Corpo estranho presente nos alimentos: Segundo o STJ, não há necessidade de ingestão para a configuração de dano moral

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Segundo o STJ, a simples presença de corpo estranho em produto de gênero alimentício é motivo suficiente para o reconhecimento do dano moral, não sendo necessária sua ingestão total ou parcial pelo consumidor.

1. Introdução

O CDC é considerado um microssistema normativo que busca garantir e preservar os direitos dos consumidores, e suas disposições sempre desencadeiam grandes debates na doutrina e na jurisprudência.

Além disso, é importante ressaltar que nas relações de consumo, muitas vezes, ocorrem situações que podem causar tanto prejuízos materiais quanto morais aos consumidores, estes últimos também podendo ser definidos como danos extrapatrimoniais.

É que, muitas vezes, o consumidor é vítima de abusos por parte de fornecedores de produtos ou serviços, que, de maneira recorrente, violam as disposições contidas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei. 8.078/90).

Tais situações, não podem ser desconsideradas pelo Poder Judiciário, principalmente pelo fato de que, nos termos do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal de 1988, o Estado promoverá a defesa do consumidor nos termos da lei.

O presente trabalho busca analisar única e exclusivamente o recente julgado proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que se refere à indenização por dano moral em decorrência da presença de corpo estranho em produtos alimentícios industrializados.

Há relatos quase inacreditáveis da presença de objetos estranhos em diversos produtos que podem colocar em risco a saúde e a segurança dos consumidores, tais como insetos, partes de roedores, parafusos, pregos, anéis, moedas, grampos etc.

 Deste modo, o objetivo da presente análise é entender em quais circunstâncias o fornecedor pode ser responsabilizado caso o produto colocado no mercado contenha algum corpo estranho, partículas ou objetos indesejáveis que coloquem em risco a saúde ou até mesmo a vida dos consumidores, bem como o entendimento do STJ no caso concreto.

Tal análise se mostra de suma importância, principalmente pelo fato do entendimento da matéria não ser pacífico no STJ e pelo fato de sobre ela ainda existirem grandes divergências nos tribunais espalhados pelo país.


2. Desnecessidade de ingestão do corpo estranho nos alimentos para a configuração de dano moral

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça até então oscilava em relação ao tema, ora reconhecendo que a simples aquisição de produto de gênero alimentício que contenha corpo estranho em seu interior é motivo suficiente para o reconhecimento do dano moral, ora reconhecendo que, para que seja configurado o dever de indenizar, é necessária a ingestão total ou parcial do objeto encontrado no produto.

Ocorre que, recentemente, em 09 de novembro de 2017, a Terceira Turma do STJ proferiu importante julgado no sentido de que não é necessária a ingestão total ou parcial do corpo estranho encontrado no produto pelo consumidor, entendendo os Ministros que o simples fato de levar à boca alimento industrializado nestas condições, é suficiente para configurar dano moral indenizável, pois a mera presença de objetos indesejáveis e impróprios no produto coloca em risco a saúde e a integridade física do consumidor, violando, ainda, o direito à alimentação adequada, que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana.

O caso concreto em questão que foi julgado pelo STJ é originário do Rio Grande do Sul (REsp. nº 1.644.405 -RS (2016/0327418-5), e envolvia uma criança de apenas oito anos de idade, que, ao morder um biscoito recheado, encontrou uma aliança junto com o recheio, tendo cuspido o objeto antes de engolir.

Na primeira instância, o fornecedor do produto foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), mas o Tribunal de Justiça daquele Estado reformou a sentença entendendo que o objeto não foi engolido e, portanto, não houve risco potencial à saúde da criança e nenhum dano foi demonstrado nos autos.

Todavia, para a Ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, não há necessidade de ingestão do corpo estranho para que seja reconhecido o direito à indenização por dano moral, tendo em vista que, ao levar à boca produto impróprio ao consumo, contendo objetos estranhos, o consumidor teve sua integridade física e psíquica ameaçada, e sofreu grande risco de contaminação:

“[...] É indubitável que o corpo estranho contido no recheio de um biscoito expôs o consumidor a risco, na medida em que, levando-o à boca por estar encoberto pelo produto adquirido, sujeitou-se à ocorrência de diversos tipos de dano, seja à sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. O consumidor foi, portanto, exposto a grave risco, o que torna ipso facto defeituoso o produto [...]”

A Relatora ainda reconheceu em seu voto, que, embora a jurisprudência do STJ admita a indenização somente nos casos em que o corpo estranho é ingerido total ou parcialmente pelo consumidor, entende que esse posicionamento não é o mais adequado diante das normas constantes no CDC.

A Ministra afirma que segundo as regras contidas no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o entendimento mais justo, e que deve prevalecer, é aquele que dispensa a ingestão do corpo estranho indevidamente presente no alimento, pois existem diversos dispositivos no CDC que protegem o consumidor de produtos que colocam em risco a sua segurança.

“[...] É evidente a exposição a risco nessas circunstâncias, o que deve afastar a necessidade de ingestão para o reconhecimento da responsabilidade do fornecedor. Exigir que, para haver reparação, houvesse a necessidade de que a criança deglutisse a aliança escondida no biscoito recheado parece não ter respaldo na legislação consumerista [...]”.
“[...] Na hipótese dos autos, portanto, o risco ao consumidor manifestou-se de forma concreta e patente, sendo o consumidor merecedor de toda a proteção oferecida pelo CDC [...]”.
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Ao final de seu voto, a Ministra Nancy Andrighi, afirmou que o dano moral presente no caso concreto decorre da exposição da saúde e da integridade física do consumidor a um risco concreto, vez que, mesmo não tendo ingerido o corpo estranho presente no alimento, a criança correu riscos graves, fatos que, no seu entendimento, devem ser considerados no caso concreto para o reconhecimento do dever de indenizar do fornecedor.

Por fim, a Terceira Turma do STJ reestabeleceu a sentença de primeira instância para manter a condenação do fornecedor do produto ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com correção monetária e juros de mora.


3. Conclusão

Como se nota, o julgado ora analisado demonstra que a jurisprudência do STJ parece caminhar no sentido de que não há necessidade da ingestão total ou parcial do corpo estranho para que o consumidor seja indenizado, vez que o Tribunal tem feito uma análise dos casos com observância estrita das normas e princípios que regem as relações de consumo.

No entanto, ainda é cedo para afirmar que a jurisprudência do STJ se consolidará neste sentido, mas, fato é que o Tribunal, ao se posicionar desta forma, demonstra que não está mais disposto a isentar o fornecedor do dever de indenizar o consumidor em casos semelhantes, e que a mera presença de corpo estranho em produtos alimentícios é capaz de expor, por si só, a saúde e a integridade física do consumidor à grave risco, fato que pode justificar a responsabilização do fornecedor do produto impróprio para o consumo.

Enfim, só nos resta continuar acompanhando a jurisprudência do STJ, vez que, em se tratando de responsabilidade civil, todos os fatos e circunstâncias presentes no caso devem ser levados em consideração na apreciação da lide pelo juiz, enfim, somente o caso concreto nos trará a resposta.


Referências:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp Nº 1.644.405 – RS (2016/0327418-5), Rel. MINISTRA NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/11/2017. Disponível em:< https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1654368&num_registro=201603274185&data=20171117&formato=PDF> Acesso em: 29 de nov. 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 29 nov. 2017.

BRASIL. Lei 8.078/90 Institui o Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em 29 nov. 2017.

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Sobre o autor
Gillielson Maurício Kennedy de Sá

Advogado, egresso do Centro Universitário Estácio de Sá Campus Juiz de Fora, com experiência no Direito de Família, Direito do Consumidor, Direito Imobiliário e atualmente membro efetivo da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB Subseção Juiz de Fora - MG. O perfil é utilizado para a publicação de artigos referentes ao Direito de Família e ao Direito Civil de um modo geral, pois acredito que a pesquisa e estudos fundados em casos concretos contribuem de forma importante para o desenvolvimento do Direito. No entanto, sempre é importante destacar, que a pesquisa só se torna possível com pensamento crítico e reflexivo sofre questões cotidianas em qualquer área de conhecimento, pesquisar é questionar as regras ou, no mínimo, presumir que todas essas regras são provisórias e que podem ser vistas de um outro ponto de vista. As publicações são de caráter meramente informativo e, em regra, possuem linguagem acessível para facilitar a compreensão dos textos pelos leitores que não são do meio jurídico. ATENÇÃO: A cópia completa ou parcial de algum texto sem dar os devidos créditos ou sem a autorização do autor É CRIME, com pena prevista no artigo 184 do Decreto-Lei 2.048, de 07 de Dezembro de 1940 (Código Penal Brasileiro). Com isso, para fins de uso, publicação e/ou reprodução de qualquer artigo aqui publicado, deverá sempre ser informada esta página como a fonte consultada, conforme a Lei de Direitos Autorais (Lei n.9.610/98). Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil ACESSE NOSSO SITE: https://gillielson.wixsite.com/meusite

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