Por conta de uma prática que se tornou usual na década de 60 e 70 do século passado, foi editado o decreto-lei 745/69, que estabeleceu que nos casos de compromisso de compra e venda de imóvel a mora para fim de rescisão teria a sua constituição condicionada à notificação do adquirente. Isso se justificava naquela época, porque as pessoas faziam loteamentos, vendiam os imóveis e, quando o negócio valorizava, através do aumento de demanda e por conta da hiperinflação, o vendedor simplesmente parava de cobrar aquelas pessoas que adquiriram os imóveis e tentava reavê-lo comprovando inadimplência do adquirente. Era comum nos contratos de compra e venda uma cláusula resolutiva expressa, rescindindo o contrato, vencidas de 3 (três) a 4 (quatro) parcelas. Desta forma, o vendedor recuperava o imóvel com mais valor de mercado.
Estamos contextualizando uma época anterior, em média, duas décadas à primeira edição do código de defesa do consumidor! Em meio a uma cultura na qual os adquirentes mais ingênuos aguardavam o recebimento das cobranças para honrá-las, muitos ficavam inadimplentes sendo vítimas de pessoas inescrupulosas que conseguiam retomar estes terrenos vendidos. Neste contexto, era justa uma pré-notificação, ou seja, antes de entrar com a ação de rescisão, o vendedor deveria comunicar o adquirente sobre a existência da dívida, as condições para sua quitação (endereço para pagamento, prazo etc.) e que a consequência da não regularização da mesma seria a rescisão do contrato. Desta forma, o vendedor só pode entrar com ação de rescisão se comprovar a realização dessa notificação.
Já em comparação à realidade atual, passadas 5 a 6 décadas daquele contexto, existem várias normas que visam proteger o adquirente, e uma situação, em termos de judiciário, também bem diferente, mas a norma é a mesma: após fazer a notificação, é necessário também citar o adquirente novamente na ação de rescisão.
Atualmente, na cidade de São Paulo, o processo para conseguir notificar o adquirente, ou seja, dar ciência de que ele tem que pagar, tem demorado em média 2 (dois) anos. A partir de então, uma vez que o adquirente notificado não quitou sua dívida, a parte vendedora gastará mais algum tempo na montagem da ação de rescisão e sua distribuição, na qual demandará, em média, mais 4 (quatro) anos para citar o mesmo adquirente já notificado e ciente que iria sofrer uma ação de rescisão.
Esta citação, parte obrigatória da ação de rescisão, torna-se comparável aos Trabalhos de Hércules, pois, além do longo tempo que varia de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos que o judiciário demora para conseguir citar, é quase impossível encontrar o adquirente. O ônus financeiro da inadimplência é aumentado pelas inúmeras diligências e pelo tempo em que se arrasta a ação rescisória.
Contrariando este cenário, existem algumas legislações específicas no Brasil (no exterior isto é conduta padrão) que dizem competir à parte do contrato manter atualizado o seu endereço e que as correspondências, citações e intimações encaminhadas para este local são válidas. Claro que, se o adquirente informou a alteração cadastral e faz prova disto, qualquer notificação, intimação ou citação no endereço antigo é invalida. Por outro lado, caso o adquirente não atualize seu cadastro, não poderá alegar desconhecimento de fatos encaminhados para o endereço cadastrado. Um exemplo comum disso são as multas de trânsito. Outro exemplo são as correspondências enviadas pelo locador para o inquilino no endereço do imóvel locado.
Dentro do direito brasileiro 10 a 20% (por cento) do tempo do judiciário é gasto com citações. Infelizmente, as pessoas que se beneficiam desse atraso da citação são sempre os maus pagadores e os desonestos. As pessoas honestas, provavelmente, tentarão algum tipo de acordo antes de chegarem à ação de rescisão. Os que dão problema e que enrolam 8 (oito) a 9 (nove) anos são exatamente aqueles que sabem da norma e que jamais vão atualizar os endereços, tendo como intuito não serem localizados. Existem casos em que, apesar do oficial de justiça encontrar a pessoa procurada, a mesma nega ser o citado, fazendo com que o oficial tenha que voltar várias vezes no mesmo local. Há casos absurdos em que o oficial retorna 11 (onze) vezes na casa do citado, em horários diferentes, e não consegue encontrar a pessoa.
Se realizarmos um levantamento nos fóruns de São Paulo na parte cível, com certeza encontraremos uma grande demanda de processos em que o tempo de citação é maior do que o tempo de instrução propriamente dita. E, infelizmente, nada é feito para mudar este cenário.
Existem várias formas de citação como, por exemplo, edital ou hora certa. Na maioria dos casos, quando o adquirente é citado por edital ele se apresenta, ou seja, aquela mesma pessoa que não estava em casa as 11 (onze) vezes em que o oficial foi procurá-lo, leu o diário oficial da Justiça e se apresentou. Situação curiosa essa para nós, que estamos na prática do Direito, que somos obrigados a aceitar.
Então, ao invés de perder tempo criando mecanismos e coisas que geram pouco auxílio ao judiciário, seria mais interessante que fosse sugerida uma alteração para que, em todos os contratos, houvesse a obrigação das partes manterem seus dados atualizados.
O ônus de fornecer o endereço e mantê-lo atualizado é de quem contrata, e arrisco dizer que essa alteração economizaria, em média, 20% (por cento) do tempo e da mão-de-obra do judiciário.
Diante disso, talvez esteja na hora de começar a abrir espaço para quem está na prática do judiciário opinar e sugerir novas ideias, visando melhorar o funcionamento por parte de quem cria as leis.