tratando de imunidade tributária a interpretação há de ser restritiva, atentando sempre para o escopo pretendido pelo legislador. III - A CPMF não foi contemplada pela referida imunidade, porquanto a sua hipótese de incidência - movimentações financeiras - não se confunde com as receitas. IV - Recurso extraordinário desprovido.” (BRASIL, 2017j, grifo nosso)
[24] “IMUNIDADE – CAPACIDADE ATIVA TRIBUTÁRIA. A imunidade encerra exceção constitucional à capacidade ativa tributária, cabendo interpretar os preceitos regedores de forma estrita. IMUNIDADE – EXPORTAÇÃO – RECEITA – LUCRO. A imunidade prevista no inciso I do § 2º do artigo 149 da Carta Federal não alcança o lucro das empresas exportadoras. LUCRO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO – EMPRESAS EXPORTADORAS. Incide no lucro das empresas exportadoras a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.” (BRASIL, 2017k, grifo nosso)
[25] O art. 149, § 2.º, inciso I, da CF/88, alterado pelo art. 1.º da Emenda Constitucional n.º 41, de 19 de dezembro de 2003, concerne à imunidade “sobre as receitas decorrentes de exportação” em relação às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico (BRASIL, 2017d).
[26] O método indutivo vai “do particular para o geral”, é dizer, “parte da observação direta do detalhe” (in casu, de julgados específicos do Pretório Excelso sobre determinadas imunidades) para que, “por meio do seu conhecimento” (em tal tessitura, pelo exame de tais acórdãos do STF), “estabelecer os princípios gerais que regem a matéria em estudo” (o TJ/PR formulou o entendimento ampliativo de que as normas de imunidade em geral devem ser interpretadas de forma restritiva). Invocou-se, nas presentes considerações, o ensinamento sobre método indutivo dado por César Roberto Leite da Silva e Sinclayr Luiz (SILVA; LUIZ, 2010, p. 15).
[27] Ricardo Lobo Torres hasteia o entendimento próprio de que o art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88 concerne a uma “não incidência constitucionalmente qualificada, ditada por motivos conjunturais, inconfundível com a imunidade, que protege os direitos humanos” (TORRES, 2005, p. 399).
[28] O mercado de consumo concerne à “negociação de tudo o que é produzido pelos agentes econômicos, incluindo todas as mercadorias e serviços que não são comercializados em mercados específicos, como é o caso dos valores mobiliários”, ao passo que o mercado de trabalho diz respeito à “troca [que] envolve a mão de obra fornecida pelas pessoas dispostas e competentes para tal atividade e os agentes econômicos, que por intermédio de salários e outras formas de remuneração retribuem o fornecedor de mão de obra” (DEL MASSO, 2012, p. 36-37).
[29] O trabalho concerne aos “serviços humanos que transformam os bens ou recursos naturais em riquezas econômicas, aumentando-lhes a utilidade e o valor” (GASTALDI, 2014, p. 104).
[30] O capital diz respeito aos bens de capital (acima identificado como bens de produção), ou seja, “coisas produzidas e não destinadas a um consumo direito, mas para auxiliar a produção posterior de bens e produtos”, “representados pelas máquinas e equipamentos duráveis, caracterizando a moderna maquinofatura” (GASTALDI, 2014, p. 104).
[31] Os recursos naturais (sumulados, na terminologia econômica clássica, no conceito de terra) constituem “o conjunto de coisas úteis que o homem encontra em seu ambiente natural, com destaque especial à superfície fértil do globo, indispensável à produção agrícola e às riquezas contidas em seu subsolo, utilizadas na indústria de mineração e eventual produção de petróleo” (GASTALDI, 2014, p. 104).