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Responsabilidade do Flamengo diante dos atos de violência protagonizados no Maracanã

11/02/2018 às 14:00
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O Estatuto do Torcedor procura enfrentar o crime organizado que participa dos eventos por meio das torcidas organizadas, responsabilizando essas pelos excessos e desordens.

A violência que pôde ser vista no 2º jogo da Copa Sul-Americana, no Maracanã, entre Flamengo e Independiente da Argentina foi uma tragédia anunciada, e diga-se a verdade, por um dos protagonistas do espetáculo, o Clube de Regatas do Flamengo.

Após ter sua torcida hostilizada na Argentina, ocasião em que foram chamados de macacos e tratados sem qualquer cordialidade, a partida de volta reservaria momentos de tensão que seriam exaustivamente anunciados via rede social de computadores. O CRF, não se eximindo de seus deveres para com o espetáculo, cumpriu o papel que lhe cabia. Ao ter notícia de que haveria invasões de “torcedores” sem ingresso imediatamente comunicou as instâncias policiais competentes, a Polícia Militar e a Guarda Municipal com expresso pedido de reforço nos seus efetivos com o fito de se garantir a realização do espetáculo.

Polícia Militar e Guarda Municipal responderam a notificação com um efetivo claramente insuficiente, vide imagens de invasões no circuito interno de câmeras do Maracanã, que se somou a um efetivo de seguranças particulares contratados pelo Flamengo no objetivo de tentar manter a ordem.

Indelével que o Flamengo não pode concorrer com culpa, ser corresponsabilizado por atos perpetrados por pessoas que pura e simplesmente vestem a camisa do clube, caso contrário o ladrão de banco vestido com a camisa do Vasco faria o Vasco corresponsável pelo roubo.

Assim, o Clube que chamou para si a responsabilidade para com o evento não possui poder de polícia para evitar a violência de marginais que se travestem por detrás do Manto Rubro-Negro. Para os que possuem ingresso, o acesso deve ser livre, aos que não possuem devem ser impedidos, e para isso o Flamengo contratou seguranças privados e chamou à responsabilidade as forças policiais que ostentam poder de polícia para impedir a desordem, como as invasões com rompimento de obstáculos que se sucederam.

Em verdade o CRF não está responsável por impedir a ação de bandidos, esta responsabilidade é do Estado, da segurança pública. O CRF não está autorizado a responder à violência com mais violência, exatamente por não possuir poder de polícia. Para isso pediu expresso apoio das forças policiais para referido desiderato, sendo atendido sem a eficiência que se esperava pelo número insuficiente de policiais disponibilizados.

O CRF não pode responder pelos acessos ao Maracanã, deve sim respeitar a liberdade e ir e vir sem discriminação. Esse papel de restringir o acesso cabe a polícia com o fim de colocar ordem e impedir que os desordeiros se estabeleçam em um espaço que não está direcionado à balburdia, a barbárie. Quem tem poder para impedir o acesos de “suspeitos” às imediações do local do evento é quem possui poder de polícia.

De acordo com o novo artigo 41, alínea b, do Estatuto do Torcedor, quem promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos será punido com pena de reclusão de um a dois anos. Na mesma pena incorrerá o torcedor que cometer estes crimes em um raio de 5 km ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do evento esportivo, assim como quem portar, deter ou transportar no interior do estádio, e suas imediações ou no seu trajeto, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.

Neste sentido, ainda que a intenção de aumentar a segurança nos estádios seja apreciável, o jurista não pode deixar de notar a extrema amplitude e quase falta de tipificação dos crimes introduzidos, que configuram em síntese crimes de perigo abstrato. Pense em condutas como “incitar a violência num raio de 5 mil metros ao redor do estádio” ou “deter nas imediações do estádio quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência”, cuja ampla interpretação poderia levar a condenação criminal de milhares de pessoas a cada domingo.

Surgimento de uma definição legal do termo “torcida organizada”, que se adiciona àquela de “torcedor” já contida na versão original do Estatuto do Torcedor. Assim, a torcida organizada vem a ser definida pelo novo artigo 2 , alínea a, da Lei como “a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade”.Todavia o aspecto mais interessante e inovador da reforma é que a Lei não se limita a criar uma definição de torcida, mas chega a prever verdadeiras obrigações, sendo que em alguns casos até devendo responder por responsabilidade civil objetiva. Assim as torcidas organizadas deverão, em primeiro lugar, manter cadastro atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter, pelo menos, as seguintes informações: nome completo, fotografia, filiação, número do registro civil, número do CPF, data de nascimento, estado civil, profissão, endereço completo e escolaridade. Interessante será ver as reações das torcidas a essa novidade e até que ponto esta obrigação será respeitada, não sendo clara a sanção em caso de não respeito da disposição.

Alguns artigos do Estatuto do Torcedor trazemos à colação:

Art. 13. O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas. (Vigência)

Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:

I – solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos;

Art. 17. É direito do torcedor a implementação de planos de ação referentes a segurança, transporte e contingências que possam ocorrer durante a realização de eventos esportivos.

§ 1o Os planos de ação de que trata o caput serão elaborados pela entidade responsável pela organização da competição, com a participação das entidades de prática desportiva que a disputarão e dos órgãos responsáveis pela segurança pública, transporte e demais contingências que possam ocorrer, das localidades em que se realizarão as partidas da competição. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010).

§ 2o Planos de ação especiais poderão ser apresentados em relação a eventos esportivos com excepcional expectativa de público.

Art. 18. Os estádios com capacidade superior a 10.000 (dez mil) pessoas deverão manter central técnica de informações, com infraestrutura suficiente para viabilizar o monitoramento por imagem do público presente. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010).

Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo.

Art. 23. A entidade responsável pela organização da competição apresentará ao Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal, previamente à sua realização, os laudos técnicos expedidos pelos órgãos e autoridades competentes pela vistoria das condições de segurança dos estádios a serem utilizados na competição. (Regulamento)

§ 1o Os laudos atestarão a real capacidade de público dos estádios, bem como suas condições de segurança.

Art. 25. O controle e a fiscalização do acesso do público ao estádio com capacidade para mais de 10.000 (dez mil) pessoas deverão contar com meio de monitoramento por imagem das catracas, sem prejuízo do disposto no art. 18 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010).

Art. 39-A. A torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

Art. 39-B. A torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento

Art. 41-B. Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

§ 1o Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

I - promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

II - portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

§ 2o Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

§ 3o A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).§ 4o Na conversão de pena prevista no § 2o, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada.(Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).§ 5o Na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2o. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

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Fica claro que o Estatuto do Torcedor procura enfrentar o crime organizado que participa dos eventos por meio das ditas “torcidas organizadas” responsabilizando essas pelos excessos e desordens. Para isso trabalha com monitoramento de câmeras, cadastramento, exatamente para detectar os criminosos. Cumpridas todas as exigências da legislação, o clube mandante da partida não pode se corresponsável pelos atos de uma torcida tratada como pessoa jurídica de direito privado. Imperioso a identificação dos transgressores para que os desordeiros restem punidos individualmente inseridos que estão na organização que fazem parte. O Clube na figura de seus dirigentes só responde em se demonstrando negligência na segurança da condução do evento. A partir do momento que o Clube demonstra que o evento é perigoso, e a partir de dados concretos comunica às autoridades sua incapacidade de conduzi-lo sem o respaldo do poder público para lhe conferir a necessária segurança como fez o Flamengo, se exime de responsabilidade desde que cumpridas as suas obrigações e deveres, como nos parece ter acontecido com o Clube de Regatas do Flamengo em quase sua totalidade.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARMENTO, Leonardo. Responsabilidade do Flamengo diante dos atos de violência protagonizados no Maracanã. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5338, 11 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63087. Acesso em: 5 nov. 2024.

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