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O que são os votos engavetados e como isso influenciará uma eleição?

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30/12/2018 às 10:15
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Entenda o que são os chamados votos engavetados, tal qual descritos em lei e conforme visão do TSE.

TEORIA DOS VOTOS ENGAVETADOS – DESTINO DOS VOTOS ENDEREÇADOS A CANDIDATO QUE NÃO TEVE DEFERIDA SUA CANDIDATURA

A cada pleito que se descortina no Estado Democrático brasileiro (a Carta Política pátria privilegia o sistema de sufrágio eleitoral, como é cediço, estabelecendo que o poder emana do povo com o poder de escolher seus representantes), os juízes eleitorais tem se deparado com grande número de demandas versando sobre impugnação de candidaturas e, sobretudo, de forma mais aguerida, de diplomações de candidatos eleitos pela vontade popular.

Vale não esquecer que o léxico destaca que a expressão voto significa modo de manifestação da opinião num pleito eleitoral (Antônio Augusto Soares Amora, Minidicionário da Língua Portuguesa), o que em termos técnicos poderia ser extraído da noção romana do sufragium ou direito ao sufrágio (o voto implica na manifestação ativa do sufragium que tem uma acepção passiva que seria na capacidade eleitoral para receber votos).

O tema em questão envolve aspectos altamente ideológicos, em visão que tende a ser mais política (na acepção científica do termo) do que propriamente técnica (há inúmeras variáveis antropológicas a serem cogitadas, envolvendo aspectos religiosos, culturais, filosóficos e, até mesmo, de índole técnica jurídica, cujas conclusões, no entanto, poderão vir a variar conforme a matiz ideológica aplicada, o que já se adverte ao leitor do presente texto – pois isso dependerá da idéia de democracia que se utilizará como premissa inaugural).

Sempre existe, aliás, um certo risco ao se pretender cogitar de uma abordagem histórica a respeito de qualquer instituto jurídico, eis que, se algumas cautelas não forem tomadas, como advertia Miguel Reale[1]; pode ocorrer de observar-se a história sob a ótica daquele que escreveu a seu respeito (ou seja, num exemplo muito simples, se quem escreveu sobre o fato histórico que se estuda acreditava que o Sol girava em torno da Terra, muito provavelmente, terá tirado suas conclusões sobre o fato histórico comentado, a partir de tal perspectiva, como igualmente, se alguém que escreveu sobre juros, na Idade Média, pertencia ao clero e efetuou empréstimos, tentará a entender que os juros seriam algo de maligno e espoliador, ao invés de fomentarem o desenvolvimento do câmbio e de mercados futuros[2]).

O mesmo acontece com os conceitos de voto e democracia que flutuam ao sabor de vários fatores históricos. Na Grécia, considerada o berço da democracia, somente homens livres, donos de terras podiam manifestar sua opinião na Ágora, mulheres somente ganharam direito de voto, de modo generalizado, no decorrer do Século XX. A noção histórica, portanto, a respeito do que sejam o direito de voto e a democracia devem ser entendidos a partir das dificuldades do nosso século, que se ocupa de realidades muito complexas.

Com isso, os cuidados que o acadêmico deve ter, ao abordar textos históricos será nesse sentido, visando a coibir que informações pessoais do autor do texto não levem a conclusões distanciadas da realidade conceitual contemporânea, buscando uma análise que se revele como a mais imparcial possível a respeito da forma como se deram os fatos históricos.

E como vem sendo ponderado em outros artigos de minha autoria, desde há muito, não se pode ter como desconhecido dos operadores do direito, de um modo geral, o fenômeno do esgotamento paradigmático do pensamento jurídico fundado a partir da premissa de um direito natural (concepção tomista que foi empregada por séculos pelos juristas como modo de pensar dogmaticamente o direito) que encontra inúmeras dificuldades de resolver os problemas decorrentes da complexidade das relações intersubjetivas, ainda mais em um mundo que prima pela celeridade decorrente dos próprios avanços tecnológicos num mundo globalizado, o que não pode ficar á margem do ordenamento jurídico.

Tanto assim que autores como Celso Lafer propugnam, como proposta inicial para a solução do problema referente ao hiato apontado, a adoção de um novo modelo paradigmático[3] (o referido autor propõe chamá-lo de paradigma da filosofia do direito, para permitir um “pensar” menos dogmático, mais aberto ao “perquerir” ou ao “questionar”, tomando, aliás, o dogma não como um fim em si mesmo (como se dava no modelo paradigmático positivista então dominante), mas, ao contrário, como um ponto de partida, como, ademais, vinha sendo sugerido por Tércio Sampaio Ferraz Jr.,[4] permitindo-se a interpretação que autorize abranger fatores interdisciplinares).

E isso se torna relevante na medida em que, igualmente, se tem por inegável que o Direito seja um fenômeno histórico, revestido de temporalidade e que, nos primórdios da civilização, já tinha seu conteúdo intimamente ligado aos desígnios dos detentores do poder (verbi gratia, no Egito Antigo, no período conhecido por Antigo Império, ou seja, entre 2.664 a C e 2.155 a C, cunhou-se a expressão segundo a qual “o justo é o que o faraó ama, e o mal é aquilo que o faraó odeia”[5], não obstante a ponderação de que o justo e ético, para esse povo se confundia com a emblemática noção de maat[6]), reforçando-se o entendimento segundo o qual o direito implica numa evidente técnica de controle social (caráter igualmente destacado pelo já mencionado Tércio Sampaio)[7].

Essas concepções ligando o Direito ao poder se tornam uma questão de grande relevo posto que, em um mundo globalizado, em que o poder econômico se concentra pólos globalizantes opostos aos dos globalizados, se pode passar a questionar se fatores intimamente ligados ao poder não estão colocando em xeque a interpretação que se possa fazer do ordenamento jurídico como um todo (o que se tem revelado como óbvio numa concepção geopolítica, não se podendo, ainda, deixar de atentar para fatores como o financiamento regular, ou irregular[8] de campanhas eleitorais, atuação lícita e ilícita de lobbies, enquanto grupos de pressão acerca de interesses que possam estar em jogo, etc...).

E em tempos de globalização, com grande normatização de inúmeros setores da vida cotidiana, com redes intrincadas de normas das mais variadas matizes e hierarquias, o risco de se esbarrar numa ou outra delas, num grande espectro de cinzas, ainda mais quando o assunto é política, se revela grande, recomendando cautela em relação a questões de antecipação dos efeitos da tutela em questões eleitorais.

Julgamento ocorrido recentemente envolvendo pessoa pública da política nacional, um ex presidente, suscita a discussão em torno desse instituto jurídico que seriam os votos engavetados grandes desconhecidos da população em geral.

Isso porque, a partir do julgamento de ação penal em segunda instância, com a condenação do aludido político, surgiu a necessidade de ficar atento ao conceito de voto engavetado, eis que,  nos termos da lei da ficha limpa, e da interpretação que se concedeu à mesma pelo Supremo Tribunal Federal (em outubro de 2017, o Pretório Excelso fixou entendimento no sentido de que a lei de ficha limpa, inclusive, retroagiria para atingir condenação por delitos perpetrados antes da vigência da lei, em sede de modulação), condenados em segunda instância seriam fichas sujas, logo, não seriam passíveis de se candidatarem a outros cargos públicos.

No entanto, observa-se que os mass media – os meios de comunicação de massa – tem noticiado o fato de que, mesmo condenado, o político pretende manter sua candidatura – sendo certo que seria o caso de se apontar que o direito de se candidatar é livre e não há impedimento automático pela Justiça Eleitoral.

Assim, seria necessário que algum órgão (outros candidatos, partidos ou coligações, o mesmo o Ministério Público Eleitoral) intente uma impugnação do pedido de candidatura (para ser candidato, além de não ser ficha suja, o candidato precisa estar em dia com obrigações eleitorais, no gozo de direitos políticos – o que é mais amplo eis que não pode ter sido condenado em ações de improbidade, por exemplo, precisa ser indicado por um partido após convenção regular etc), iniciando-se procedimento próprio, com contraditório e produção de provas se houver necessidade.

Em síntese, cuida-se de procedimento que pode ser moroso, sendo passível de passar por, pelo menos, três instâncias (Juiz Eleitoral, TRE e TSE), isso não se pretender acessar, por exemplo, outros Tribunais Superiores, em busca das conhecidas superliminares – liminares que autorizam candidaturas durante pendências.

Essa a ideia por trás do conceito de voto engavetado, que encontra, inclusive, previsão legal expressa. E observe-se o imbróglio que a legislação eleitoral permite que ocorra – é a situação que minha avó apontava, a partir do dito popular de que não se deve deixar o cabrito vigiando a horta. No caso, às mais das vezes, políticos criam regras que serão aplicáveis a eles mesmos.

Observe-se que a Lei das Eleições ainda vigente é a Lei nº 9.504/97 que passou por várias alterações, sendo certo que as Leis nº 12.891/13 e 12.034/09 (diplomas que tratam da suspensividade dos efeitos da impugnação de registro até que ocorra o trânsito em julgado da decisão que defere a impugnação), que criaram os artigos 16-A e 16-B na lei eleitoral cuja redação é a seguinte:

Art. 16-A. O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior.

Ou seja, enquanto pender julgamento da impugnação da candidatura, o candidato poderá efetuar todos os atos relativos à campanha, com nome mantido na urna eletrônica – mas a validade dos votos atribuídos ao candidato, enquanto estiver nessa condição, estará condicionada (condição, como é sabido é elemento acidental de ato jurídico – e votos são atos jurídicos que está relacionada ao advento de evento futuro e incerto, qual seja, a declaração posterior de validade da candidatura).

Eles permanecem “engavetados” até o resultado de eventual impugnação que pode concluir pela validade, ou não, da candidatura.

E não é só. O Tribunal Superior Eleitoral, no ano de 2.012, no julgamento do AgR-MS nº 88.673, já firmou entendimento no sentido de impossibilidade de cancelamento imediato de uma candidatura ou de proibição de realização de atos de propaganda eleitoral, em virtude de decisão por órgão colegiado no processo de registro – isso implicaria em dizer que até julgamento no próprio TSE, cujo relator teria poder para tanto, decisões de TRE não impediriam atos próprios de campanha e nem permitiriam a retirada do nome do candidato da urna eletrônica.

Mas também já decidiu o TSE, em julgado do ano de 2.013, que, se o candidato, com sua postura, der causa à anulação de um pleito por conta de abusos em recursos a partir desse consectário legal, ficará impedido de participar de novas eleições.

O parágrafo único desse artigo 16-A da lei eleitoral permite o reconhecimento do que seria o voto engavetado – veja-se a orientação literal do texto legal:

Parágrafo único. O cômputo, para o respectivo partido ou coligação, dos votos atribuídos ao candidato cujo registro esteja sub judice no dia da eleição fica condicionado ao deferimento do registro do candidato.

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Ou seja, os votos ficam “engavetados”, alusão estranha, aliás, eis que daria a impressão de que se cuidaria de uma lei que se aplicaria a votos em papel – passíveis de engavetamento em repartição pública. Ou seja, votos engavetados são votos passíveis de condição.

A Resolução TSE nº 23.273, inclusive, estabelece que candidato com registro indeferido, porém ainda sem trânsito em julgado, poderá, inclusive, participar de debates, respeitadas as regras do artigo 46 e seus parágrafos da lei de eleições.

Nos termos do artigo 16-B da Lei Eleitoral, enquanto não houver se concretizado a apreciação pela Justiça Eleitoral a respeito da situação do candidato, não haverá como impedí-lo de praticar atos de campanha eleitoral. Observe-se in verbis:

Art. 16-B.  O disposto no art. 16-A quanto ao direito de participar da campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito, aplica-se igualmente ao candidato cujo pedido de registro tenha sido protocolado no prazo legal e ainda não tenha sido apreciado pela Justiça Eleitoral.

A Lei Complementar nº 64/90, no entanto, teve sua redação alterada pela lei da ficha limpa para contemplar como condição de ineligibilidade, justamente, uma condenação referendada por órgão colegiado. Coisa radicalmente diversa, no entanto, diz respeito ao fato de que se deva observar o respeito ao devido processo legal (o due process of law preconizado pela doutrina federalista anglo-saxã, desde o advento da Carta Foral conhecida como Magna Charta Libertatum, da Inglaterra, de 1.215, editada pelo Rei João Sem Terras, numa tentativa de pôr fim a um levante de barões insurreitos).

Isso se dá na medida em que, como é sabido, a legislação eleitoral, na sua acepção lato sensu, prevê dois gêneros principais de ações de impugnação, quais sejam, aquelas referentes a impugnações de registro de candidaturas e aquelas referentes a impugnações de exercícios de mandatos com recursos contra diplomações e investigações eleitorais (cujas transgressões pertinentes ao abuso do poder econômico, origem de valores pecuniários, abuso do poder político em detrimento da liberdade de voto – ou sufrágio como constitucionalmente asseverado – vem disciplinada pelo advento da norma contida nos artigos 19 a 25 da conhecida Lei Complementar nº 64/90[9]).

E não obstante exista expressa determinação constitucional a respeito do tema, como se pode observar pelos parágrafos do artigo 14 da Constituição Federal, parece haver consenso entre os doutrinadores no que se refere ao fato de que se deva empregar, tanto num caso, como em outro, o rito da ação de impugnação de registro de candidatura.[10]

Sob tal perspectiva, tem-se que o rito legal a ser observado, em cumprimento do mencionado procedural due process of law, seja aquele estabelecido, para este tipo de situação, no Código Eleitoral (a conhecida Lei nº4.737/65 – com normas dispondo sobre direito material e direito processual, a revelar que se trata de lei especial que não pode, num juízo a priori¸ ser considerada por leis gerais de mesma hierarquia), que possui regra expressa em relação a este aspecto, qual seja, aquela contida no advento do seu artigo 216, cuja a transcrição seria a seguinte:

 “Enquanto o Tribunal Superior não decidir o recurso interposto contra a expedição do diploma poderá o diplomado exercer o mandato  em toda a plenitude”.

Ou seja, em situações extremas como a vivida no país por conta da Operação Lava Jato, há que se ter um TSE ágil para que analise prontamente situações deste jaez, evitando-se que haja a necessidade de se garantir mandatos eletivos deferidos, com votos engavetados, levando a uma grande instabilidade política – em poucas ocasiões a celeridade na apreciação, resguardando-se o devido processo legal, mas sem postergações abusivas.

Mais ainda. Em havendo demora em analisar impugnação de candidaturas, não se pode diplomar o vencedor enquanto perdurar tal pendência, eis que, insista-se, uma vez diplomado, por exemplo, alguém que se repute “ficha-suja”, recursos passam a ter efeito suspensivo, não impedindo posse e exercício do mandato eletivo – não pode haver margem para que se demore em analisar questões deste jaez.

Tal consectário legal (artigo 216 Código Eleitoral), portanto, parece não deixar dúvidas a respeito do fato de, pouco importa o fundamento, ou seja, o mérito das razões de impugnação, não se pode deferir, enquanto não houver reexame pelo Areópago Superior, qualquer pedido antecipatório da tutela que vise impedir atos de posse ou que venha a esvaziar efeito suspensivo recursal, sob pena de se macerar a letra expressa da lei, o que não impede uma certa ponderação entre princípios, por exemplo, o da moralidade (artigo 37 CF) a partir de juízos que recomendem a inexistência de direitos absolutos no mundo complexo (Edgar Morin e Norberto Bobbio, por exemplo).

Por enquanto, se constata que a redação do artigo 216 do Código Eleitoral tem sido prestigiada, em situações versando sobre este tipo de controvérsias, pelo E. Superior Tribunal Eleitoral, como se pode observar pelos seguintes Julgados: Ac – TSE nº 1.049/2002; 1.277/2003; 21.403/2003, 1.320/2004 e Ac. TSE de 28.6.2006, na MC nº 1.833.

No mesmo sentido, assim se manifestou o E. Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro, no sentido de que:

IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO – ANTECIPAÇÃO DA TUTELA – NÃO PROVIMENTO – Inexistência de prova inequívoca do alegado e inocor          ência do convencionado do julgador quanto à existência de verossimilhança; hipótese em que o requerimento de antecipação de tutela encontra óbice no art. 216 do Código Eleitoral, que assegura ao diplomado o exercício do mandato até o trâsito em julgado do recurso contra a diplomação; As alegações dos recorrentes são as mesmas que já foram rechaçadas quando da denegação da ordem em mandado de segurança impetrado contra o MM. Juízo da 104ª Zona Eleitoral, que determinou a diplomação dos ora agravados.” TRE-RJ – AI 56 (21.525) – Itaboraí – Rel. Dês. Valmir Martins Peçanha, j. 20.08.2.001.

Com relação a tanto, inclusive, de se continuar a pedir vênia para a transcrição do entendimento de Fernando Montalvão, que destaca trecho de transcrição parcial de decisão do TRE-CE, bastante oportuna a respeito da questão que se alivanha no presente trabalho:

“No Tribunal Superior Eleitoral domina o entendimento de que se deve evitar o rodízio de administradores na pendência da lide. Evita-se, assim, a insegurança jurídica e a perplexidade dos eleitores (AgRgMs nº 3.345, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 19.05.2.005 MC nº 1.302, Rel. Min. Barros Monteiro, de 6.11.2.003, AgRgMC nº 1.289, Rel. Min. Fernando Neves, de 16.09.2.003, MC nº 1.049, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, de 21.05.2.002)”. Diante dos princípios constitucionais, a melhor interpretação é aquela que entende que se possa aceitar como razoável a decisão do eleitorado.” Recurso Eleitoral nº 12.951, TRE-CE, voto-vista do Juiz José Filomeno de Moraes, 27.12.2.004”.

Mesmo em sede doutrinária, poder-se-ia aduzir o quanto ponderado por Joel José Cândido, acerca da questão em comento:

“Em qualquer das instâncias eleitorais, os recursos contra as decisões que julgarem procedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo tem efeito suspensivo, podendo o titular do mandato exercê-lo em toda sua plenitude, enquanto não se operar a coisa julgada. Aplica-se, aqui, o art. 216, e o não o art. 257, ambos do Código Eleitoral. A jurisprudência já aceitou esta proposta. E também entendemos assim por três razões: a) se no RCD isso ocorre, na AIME a solução deve ser a mesma eis que igual é o objetivo de ambas as medidas processuais: b) à mingua de dispositivo legal específico regulando a matéria, deve-se aplicar o remédio jurídico existente no ordenamento que melhor atenda os interesses do impugnado, por ser menor o prejuízo em eventual caso de erro, já que a questão envolve direitos políticos. Aqui, o interesse público genérico cede ante a possibilidade de lesão a direito constitucional específico. c) e, por último, porque a presunção de correção da prestação jurisdicional provisória é bem menos expressiva do que a presunção de correção da escolha do titular do mandato impugnado, pela vontade manifestada pelo sufrágio, e a preservação desta última, e não daquela, deve ser sempre o principal escopo do Direito Eleitoral.”[11]

Tal entendimento não se revela isolado, eis que, coadunando com o mesmo, seria de se invocar o quanto asseverado por Tito Costa[12], que entende que a orientação do artigo 216 do Código Eleitoral encontra respaldo no artigo 15 da Lei Complementar nº 64/90, e mesmo em Pinto Ferreira[13], que defende que, em casos como tal, ainda que se acolha recurso contra diplomação, o candidato com mandato impugnado, enquanto não se verificar a coisa julgada acerca de tal condenação, continuará a exercer o seu mandato, de forma plena.

E, na medida em que, como asseverado acima, tais postulações devem ser feitas por advogados (não se aceita o jus postulandi dos legitimados para essas demandas, afora a legitimação ministerial ou de qualquer dos outros ministérios advocatícios), não se pode esquecer de que se deva tomar o máximo cuidado com pedidos deste jaez (como é cediço, a legislação pátria acolheu o vetusto, porém assaz pragmático, brocardo de direito romano, que chegou aos dias atuais pelo esforço dos glosadores medievais, de acordo com o qual ignorantia legis nemo excusat, e que, em tradução literal implica a ideia de acordo com a qual a ninguém será dado alegar a ignorância da lei, muito menos, obviamente, o será permitido aos operadores do direito, como se observa pelo teor da norma contida no artigo 3º da LINDB), posto que, como sabido, a irresponsabilidade em pedidos desta natureza, sem prejuízo de medidas cíveis indenizatórias e administrativas[14], implicam em situações que possam ser tidas como ilícitos criminais, nos estritos termos preconizados pelo advento da norma contida no artigo 25 e seus consectários da Lei Complementar nº 64/90 (em situações de ações movidas de forma temerária ou de má-fé – não se podendo deixar de entender que pleitos expressamente vedados pela legislação não sejam temerários – havendo expressa dificuldade para os operadores do direito invocarem o desconhecimento da legislação de regência, em situações deste jaez[15]).

A questão parece ser amplamente complexa, eis que pode ser o momento de se permitir pela constitucionalidade de tal orientação, por exemplo, diante do preceito da moralidade, em nome do respeito ao cumprimento da lei da ficha limpa, mas enquanto isso não acontecer, há sério risco de se observar canditatos com condenações terem nomes inscritos em urnas eletrônicas na data do pleito eleitoral, a depender da agilidade ou não do TSE, com a aplicação dessa teoria dos votos engavetados. E, mais ainda, tudo dependerá, por exemplo, de eventual impugnação ter pedido liminar deferido, ou não, como manifestação de tutela de urgência, nos moldes preconizados pelo atual CPC que pode ser entendido como fonte subsidiária do processo eleitoral.

Assim, caso a decisão não tenha sido apreciada pelo TSE, em sede de embargos de declaração em recurso especial, até a eleição, seu nome também deverá figurar na urna eletrônica, condicionando-se os votos engavetados à aceitação posterior do registro da candidatura que vier a ser impugnada (após a eleição, o efeito do recurso não será mais suspensivo, e os votos são nulos, para todos os efeitos, enquanto o TSE não decidir o tema), quer dizer, o candidato não poderá assumir, nem seu vice (a chapa é una e indivisível), mas sim o segundo colocado no pleito.

Caso a nulidade resultante da teoria dos votos engavetados, leia-se, dos votos atribuídos aos candidatos (e não os chamados votos apolíticos, isto é, aquele em que o eleitor digita número inexistente na urna eletrônica e confirma – escrevi artigo demonstrando a diferença entre os tipos de votos nulos), ultrapasse a maioria dos votos válidos, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que devem ser realizadas novas eleições, nos termos do advento da norma contida no artigo 224 do vetusto Código Eleitoral vigente, que tem a seguinte redação:

Art. 224. Se a nulidade atingir mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 a 40 dias.

Essa nulidade mencionada na lei se emprega na acepção técnica do termo nulidade, ou seja, votos não aptos a produzirem efeitos jurídicos que dele se desejam. Isso não se aplica ao que o leigo chama de voto nulo – situação de abstenção intencional em não votar em qualquer candidato (o que se chama manifestação apolítica – protesto de eleitores – em linhas gerais, a conduta de votar nulo digitando 000 e apertar confirma), mas ao que a legislação considera votação nulidade – urnas com suspeitas de fraudes, ilícitos etc. Coisa, portanto, radicalmente diversa.

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Sobre o autor
Julio César Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Mestre em processo civil. Especialista em processo civil e direito privado. Professor da FAJ do Grupo UNIEDUK de Unitá Faculdade. Coordenador Nacional dos Cursos de Pós Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da Pós Graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Julio César Ballerini. O que são os votos engavetados e como isso influenciará uma eleição?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5660, 30 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64142. Acesso em: 28 mar. 2024.

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