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A sociedade, a polícia e o Estado democrático de direito

21/06/2018 às 11:10
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Em tempos de alardeamentos sobre endurecimento da lei penal e surgimento de defensores de um Estado policialesco, este artigo visa a reflexão de todos quanto ao esperado papel da polícia frente à sociedade e de acordo com o Estado democrático de direito.

O ser humano é essencialmente social, não surgiu para ser ermitão e desde os primórdios da humanidade, já se agrupava em tribos para melhor sobrevivência e procriação. Com o passar dos tempos e com o aumento de seres habitando o mesmo espaço geográfico, surgiram os primeiros conflitos sociais, cuja resolução se apresentava, invariavelmente, pela supremacia da força física e brutalidade, onde o mais forte impunha sua vontade aos demais membros do grupo. Vejo neste fato o nascimento do absolutismo e autoritarismo e quiçá dos primeiros alinhavados reveladores da hierarquia verticalizada.          

Ao longo dos séculos, desde a idade medieval, houve constante evolução na forma com que as sociedades se organizam. Mesmo em idos a.C. , pensadores como Platão, Sócrates e Aristóteles refletiam sobre a melhor forma de organização social para atendimento do interesse comum.        

  Transigindo do medieval para o mundo moderno, nos séculos XVI a XVIII, ideias trazidas, dentre outros, por Charles de Montesquieu, John Locke, Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau, assim como acontecimentos históricos consubstanciados na Revolução Puritana, Habeas Corpus Act, Independência Norte Americana e a Revolução Francesa, contribuíram para a edificação do Estado Democrático de Direito.       

   Para Hans Kelsen, o Estado é um sujeito artificial, onde a Lei tem papel essencial na organização das sociedades, sendo instrumento por meio do qual o poder do povo se manifesta, e que vincula a todos de forma igualitária, ou seja, governantes e governados são igualmente sujeitos às determinações legais, respeitando as liberdades civis através dos direitos humanos e pelas garantias fundamentais.         

O Estado, entendido, conforme Maquiavel, como a situação em que as coisas estão, Democrático, refletindo emanação da vontade do povo em função do interesse comum, de Direito, baseado na divisão de poderes defendida por Montesquieu e materializado na Lei em um “código superior” escrito, tem como valor fundante a liberdade individual, e sua plenitude com os direitos de solidariedade, onde os direitos humanos sejam direitos de todos e baseados em deveres de todos.           

José Afonso da Silva, preconiza, que a tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e regionais, instalando um regime que realize a justiça social.         

Grosso modo, o Estado Democrático de Direito deve proporcionar a convivência humana em uma sociedade livre e solidária, regida por justas leis, onde o poder popular é adequadamente representado, podendo o povo, participar ativamente, da organização social e política, respeitando-se ideias opostas.         

Enquanto no velho mundo, berço da civilização, pensadores expunham formas de se organizar, social e politicamente, descortinava-se no século XV, a Terra Tupiniquim, hoje, a nossa República Federativa do Brasil, vigorando, nos dias atuais, a Magna Carta de 1988, que traz em seu preâmbulo e artigo primeiro, determinação de constituir-se num Estado Democrático de Direito.        

Democracia no Brasil nunca foi matéria pacífica, embora o grande anseio social, sua história é conturbada, e em apertada síntese, passamos pela Monarquia semi-autocrática e escravista, advindo uma fase democratizante, mas alvorotada, durante a República da Espada, caracterizado por movimentos armados contestatórios, estado de sítio, repressão a movimentos populares, seguindo-se um retrocesso democrático quando, instalada a ditadura do Estado Novo sob a égide de Vargas, apresentando uma constituição outorgada e desobedecida, censura, cárceres e tortura, sem contar com o parlamento fechado e partidos banidos, até ser deposto por golpe militar, ressurgindo um lampejo de democracia, meramente formal, pois ainda com governantes autoritários que “atiravam” a polícia contra manifestações, culminando com o fatídico golpe de 64, em que as Forças Armadas assumem o poder político, protagonizando mais de duas décadas de ditadura e repressão militar-policial, tendo seu fim existencial com a ebulição político-social de massas, que conduziu a um processo de abertura política, cujo resultado foi expresso na Consitituição de 88, apregoando-se uma democracia mais próxima da real e socialmente incisiva.         

É no vintênio da ditadura militar que se apresentou a fase mais tenebrosa da privação das liberdades, desrespeito aos direitos dos cidadãos, com repressão baseada na tortura, assassinato e desaparecimento de pessoas, onde a polícia era usada pelo Estado como seu instrumento de defesa e braço armado, enxergando o cidadão como inimigo e não objeto de proteção.         

Por conta da sistemática Estatal daquela época, fazendo uso da polícia e deturpando a sua verdadeira função de prestação de serviços, que é o bem comum no desenvolvimento da segurança pública, as forças policiais ainda pagam alto preço perante a sociedade.         

Há quem diga, que a violação das liberdades, torturas, mortes e outras atrocidades, ainda se fazem presentes no atual modelo, mas encobertas por um sistema jurídico revestido de aparente legalidade democrática, alardeando que esses métodos não se modificaram com a transição de regimes.         

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Por outro lado, com a essencial e justa liberdade de imprensa e direito à informação que tem o cidadão, vemos, diariamente, estampados nos meios de comunicação, os índices criminais e o sensacionalismo em torno de cada infração cometida e transmitida com comentários desprovidos de conhecimento técnico, superdramatizando a violência e sustentando uma rede de programas, mais preocupadas em cifras de audiência. Talvez, influenciados por essa parcela da mídia e outros acontecimentos políticos-sociais, é que vemos levantar no meio social, algumas bandeiras enaltecedoras do regime militar ditatorial, clamando por sua volta.         

Este singelo alinhavado tem apenas o condão de nos fazer refletir sobre a atuação policial em interação com a sociedade, prestando serviços para ela e alinhada aos ditames do verdadeiro sentido do Estado Democrático de Direito.         

A divergência de ideias e a garantia de suas manifestações, discutindo-as e respeitando-as, são inerentes a uma sociedade democrática, mas quer-me parecer, até mesmo pela juventude da democracia Brasileira, que a própria sociedade ainda não encontrou um ponto de equilíbrio entre os rigores da ditadura e as liberdades da democracia.        

É preciso estudo, conhecimento e educação sobre o ideal democrático, para que se possa materializar a ideologia, já existente formalmente, “de que o governo é do povo, pelo povo e para o povo”, a fim de que este, o povo, decida lucidamente se quer uma polícia com atuação vigorosa, na acepção popular do termo, mas agindo extra legem com o uso desmedido da força ou uma polícia cidadã, respeitosa e eficiente com uso de ferramentas e tecnologias modernas, criando e aplicando mecanismos eficazes de contenção da criminalidade, sem se olvidar do supremo respeito a lei e ao Estado Democrático de Direito. A mudança social deve começar por cada um de nós.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Ricardo Dourado. A sociedade, a polícia e o Estado democrático de direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5468, 21 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63079. Acesso em: 2 nov. 2024.

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