A violência por detrás dos muros universitários:

uma análise do assédio moral no ensino superior brasileiro

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29/01/2018 às 17:04
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3  PROCEDIMENTOS CONTRA O ASSÉDIO MORAL

3.1.Identificação

Uma das etapas primordiais no combate ao assédio moral é a sua correta identificação, calcada na percepção de comportamentos repetitivos, direcionados e de caráter degradante. O psicólogo sueco Heinz Leymann (1984) sintetiza essa linha de pensamento:

 A deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não-éticas(abusivas) que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou colega(s) desenvolvem contra um individuo que apresenta como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura. 

Hirigoyen (2002) subdivide as atitudes dos assediadores em 4 categorias: deterioração proposital das condições de trabalho; isolamento e recusa de comunicação; atentado contra a dignidade e violência verbal, física, como já mencionado anteriormente. Destarte, no primeiro grupo, há comportamentos, tais como: retirar da vítima autonomia; criticar seu trabalho de forma injusta ou exagerada; privá-la do acesso aos instrumentos de trabalho; dar-lhe permanentemente novas tarefas; atribuir à vítima tarefas incompatíveis com sua saúde e induzir a vítima ao erro. Dentre as ações da segunda categoria, há a interrupção constante da vítima; recusa de contato com ela; desconsideração da presença; proibição dos colegas dirigirem lhe à palavra. O atentado à dignidade figura-se na utilização de insinuações desdenhosas para qualifica-la; chacotas das suas origens ou nacionalidade, aspecto físico ou deficiência física; críticas à sua vida privada; atribuições de tarefas degradantes e invenções de rumores. No último grupo, localizam-se as ameaças físicas; os empurrões e portas fechadas na cara; comunicação por gritos; invasão da vida privada desprezo pelos problemas de saúde da vítima. 

O estudo exploratório acerca da identificação do assédio moral, de Cindy Margarita Oliveira Tomé (2015) para Instituto Superior de Línguas e Administração, complementa a análise de Hirigoyen, ao passo que demonstra, através de dados coletados, a ocorrência de comportamentos universais no assédio moral.O primeiro gráfico da pesquisa aponta que 33,8% dos entrevistados alegam que alguém já escondeu informações a fim de prejudicar o seu desempenho no ambiente laboral e 26,1% foram humilhados ou ridicularizados em relação ao seu trabalho. Já o terceiro gráfico mostra que 28,4% foram obrigados a desempenhar funções abaixo do nível de suas competências. Quase metade do grupo teve rumores maliciosamente espalhados ao seu respeito e pontos de vista/opiniões ignorados.

Nas instituições de ensino superior, além das atitudes genéricas explicitadas, há comportamentos particulares nessa esfera profissional, como o fingimento dominante no perfil do agressor em relação ao agredido; imposição de disciplinas que o professor não domina, mas que é obrigado a lecionar sob pena de demissão; pressão para aprovação de alunos; impor lhe aulas em horários injustificados e completamente diferentes dos outros períodos letivos anteriores, entre outros comportamentos despóticos.

   Além da percepção dos comportamentos assediadores a fim da qualificação e adequada identificação, o perfil do agressor também oferece subsídio para o diagnóstico. Consoante Schmidt (2013) há 11 tipos principais de agressores: “o profeta”, aquele que gosta de humilhar com cautela; “pitbull”, agressivo e perverso; “troglodita”, pensa sempre ter razão; “tigrão-tigresa”, deseja ser temido para esconder sua incompetência; “grande-irmão”, finge ser amigo do trabalhador e depois o manipula; “mala-babão”, é um empregado promovido a perseguidor;  “garganta”, vive contando vantagem e não admite que seus subordinados saibam mais que ele; “tassea”, é confuso e inseguro, dá ordens contraditórias; “ carola”, é bajulador e não tem escrúpulos; “marqueteiro”, gosta de se passar por magnânimo, de estar sempre em evidência; “piranha”, é um profissional frustrado, capaz de transigir a sua própria honra em prol dos caprichos do chefe, obriga, ameaça e constrange seus colegas de trabalhando, encaixando-se na categoria de assédio moral horizontal. 

Com intuito de auxiliar o servidor na identificação do assédio, seja ele de qualquer área trabalhista, o site http://www.assediomoral.org disponibiliza um questionário composto por perguntas como frequência do assédio, número de agressores, posto de trabalho, organização laboral, atitude dos colegas, estilo do agressor, categoria (ascendente, descendente, horizontal) , comunicação e restruturação da empresa.

3.2 Perfil da Vítima

A delineação do tipo alvo pelo assédio moral é um importante dispositivo na prevenção e combate desse problema. Ao contrário da crença comum, os mais afetados pelo assédio não são indivíduos negligentes e despreparados, mas sim, empregados de personalidade criativa e eficiente.

        As pessoas transparentes e escrupulosas são mais sujeitas à coação moral: as vítimas parecem ingênuas, crédulas. Para essas vítimas é difícil imaginar que o outro seja destruidor, assim elas procuram encontrar explicações lógicas . Para as pessoas que não são perversas é difícil entender que tanta manipulação seja feita por maldade. Os assediados, são pessoas apegadas à ordem e com apurado senso de justiça, que julgam o próximo por seu próprio comportamento. A vítima se dispõe a entender e aceitar as atitudes do assediador, procurando fazer autocrítica, questionando-se se poderia ter causado o comportamento do outro. (BAIERLE, 2005)

Na mesma linha de raciocínio, a obra Ética, Negócios & Pessoas enumera as principais características dos atingidos pelo assédio moral no ambiente laboral: trabalhadores com mais de 35 anos, principalmente mulheres; os que atingem salários muito altos, não se curvam ao autoritarismo nem se deixam subjugar e são mais competentes que o agressor; saudáveis, escrupulosos e honestos, perfeccionistas, não hesitam em trabalhar nos finais de semana, ficam até mais tarde e não faltam ao trabalho mesmo doentes; pessoas que têm senso de culpa muito desenvolvido e aqueles que vivem sós; pessoas que estão perdendo a cada dia a resistência física e psicológica para suportar humilhações; portadores de deficiência ou problemas de saúde; os que têm crença religiosa ou orientação sexual diferente daquele que assedia; os que têm limitação de oportunidades por serem especialistas; homens em um grupo de mulheres e mulheres em um grupo de homens; mulheres grávidas, casadas e que têm filhos.(PICHLER;PADILHA; ROCHA, 2011).

Dessa forma, pode-se inferir que a desigualdade de gênero no Brasil é um dos principais geradores dos dados apresentados anteriormente. A escancarada diferença de salários em relação aos homens, a crença de ser um sexo inferior e frágil fornece combustível para o assédio moral à mulher no ambiente laboral. E, não excepcionais as vezes, o assédio moral vêm atrelado ao assédio sexual.

     As mulheres são as principais vítimas dos dois tipos de violência, sendo que muitas vezes uma precede a outra, não raro os dois tipos acontecem simultaneamente, sendo que ameaças com demissão, por não cederem às investidas sexuais, são bastante frequentes. Nem sempre os atos de assédio moral são claros, mas há pontos em comum no perfil do assediador, entre eles o recorrente recurso à ameaça com demissão ou perda do emprego, desmoralização em público, pedir a repetição da mesma atividade com o objetivo de desestabilizar emocionalmente a subordinada, sobrecarga de tarefas sem a devida orientação de como realizá-las, dentre outros. (GUIA TRABALHISTA, 2016)

Em síntese, como o fenômeno do assédio moral objetiva atingir a personalidade e integridade física da vítima, certas características particulares das mulheres favorecem a ocorrência dessa violência, como a dupla jornada, que cria uma crença errônea de queda na produtividade. No tocante às instituições de ensino, a mulher, apesar de deter títulos e conhecimento sofre cotidianamente com a desqualificação intelectual e piadas sexistas por parte de seus pares ou superiores hierárquicos. “Quando alcançam esse espaço, a todo o momento, precisam mostrar que são capazes para ocupar o cargo, desempenhando esforço além dos demais para que sejam reconhecidas” (SILVA, 2012).  

3.3. Os três pilares de combate ao assédio moral: informação, organização e mobilização

Segundo o site governamental http://www.assediomoral.org, o posicionamento da vítima do assédio moral deve ser norteado pelo tripé: informação, organização e de mobilização, já que, apesar de não haver uma legislação específica federal contra o assédio moral, há conjuntos de normas trabalhistas que protegem a saúde e integridade do trabalhador.

Preliminarmente, a assediado precisa manter-se a par dos seus direitos, assim como ter consciências dos atos que constroem o panorama do assédio moral. A leitura de artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas, do código interno da empresa (não pode divergir da lei em vigor), sites acerca do assédio moral e a consulta de especialistas em direito trabalhistas são de singular importância no combate dessa violência. “Impossível que consigamos defendê-los (direitos) se não soubermos como isso pode ser feito. Aprender a exercer direitos é o primeiro passo para a cidadania”- diz “João Cidadão”, o personagem criado pela Gazeta do Povo no editorial de Vida Pública.

A próxima a etapa consiste na organização a partir das informações obtidas. De acordo com o Código de Processo Civil (2015), o ônus da prova, isto é, o encargo de expô-la, incumbe a quem alega, por conseguinte, cabe ao assediado a compilação das evidências do assédio. Deve-se anotar tudo o que acontece, fazer um registro diário do dia a dia do trabalho, procurando, ao máximo, coletar e guardar provas do assédio, como bilhetes e documentos; tomar nota das humilhações sofridas com data, hora, local, quem foi o agressor, quem testemunhou, o que aconteceu, o que foi falado, etc (SPACIL;RAMBO;WAGNER; 2011).Ademais, há a possibilidade de gravar os momentos de assédio( feito pelo interlocutor da conversa).

Por fim, o último estágio refere-se à ação, a busca pela reparação do direito violado. Como atos exemplificativos dessa fase do combate, tem-se: dar visibilidade, procurando a ajuda de colegas, principalmente daqueles que testemunham o fato ou que já sofreram humilhações do mesmo agressor; pedir ajuda no trabalho e fora da empresa; denunciar o assédio moral ao setor de recursos humanos, à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes(CIPA) e ao SESMT (Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho) da empresa, ao Centro de Referências em Saúde dos Trabalhadores, e ao Sindicato Profissional e aos outros órgãos de defesa do trabalhador. A Ouvidoria Pública também é um importante canal de combate ao assédio moral no ambiente laboral, porque é incumbida de apurar a denúncia, inclusive, seu site oficial possui uma cartilha repleta de informações fundamentais sobre o assédio. (Ministério Público do Trabalho, 2011).

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Ademais, cumpre assinalar que a passividade diante do assédio, por receio da demissão ou culpa pelo fenômeno, é nociva, porquanto a retaliação a essa prática de violência depende da ação operante dos trabalhadores. Um ambiente laboral saudável, consoante aos princípios da integridade humana, é tarefa de conjunta do corpo empregatício, independente do cargo. Não raras as vezes, o pacto de tolerância e silêncio entre os colegas que presenciam o assédio moral contra um colega de trabalho alimenta a violência e fornece combustível para sua proliferação. Empatia é ingrediente fundamental.

     Diante da violência existem quatro posturas possíveis: estimular, consentir, negligenciar ou combater. O combate à violência é a única postura que minimiza nossa participação nesses atos e nos distancia, ao menos um pouco, de sermos igualmente violentos como aqueles que promovem, aceitam ou se omitem. O combate à violência e a promoção de relações mais saudáveis pressupõe a construção de vínculos significativos e de espaços de trabalho e de vida com sentido. E esse é um grande desafio, colocado para todos nós, como coletividade. Para enfrentá-lo precisamos sair da “normopatia”, a doença de achar que tudo isso é normal.(DEJOURS, 1999, apud SOBOLL, 2008, p.222)

3.5 O papel do Estado e das instituições de ensino                                                 

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana calcou-se fundamento da república, sendo assim, um principio basilar do país, como já dito anteriormente. A partir de tal condição, no ambiente laboral, o indivíduo também tem seu bem-estar e honra preconizados, já que “ o terror psicossocial constitui evidente violação à dignidade do trabalhador, com graves consequências à sua moral e à sua saúde, comprometendo dessa forma o estado ideal e vida digna, que deve ser buscado e respeitado por todos e pelo estado”(DUARTE; SOARES, 2014, p.14).

Embora alegações de assédio moral sejam recorrentes no judiciário trabalhista, não há lei federal quanto o assunto, o que dificulta a punição ao longo do território brasileiro. A primeira cidade a formular lei acerca do problema em nível municipal foi Iracemólis (São Paulo (Lei nº 1163/2000, de 24 de abril de 2000).. Alguns anos mais tarde, o município de São Paulo promulgou a lei n° 13.288, de 10 de janeiro de 2002, com alguns itens inovadores, como a penalidade educativa para os assediadores e o aprimoramento profissional. No mesmo ano, o estado do Rio de Janeiro foi pioneiro ao sancionar a primeira lei estadual( lei n°3.921 de 22 de agosto de 2002), também possuindo como foco o assédio moral na Administração Pública. E em 2011, Sérgio Cabral sancionou a lei  nº 6.084, que cria o Programa de Prevenção e Conscientização do Assédio Moral e Violência nas escolas públicas e privadas do Estado do Rio de Janeiro. Posteriormente, outros estados e municípios brasileiros editaram e ampliaram seu ordenamento ao incluir o combate ao assédio moral.

A fim de alcançar a unidade territorial, alguns projetos de lei federal oferecem boas postulações, como o projeto de lei federal n° 4.742/2001, do deputado Marcos de Jesus( PL-PE), que visa introduzir o art. 146-A no Código Penal, tipificando o assédio moral como crime no ambiente laboral. Já o projeto de lei federal n° 6.161/2002 objetiva alterar a lei 8.666/93 ao instituir o Cadastro Nacional de Proteção contra a Coação Moral no emprego, assim a exigência para habilitação dos interessados em licitações públicas seria o não registro de condenação por prática de coação moral contra seu trabalhadores nos últimos 5 anos.

Enquanto tais leis não são sancionadas, o trabalhador que sofre assédio moral nas instituições de ensino e em demais locais de trabalho podem ajuizar ações sendo respaldados pelo art.225 da constituição, arts.154 a 201 da CLT, dentre outros dispositivos infraconstitucionais que resguardam a saúde do trabalhador, como já mencionado nos capítulos iniciais do presente artigo.

Sob a ótica da prevenção e combate, as próprias instituições de ensino podem adotar medidas internas relativas ao assédio moral. Uma ótima oportunidade para saber se o assédio moral circula pela organização é durante a realização da pesquisa de clima organizacional. Um dos fatores que podem ser abordados na aplicação da ferramenta é exatamente saber se os funcionários sentem-se coagidos, humilhados, discriminados de alguma forma, seja pelos líderes ou demais colegas de trabalho.

A empresa pode investir em ações educativas e estimular a paz nos relacionamentos em todos os níveis. Para isso, os canais internos de comunicação são indispensáveis no combate ao assédio moral; a cultura organizacional deve ser reforçada e os colaboradores informados que os diretos humanos fazem parte dos valores internos da companhia; a realização de palestras em eventos realizados pela organização como treinamentos, encontros comemorativos é uma alternativa para esclarecer aos colaboradores o que significa assédio moral e as consequências que pode gerar à empresa, ao assediador e à vítima; os gestores têm papel de grande relevância no combate e na prevenção do assédio moral.(BISPO, 2009)

Em suma, a união do aparato jurídico e civil é instrumento ímpar na erradicação do assédio moral, garantindo a manutenção da dignidade do trabalhador em qualquer esfera de serviço e, no tocante ao estudo, o fomento de um núcleo educacional saudável, instrumento de cidadania.

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