1. DOS FATOS
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro revogou ordem de prisão provisória concedida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, determinando a soltura de três deputados estaduais investigados.
Os parlamentares tiveram prisão decretada por decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Eles são alvos da Operação Cadeia Velha, que desarticula um suposto esquema de corrupção entre políticos e empresários do transporte público no Rio. A investigação aponta que o pagamento de propinas começou na década de 1990.
A decisão da Assembleia Legislativa do RIo de Janeiro (Alerj), de soltar Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, era esperada. A Comissão de Constituição e Justiça votou em segredo, a Assembleia teve que afastar a população e se trancar em plenário com galerias vazias para votar. Sendo assim, há de se esperar que seja suscitada a inconstitucionalidade dessa decisão por afronta ao principio da publicidade e da participação popular.
2. A COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO EM MATÉRIA DE PROCESSO
Mas as afrontas à Constituição não param aí.
Há quem diga que artigo 102 do texto da Constituição do Rio de Janeiro estabelece que o plenário da Casa deve ser consultado para confirmar ou revogar a prisão de deputados estaduais.
O Supremo Tribunal Federal (STF), se acionado, pode anular a sessão da Alerj, pois a maioria dos ministros está incomodada com o fato de que a decisão do plenário, atribuindo ao Poder Legislativo a palavra final sobre a aplicação de medidas cautelares contra parlamentares, que acabou liberando o senador Aécio Neves, esteja sendo usada em diversas assembleias estaduais para liberar políticos investigados.
Dir-se-ia que não se trata de medida cautelar diversa da prisão, mas de prisão preventiva, prisão provisória, submetida ao artigo 312 do CPP. Ademais, se os crimes que teriam sido cometidos pelos parlamentares foram de lavagem de dinheiro e organização criminosa, são crimes permanentes, sobre o qual cabe a prisão em flagrante.
As medidas cautelares, tais como prisão preventiva e afastamento do cargo, são matérias de cunho processual. O artigo 22 da Constituição Federal, diz que "Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual (...)”. “Assim, não cabe às constituições estaduais legislarem sobre o tema, se o fizerem as normas são nulas.
No caso, diz ele, não tem aplicação o princípio da simetria, como alegaram vários deputados. Portanto, as assembleias legislativas não têm o poder de decidir sobre aquelas medidas impostas pelo Judiciário.
O artigo 27, parágrafo 1º da Constituição Federal manda aplicar aos deputados estaduais as mesmas regras de inviolabilidade e imunidade de que desfrutam deputados federais e senadores, não significa dizer que decreto de prisão em flagrante por crime inafiançável de deputado estadual também precisa depois passar pelo crivo da maioria da Assembléia Estadual, para mantê-lo ou cassá-lo.
Estabelece o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal competência privativa da União Federal para legislar sobre tema de processo.
Ora, no artigo 22 da Constituição Federal se deu competência privativa(não exclusiva) à União para legislar sobre questões específicas relacionadas nesse artigo. Há uma diferença entre competência exclusiva e competência privativa, como revela José Afonso da Silva(Curso de direito constitucional positivo, 5ª edição, pág. 413).
A competência exclusiva é indelegável e a competência privativa é delegável. Quando se quer atribuir competência própria a uma entidade ou a um órgão com possibilidade de delegação de tudo, ou de parte declara-se que compete privativamente a ele a matéria indicada. Assim, no artigo 22, deu-se a competência privativa (não exclusiva) à União, para legislar sobre assuntos de processo, dentre outros, porque o parágrafo único faculta à lei complementar autorizar aos Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
Afronta, se não bastasse, tal dispositivo da Constituição Estadual, o devido processo legal em sentido processual(procedural due process), na medida em que, no direito processual, tal cláusula significa o dever de propiciar ao litigante um juiz imparcial, de forma que não se fique ao sabor se o órgão legislativo, em função de seus interesses partidários e ideológicos, decidirá dessa ou daquela maneira, usurpando o papel que é dado ao Poder Judiciário.
Ademais, a Constituição Federal fixa zona de determinações e o conjunto de limitações à capacidade organizatória dos Estados quando manda que suas Constituições e leis observem a seus princípios segundo se lê do artigo 125 da Constituição da República, que podem ser classificados em dois: a) sensíveis; b) estabelecidos.
Os princípios constitucionais sensíveis são aqueles que dizem respeito basicamente à organização dos poderes governamentais dos Estados que envolve outros princípios particulares, de forma que estão conjugados no artigo 34, VII, da Constituição, dentre os quais a formação republicana e o regime democrático que exige a necessária separação de poderes, que devem ser autônomos.
Sabido é que, no Estado Democrático de Direito e no Regime Republicano a interpretação há de ser feita com base nos valores sociais e republicanos que a guarnecem de sorte a permitir que os maus governantes sejam responsabilizados política e juridicamente pelas condutas praticas com abuso ou desvio de finalidade, que sejam em prejuízo do bem comum.
Condicionar o andamento de ação penal promovida contra Governador de Estado seria, data vênia, conceder um passaporte para a impunidade do agente político, criando uma dificuldade absolutamente incontornável para a instauração da ação penal, de sorte a ser uma verdadeira cláusula desproporcional, pois excessiva.
Os princípios constitucionais estabelecidos são os que limitam a autonomia organizatória dos Estados, são aquelas regras que revelam, previamente, a matéria de sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como os princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia estadual. No particular, tem-se a organização da Justiça(artigo 125) e a inconstitucionalidade das leis e atos normativos estaduais e municipais.
Ademais, quando a Constituição dá competência privativa à União, em matéria relacionada ao artigo 22, apresenta limitação implícita vedatória ao Estado de legislar sobre a matéria.
Se não bastasse, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito. Pois ao criar condicionamento ao exercício da ação penal não previsto na Constituição Federal ou por ela não autorizado, a Constituição Estadual está a afrontar o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional.
O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição firma duas ideias: uma de que toda controvérsia, portanto, poderia ser levada ao Poder Judiciário e este teria de conhecê-la, respeitada a forma adequada de acesso a ele disposta pela leis processuais; a duas que toda decisão definitiva sobre controvérsia jurídica, só poderia ser exercida pelo Poder Judiciário. Não haveria jurisdição fora deste, nem no Poder Legislativo e nem no Poder Executivo.
Assim a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
3. AFRONTAS À RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE E A IGUALDADE
Ademais, não há falar em simetria: a uma posto que isso afrontaria ao principio da razoabilidade e a duas, por ser regra constitucional de concessão de benefício não abarcaria interpretação extensiva ou analogia.
A providência escolhida pelo legislador fluminense e alvo de inconstitucionalidade é flagrantemente desarrazoada e desproporcional.
Há de se considerar uma razoabilidade interna, que se referencia com a existência de uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins da medida e ainda uma razoabilidade externa, que trata da adequação de meios e fins.
Tais ilações foram essencialmente de cogitação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como bem ensinou o Ministro Luís Roberto Barroso, ao externar um outro qualificador da razoabilidade-proporcionalidade, que é o da exigibilidade ou da necessidade da medida. Conhecido, ainda, como princípio da menor ingerência possível, consiste no imperativo de que os meios utilizados para consecução dos fins visados sejam os menos onerosos para o cidadão. É o que conhecemos como proibição do excesso.
Há, ainda, o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, onde se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação ás vantagens do fim.
Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do principio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas, os seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingimento de fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.
A decisão discutida afronta o princípio da igualdade.
Ela estabelece um instrumento arbitrário para solução do problema da seleção em concurso público.
Celso Antônio Bandeira de Mello observa que qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou alterações pode ser escolhido pela lei como fator discriminatório, donde se segue que, de regra, não é o traço de diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao princípio isonômico.
Todavia as discriminações legislativas são compatíveis com a cláusula igualitária apenas tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto e a desigualdade de tratamento em função dela conferida. Não basta, porém, a existência desta correlação: é ainda necessário que ela não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição (O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, São Paulo, 1978, pág. 24).
O vínculo de correlação lógica entre o fator de discriminação e a desigualdade de regime jurídico, a que alude Celso Antônio Bandeira de Mello, nada mais é do que "a proibição do arbítrio" de que falou a doutrina alemã ou a exigência da razoabilidade que tem sido utilizada pela Corte Constitucional da Itália, como cânone interpretativo para o exame da constitucionalidade das leis.
Assim, deve-se acautelar com relação às chamadas desequiparações fortuitas, injustificadas, desrazoáveis. E essa ocorre sempre que não exista uma pertinência e uma coerência lógica do fator de discrímen com a diferenciação procedida.
Concluiu Celso Antônio Bandeira de Mello (obra citada): "é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto".
Fala-se em igualdade perante a lei e igualdade na lei.
Aquela corresponde à obrigação de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade com o que eles estabelecem, mesmo se delas resultar uma discriminação, o que caracteriza uma igualdade puramente formal, enquanto a igualdade na lei exige que nas normas jurídicas não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria Constituição. A igualdade perante a lei seria uma exigência feita a todos aqueles que aplicam as normas jurídicas gerais aos casos concretos, ao passo que a igualdade na lei seria uma exigência dirigida tanto àqueles que criam as normas jurídicas gerais como àqueles que as aplicam aos casos concretos, como ensinou Hermann Pertzold(Le principe de l'egalité devant la loi dans le droit de certain état d'Amerique Latin).
Para Seabra Fagundes, o princípio da igualdade significa para o legislador que "ao elaborar a lei, deve reger, com iguais disposições, os mesmos ônus e as mesmas vantagens, situações idênticas, e, reciprocamente, distinguir, na repartição de encargos e benefícios, as situações que sejam entre si distintas, de sorte a quinhoá-las ou gravá-las em proporção às suas diversidades"(O princípio constitucional da igualdade perante a lei e o Poder Legislativo, RT 235/3).
Francisco Campos (Igualdade perante a lei, incorporado em seu Direito Constitucional) sustentou que o legislador é o destinatário principal do princípio, pois se ele pudesse criar normas distintas das pessoas, coisas ou fatos, que devessem ser tratados com igualdade, o mandamento constitucional se tornaria inteiramente inútil. Por sua vez, o executor da lei já está necessariamente obrigado a aplicá-la de acordo com os critérios constantes na própria lei.
Dir-se-á que os parlamentares possuem prerrogativas. Elas estão na Constitução em lista fechada.
As prerrogativas não constituem privilégios que quebrem o princípio da igualdade, como salientaram Nelson de Souza Sampaio(artigo na RDP, 68:16); Manoel Gonçalves Ferreira Filho(Comentários à Constituição brasileira, 1977, volume I, pág. 189); Geraldo Ataliba(artigo na RDP, 68:146); Celso Antônio Bandeira de Mello(artigo na RDP, 68:146), dentre outros.
As prerrogativas, na lição de Hely Lopes Meirelles, "são atributos do órgão ou do agente público, inerentes ao cargo ou a função que desempenha na estrutura do governo, na organização, administração ou na carreira a que pertence. são privilégios funcionais, normalmente conferidos aos agentes políticos ou mesmo aos altos funcionários, para a correta execução de suas atribuições legais. As prerrogativas funcionais erigem-se em direito subjetivo de seu titular, passÍvel de proteção por via judicial, quando negadas ou desrespeitadas por qualquer outra sociedade"(Justitia, 123:188, n. 17).
Tem-se, pois, na Constituição, uma norma de ordem pública envolvendo prisão de parlamentar(deputado federal ou senador).
Ora, tem-se das lições de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e aplicação do direito), que as normas de ordem pública têm aplicação restrita.
Na analogia é preciso que entre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante, de forma que haja uma qualidade comum a ambos.Na analogia há a criação de uma nova norma jurídica; na interpretação extensiva o efeito é da extensão de uma norma para casos não previstos por esta.
O intérprete deve eliminar a amplitude das palavras nessa hipótese constitucional.
Não cabe falar, pois, para o caso, em analogia.