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A aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo do trabalho

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08/01/2018 às 08:10
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo do trabalho tem como objetivo a proteção do trabalhador, buscando, nesse sentido, equilibrar a relação entre empregado e empregador. Desta forma, pautado nos princípio da Proteção e do Impulso Oficial, é que surge a divergência em torno da aplicabilidade ou não da prescrição intercorrente no processo do trabalho, que enfatiza o princípio da Celeridade Processual e a Segurança Jurídica. O reconhecimento do instituto em exame, contudo, de forma alguma atenta contra os demais princípios que informam o Direito Processual, especialmente o trabalhista, pois a doutrina sempre agasalhou o fenômeno do decorrer do tempo e seus efeitos sobre o processo.

A existência da prescrição representa a percepção da influência do tempo sobre todas as coisas, inclusive sobre direitos, ora criando-os, ora extinguindo-os. De toda sorte, em cumprimento à segurança jurídica, não se pode aceitar que as relações interpessoais perpetuem-se indefinidamente no tempo, gerando a incerteza humana de ter direitos ameaçados por situações pretéritas, impossibilitando assim, qualquer existência de uma sociedade organizada.

Nesse sentido, a prescrição intercorrente surge no direito como uma forma de regularizar as relações jurídicas processuais no tempo, operando-se no curso da ação em razão da inatividade do próprio demandante em impulsionar o processo, inviabilizando a celeridade e efetividade processual. Consequentemente, isso acarreta uma sobrecarga no judiciário, de forma que permite uma acumulação de processos pendentes na máquina estatal. Em tais casos, independente da natureza do direito perseguido, a aplicação da prescrição intercorrente com a extinção do processo com resolução de mérito é matéria que transcende o interesse individual das partes e funciona como verdadeira garantia de direito fundamental, o que permite sua decretação de ofício pelo juiz.

O Tribunal Superior do Trabalho, instado a esclarecer a matéria, edificou o entendimento no sentido de negar a aplicação da prescrição intercorrente na esfera laboral, conforme se depreende da Súmula de nº 114. O TST fundamenta-se no princípio protetivo do Direito do Trabalho, em que proteção ao hipossuficiente restará limitada diante da lesão aos créditos decorrentes da relação trabalhista, os quais possuem caráter alimentar.

Godinho explica que a noção de natureza alimentar é simbólica. Ela parte do suposto de que a pessoa física que vive fundamentalmente do seu trabalho empregatício proverá suas necessidades básicas de indivíduo e de membro de uma comunidade familiar (alimentação, moradia, educação, saúde, etc.) com o ganho advindo desse trabalho (DELGADO,2017).

Todavia, as diversas garantias fixadas pela ordem jurídica não têm caráter absoluto, usualmente acolhendo restrições. Ilustrativamente, a proteção relativa ao valor do salário ainda não o preserva de perdas decorrentes da corrosão monetária e principalmente contra constrições externas, como a penhora, na prestação alimentícia.

Não obstante, a Súmula nº 327 do Supremo Tribunal Federal admite a aplicação do instituo estudado. Muito embora não seja capaz de anular o posicionamento do TST, ante a atual incompetência daquela Corte Maior sobre a matéria, fortifica a defesa da aplicação da prescrição intercorrente na seara laboral. O limite temporal como marco imposto às partes numa relação jurídica eivada pela inadimplência, afasta, portanto, a insegurança surgida pela sensação de atrelamento perene a uma obrigação inadimplida ou mesmo a um direito lesado. Destarte, se até mesmo a vida está fadada às vicissitudes do tempo, não seria crível admitir a atemporalidade de determinadas obrigações.

Diante desse conflito de entendimentos, a jurisprudência tem relevante papel. Embora resistente, passa a aceitar que ao lado do impulso oficial, fatos alheios à vontade dos julgadores, por vezes, ensejam na paralisação do processo e devem ensejar sua extinção, como garantia pessoal do demandado e maneira de não desprestigiar a própria justiça.

A aplicação da prescrição intercorrente ganhou extraordinário tônus com a Reforma do Judiciário, porquanto a Emenda Constitucional que a chancelou veio a incorporar o inciso LXXVIII ao artigo 5º da CF, dizendo que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, corroborando com o entendimento jurisprudencial.

Soma-se a isso, a ampliação das demandas da justiça laboral, competência essa elencada no artigo 114 da CF. O Judiciário Trabalhista que anteriormente apreciava apenas as relações de emprego vinculadas a CLT, o chamado emprego formal, passa a julgar com o advento da referida emenda, toda e qualquer ação que tenha origem nas relações de trabalho em geral, ou seja, passa a ser competente para julgar todas as causas envolvendo trabalhadores sem vínculo de emprego e os tomadores dos respectivos serviços. E mais, pela reforma introduzida, a Justiça Laboral Brasileira será competente para apreciar os litígios sindicais, os atos decorrentes de greve, o habeas data, o habeas corpus, as multas administrativas aplicadas pelos órgãos da administração, as indenizações materiais e patrimoniais decorrentes das relações de trabalho e os litígios que tenham origem nos seus próprios atos ou sentenças.

Assim, com a ampliação das demandas pela Justiça do Trabalho, o entendimento do TST quanto a aplicação da prescrição pelo fato de prejudicar o hipossuficiente merece ser revisto, pelo fato de que a justiça laboral atende outras demandas que não os abarca, como por exemplo, as multas administrativas, em que é plenamente possível a aplicação do instituto.

Além da reforma, o advento do §4º ao art. 40 da Lei 6.830/80 consagra a aplicação da prescrição intercorrente, com base no art. 889 da CLT em que define ser aplicáveis os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal, entendimento este mencionado pela Súmula nº 314 do Superior Tribunal de Justiça e doutrinariamente, quando a iniciativa da execução tenha que se dar por atuação exclusiva do credor.Com base na referida lei, após o prazo prévio de 1 (um) ano, é iniciada a contagem do período prescricional.

A Reforma Trabalhista, ao introduzir a prescrição intercorrente na execução de forma expressa, adotou o modelo de prescrição intercorrente no qual se toma em consideração a conduta subjetiva do exequente que permanece inerte mesmo após instado pelo juízo a promover a execução, conforme indica o § 1º do art. 11-A da CLT, ao estabelecer que a fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução, que não pode ser anterior ao arquivamento provisório dos autos, e só a partir daí se tenha por iniciada a fluência do prazo prescricional intercorrente de dois anos. Além disso, tal prazo só pode ter início a partir da vigência da Reforma Trabalhista.  Portanto, não poderá o magistrado, a pretexto de aplicar a nova lei, procurar processos parados há dois anos e declarar a prescrição intercorrente de forma retroativa. Isso porque se trata de nova hipótese de prescrição, situação em que os respectivos efeitos projetam-se – necessária e exclusivamente – para o futuro; nessa hipótese não se pode atribuir efeito retroativo à lei, sob pena de maltrato ao postulado da segurança jurídica (CLAUS,2017).

A declaração da prescrição intercorrente na execução trabalhista deve obedecer – combinadamente – tanto à previsão do art. 11-A, § 1º, da CLT quanto ao itinerário procedimental previsto no art. 40 da LEF, por força da previsão do art. 889 da CLT, dispositivo que manda aplicar na execução trabalhista os preceitos que regem os executivos fiscais naquilo que não contravierem ao Título do Processo Judiciário do Trabalho (arts. 763 a 910 da CLT).

Se o prazo prescricional intercorrente consumar-se, o juiz poderá então decretar a prescrição e extinguir o processo com julgamento do mérito. Entretanto, o exequente poderá impedir a consumação desse prazo prescricional, indicando bens à penhora que levem à efetiva constrição do patrimônio de executado enquanto não consumado o prazo prescricional previsto no art. 11-A da CLT.

Conclui-se, portanto, que embora seja praxe na jurisdição brasileira, não é razoável existirem processos que se prolonguem por décadas, eis que nesses casos, certamente, o objeto da demanda se perderá no tempo, não possuindo a tutela jurisdicional serventia alguma, o que acaba denegrindo a imagem da Justiça Brasileira. Logo, não se pode negar a prescrição intercorrente até chegar ao ponto de se estabelecer um desequilíbrio capaz de macular outros princípios e garantias fundamentais, como o devido processo legal e a razoável duração do processo.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Sidnei Ribeiro Santos

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Sidnei Ribeiro. A aplicabilidade da prescrição intercorrente no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5304, 8 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63210. Acesso em: 20 abr. 2024.

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