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Evolução histórica dos direitos das mulheres no direito de família brasileiro

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Constituição Federal de 1988 

 A Constituição Federal de 1988 é um dos maiores marcos de mudança na condição jurídica da mulher, principalmente por ter estabelecido a igualdade jurídica de homens e mulheres. Assim, comenta Cabral (2008, p.51), que a Constituição de 1988:

Foi um “divisor de águas” no Direito de Família, pois igualou as disparidades existentes até sua entrada em vigor, ampliando o reconhecimento de novas formas de família, acolhendo as grandes transformações sociais e econômicas do país e acatando as reivindicações dos movimentos feministas que a anos trabalhavam para a modernização e democratização da legislação que mantinha até então a mulher em situação de subalternidade e dependência.

Dentre as principais mudanças, merece evidência o reconhecimento da união estável, inclusive como entidade familiar. Assim dispõe o Art. 226, § 3º Constituição Federal: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Nesse sentido, a respeito do reconhecimento da união estável como forma de constituir família, Cabral (2008, p.52) comenta que “emprestando juridicidade ao relacionamento existente fora do casamento, deixou de ser o casamento o marco a identificar a existência de uma família e o único sinalizador do estado civil das pessoas”.

No tocante à autonomia da mulher, cumpre dizer que a Constituição Federal de 1988 foi determinante nesse processo, cuja consequência foi o “esvaziamento do poder marital, a capacidade plena da esposa, e a troca da comunhão universal pela parcial como regime legal de bens no casamento” (CABRAL, 2008, p.53).

Todas essas mudanças são decorrentes do princípio da igualdade, uma das principais marcas da Constituição Federal de 1988, e nesse sentido, Piovesan (2011, p.78), pontua:

Pela primeira vez na história constitucional brasileira, consagra-se a igualdade entre homens e mulheres, como um direito fundamental, nos termos do artigo 5o, inciso I do texto. O princípio da igualdade entre os gêneros é endossado no âmbito da família, quando o texto estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelos homens e pelas mulheres, em conformidade com o artigo 226, parágrafo 5o. A Carta de 1988 ainda reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, de acordo com o parágrafo 3o do mesmo dispositivo constitucional. Acrescenta ainda que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (artigo 227, parágrafo 6o).

 Necessário se faz enfatizar o Art. 5°, inciso I, de acordo com o qual “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Estabelece-se assim, o princípio da igualdade, que altera profundamente a condição da mulher e estabelece a igualdade conjugal.

Interessante realçar o Art. 226 § 5º, segundo o qual “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Por esse artigo fica evidente não mais haver a subordinação feminina  ao homem, o que representou uma grande conquista.

Assim, Cabral (2008, p.58) ressalta que “na nossa Constituição Federal de 1988, podemos encontrar vários textos que estabelecem normas programáticas que visam nivelar e diminuir as desigualdades reinantes tais como as que se referem ao universo feminino”.

Nota-se não se tratar de “um confronto entre marido e mulher, pois não se trata somente de igualdade no lar e na família, é uma igualdade de raça, cor, credo e muito mais, é o banimento dos atos discriminatórios contra todos seres humanos” (CABRAL, 2008, p.59).

Pitanguy e Barsted (2011, p.17) comentam que a Constituição Federal de 1988:

Ampliou os direitos individuais e sociais e consolidou a cidadania das mulheres no espaço público e na vida familiar, assegurou os direitos das mulheres nos campos da saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva; da segurança; da educação; da titularidade da terra e do acesso à moradia; do trabalho, renda e da Previdência Social e do acesso aos direitos civis e políticos. Outro marco importante refere-se ao avanço da legislação e da doutrina internacional de proteção aos direitos humanos das mulheres.

 Evidencie-se ainda o Art. 7°, XXX da Constituição Federal de 1988, que foi regulamentado pela Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, e trata da “proibição da discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo ou estado civil. (...) proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho” (PIOVESAN, 2011, p.61).

Nesse sentido, menciona-se o Art. 226, § 8° da CF/88, cuja relevância é incontestável: “Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Vale dizer que “as legislações têm avançado com o objetivo de valorizar e resguardar a mulher, seja nas áreas do direito do trabalho, da família, previdenciário, dentre outras” (CABRAL, 2008, p.63).

Diante do exposto, verifica-se a importância da Constituição Federal de 1988 como marco jurídico da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, que por muito tempo pareceu tão distante, se considerarmos a sociedade à época.  A partir dessa Constituição Federal, outras legislações foram incorporando seus princípios, tornando o direito das mulheres cada vez mais palpáveis e efetivos.


O Código Civil de 2002, Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 

O anteprojeto do Novo Código Civil “datado de 1972 foi submetido ao exame do público em geral em 19 de março de 1973, e após o mesmo foi revisto por sua comissão elaboradora, que era supervisionada pelo Professor Miguel Reale” (CABRAL, 2008, p.87). Apenas dois anos mais tarde em 1975, foi convertido no Projeto de Lei n°. 634/75.

Cabral (2008, p.87) comenta que apenas em “dezembro de 1997, com mais de 500 (quinhentas) emendas, o projeto do Novo Código Civil voltou à Câmara para nova apreciação” e posteriormente, em 15 de agosto de 2001, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, numa votação simbólica.

O texto do projeto aprovado voltou à Comissão Especial para revisão definitiva, tendo sido sua Redação Final entregue aos Deputados, com 2.046 artigos, em 13 de novembro de 2001, e aprovado por votação simbólica no Plenário da Câmara, no mesmo mês, tendo seguido no início do mês de dezembro para a sanção do Presidente da República, que na data histórica de 10 de janeiro de 2002 promulgou o Novo Código Civil brasileiro, pela Lei n°.10.406, com prazo de vacatio legis de um ano, entrando em vigor em 11 de janeiro de 2003 (CABRAL, 2008, p.87-88).

A respeito do Código Civil de 2002, Piovesan (2011, p.80), comenta que ele “veio romper com o legado discriminatório em relação à mulher previsto no Código Civil de 1916, que legalizava a hierarquia de gênero e mitigava os direitos civis das mulheres”.

Piovesan (2011, p.80) menciona que “a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, quando então a legislação infraconstitucional civil brasileira passou a adequar-se aos parâmetros constitucionais e internacionais concernentes à equidade de gênero”.

Nesse sentido, no que se refere às mudanças trazidas pelo Código Civil de 2002, Cabral, (2008, p.90-91) esclarece o legislador “substitui a palavra “homem” por “pessoa”, e assim, sucessivamente, em todo o Código, para que se retire definitivamente deste, toda e qualquer desigualdade nas relações jurídicas, seguindo o princípio da isonomia declarado pela Carta Magna de 1988”.

Assim, Diniz (2007, p.04), pontua que “no Código de 2002 liga-se à pessoa  a ideia de personalidade, exprimindo aptidões genéricas para adquirir direitos e contrair obrigações”.

Portanto, no início do Novo Código, percebemos suas intenções quando já na ortografia ele deixa de colocar a mulher como uma “sombra” do homem, ou seja, quando se falava a palavra “homem”, para se referir a todas as pessoas humanas, as mulheres tinham que se incluir na masculinidade que esta palavra determina. Antigamente, o “homem” estava colocado como o representante da população brasileira, não necessitando, com isto, que a “mulher” fosse citada diretamente (CABRAL, 2008, p.91).

A igualdade entre os cônjuges vem expressa no Art. 226, §5° da Constituição Federal, de acordo com o qual “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Note-se que “essa igualdade, como foi visto em todo o processo histórico das lutas femininas, não existia no Código Civil de 1916, que discriminava acentuadamente a mulher, chegando ao ponto de classificá-la como relativamente incapaz a certos atos e a maneira de exercê-los” (CABRAL, 2008, p.93).

Dentre outras providências, o Código Civil de 2002 traz expresso em seu Art. 1.517, a mesma idade núbil de dezesseis anos para homens e mulheres, assim, “o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”.

 Valioso ressaltar ainda a questão do nome após o casamento. De acordo com o Art. 1.565, § 1o ”qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”. Há ainda a possibilidade de os nubentes continuarem com o nome de solteiro. Esse dispositivo é mais um exemplo da aplicação do princípio da isonomia consagrado na Constituição Federal de 1988.

A respeito da direção da sociedade conjugal, Cabral (2008, p.106), destaca que essa pertence de forma igual “a ambos os cônjuges, pois, lhes foi conferido conjuntamente o exercício da direção da sociedade conjugal, não colocando qualquer dos cônjuges em posição inferior, preocupando-se somente em harmonizar os interesses comuns da família”.

 O Art. 1.567 traz expresso que “a direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração àqueles interesses”.

 Note-se que “o dever de sustento cabe a ambos os cônjuges, que serão obrigados a contribuir para as despesas feitas no interesse do casal e dos filhos na proporção dos recursos e rendimentos de cada um” (Cabral, 2008, p.110).

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Nos termos do Art. 1.569 “o domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes”.

O Código Civil de 2002 atende aos princípios constitucionais da plena igualdade entre homens e mulheres e da proteção à criança e ao adolescente, excluindo a prevalência da mãe na atribuição da guarda dos filhos, bem como, eliminou o regime de perda de guarda por culpa na separação judicial, valorizando, sobretudo, as relações de afinidade e afetividade para sua fixação, de modo que preserve a dignidade dos filhos (CABRAL, 2008, p.118).

Outra mudança importante é o fato de o Código Civil de 2002 adotar a expressão “poder familiar” em lugar de “pátrio poder” e determinar que seja exercido pela mãe e pelo pai. “Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”.

Nesse sentido, Cabral (2008, p.125), menciona que “não há mais a prevalência do pai sobre a prole, ficando igualado o direito aos cônjuges de administrarem a vida dos filhos menores”.

No que se refere à prestação de alimentos o Código menciona em seu Art. 1.703 que “para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos”.

O Código ainda prevê a possibilidade de o cônjuge requerer alimentos do outro, nos termos dos artigos do Código Civil de 2002:

 Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no Art. 1.694. Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

Nota-se uma total incorporação do princípio da isonomia exaltado na Constituição Federal de 1988, onde ambos os sexos são colocados como iguais.  É, portanto, uma mudança muito importante no que diz respeito a condição feminina brasileira inclusive uma grande marco para os movimentos de mulheres.

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Sobre as autoras
Paula Lemos de Paula

Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2014). Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2019). Especialista em Direitos humanos pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2018) ; Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2019).

Léia Comar Riva

Pós doutora - Programa de Pós-Doutoramento em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra - Faculdade de Direito (UC-FD - Portugal); Doutora em Direito Civil pela Usp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Lemos ; RIVA, Léia Comar. Evolução histórica dos direitos das mulheres no direito de família brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5546, 7 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62448. Acesso em: 26 abr. 2024.

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