Previdência Social e o surgimento do termo auxílio-acidente

28/03/2018 às 18:50
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Explana-se sobre a integração do seguro de acidente de trabalho à previdência social, sob tutela estatal e do surgimento do termo “Auxílio-Acidente”

Introdução

A tentativa do governo Vargas em unificar a seguridade social em um único órgão, o Instituto dos Serviços Sociais do Brasil, foi vitimada pela conjuntura política e a pretensão somente veio a ser efetivada no ano de 1960 com a criação do INPS. Ainda assim, a cobertura securitária não foi universalizada, sequer para os trabalhadores de uma maneira geral, e o seguro de acidente de trabalho permaneceu não plenamente integrado à Previdência.

1. A Lei orgânica dos Serviços Sociais do Brasil

O Brasil vivia momentos conturbados em sua vida política no ano de 1945, vindo a ocorrer uma das muitas deposições presidenciais que a sua história registraria [1]. Também nesse ano, o ainda presidente Getúlio Vargas decreta a Lei orgânica dos Serviços Sociais do Brasil, Decreto-Lei n.º 7.526, de 7 de maio de 1945.

O texto legal pretendia colocar sob tutela estatal o seguro social, o seguro de acidente de trabalho e a assistência social, consolidando os respectivos recursos em um único fundo [2], ao tempo em que delegava a sua gestão ao Instituto dos Serviços Sociais do Brasil (ISSB, Decreto-Lei n.º 7.551, de 15 de maio de 1945). Ainda, mantinha em regime apartado os militares e demais servidores públicos federais e definia o termo “benefício” como denominação genérica para as prestações a serem concedidas por esse sistema. O caráter precário dos benefícios securitários foi preservado e previa-se a criação de seguros facultativos, “limitados, destinados a reforçar as prestações do seguro social, e custeados exclusivamente pelos próprios segurados”.

2. O natimorto ISSB

Como norma regulamentadora da Lei de Acidente de Trabalho (Decreto-Lei nº 7.036/1944), o Decreto nº 18.809, de 05 de junho de 1945, considerando as alterações previstas nos Decretos 7.526 e 7.551, respectivamente de 07 e 15 de maio de 1945, trazia a previsão de como se daria a transferência da administração do seguro de acidente de trabalho para o ISSB, sendo perceptível a sua inviabilização de fato. Como exemplo, o parágrafo único do artigo 7º fazia referência ao artigo 112 do Decreto-Lei n.º 7.036/1944, que por sua vez sepultava o natimorto ISSB, mantendo-se essa essência na reforma promovida pela Lei n.º 599-A, de 26 de dezembro de 1948, já no governo Dutra. Veja-se:

Decreto nº 18.809, de 05 de junho de 1945

Art. 7º, Parágrafo únicoCaso o Instituto dos Serviços Sociais do Brasil não venha a operar, eventualmente, em seguros de acidentes do trabalho, até 1 de janeiro de 1949, aplicar-se-á, a partir dessa data, o disposto no artigo 112 da Lei.

Decreto-Lei n.º 7.036/1944

Texto original:

Art. 112. A partir de 1 de janeiro de 1949, as instituições de previdência social, então existentes, e que à data da vigência deste Decreto-lei ainda não possuissem carteiras de acidentes do trabalho, providenciarão a criação de órgãos destinados ao seguro de acidentes do trabalho, aos quais passará, paulatinamente, o seguro das responsabilidades atribuídas aos empregadores, de forma que, a 31 de dezembro de 1953, cessem definitivamente as operações de seguros contra o risco de acidentes do trabalho, pelas sociedades de seguro e pelas cooperativas de seguro de sindicatos.

Redação dada pela Lei nº 599-A/1948

Art. 112. As instituições de previdência social, que ainda não mantenham carteiras de seguro contra os acidentes do trabalho, serão obrigadas a instalá-las, a partir de 1 de janeiro de 1952, e a estender progressivamente as respectivas operações, de modo que, a partir de 1 de janeiro de 1954, possam realizá-las com exclusividade. 

§ 1º Sem prejuízo do disposto neste artigo, é facultado às emprêsas seguradoras privadas e às cooperativas de seguros de sindicatos, já autorizadas a funcionar, continuarem a operar em seguros dos acidentes do trabalho, até 31 de dezembro de 1953, com exclusão daqueles que já são objeto de monopólio das instituições de previdência social. 

3. Lei Orgânica da Previdência Social - LOPS

Foi a Constituição Federal de 1946 o texto legal que trouxe pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro a expressão Previdência Social [3], vindo a matéria a ser tratada pela Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS - Lei n.º 3.807, de 26 de agosto de 1960). A LOPS, reconhecida como importante passo rumo à universalização da Previdência Social [4], mantém em regime apartado os servidores públicos federais e militares e exclui a priori os rurais e domésticos (lógica da inclusão/exclusão). O Auxílio-Doença consta como uma das prestações devidas aos segurados e manteve-se a questão previdenciária com regulamentação distinta daquela dedicada ao seguro de acidente de trabalho.

Os rurais vieram a ter tratamento específico dado pela Lei 4.214/1963, instituidora do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), que deu ao seguro acidente caráter facultativo para essa categoria de trabalhadores (art. 166). A situação dos domésticos será tratada em outro artigo.

4. A criação do INPS

O Decreto nº 72, de 21 de novembro de 1966, promoveu a unificação dos diversos Institutos de Aposentadoria e Pensões “sob a denominação de Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)”, órgão executivo do sistema geral de previdência social e que contava desde a sua origem com representação dos segurados e das empresas em seus foros de gestão (art. 7º).

Seu texto não trouxe qualquer menção ao seguro dedicado a cobrir os infortúnios decorrentes do acidente de trabalho, tema que veio a ser tratado pelo Decreto-Lei n.º 73, de 21 de novembro de 1966 e pelo Decreto-Lei n.º 293, de 28 de fevereiro de 1967. O primeiro deles dispôs a respeito do Sistema Nacional de Seguros Privados e o segundo possibilitou ao INPS concorrer com outras seguradoras para a realização de tal operação securitária conforme previsto no §2º do art. 22 da LOPS, e o direito ao seguro de acidente de trabalho teve garantia constitucional firmada na carta de 1967.

O Decreto-Lei n.º 293/1967 preservava a cobertura dos acidentes in itinere e definia a Incapacidade Parcial e Permanente como “a redução, por toda a vida, da capacidade de trabalho”, podendo optar o segurado entre a percepção de indenização em parcela única ou na forma de “renda mensal reajustável”, quando a incapacidade fosse superior a 25%. Nos casos em que fosse reconhecida redução da capacidade laboral em até 25%, a percepção da indenização devida seria em parcela única. O procedimento judicial seguia regulamentado pelo Código de Processo Civil, com isenção de custas para o acidentado, no caso de ser patrocinado pelo Ministério Público, sendo dispensável a assistência jurídica. Constava ainda em seu texto relação das doenças profissionais assim reconhecidas.

5. Decreto nº 60.501, de 14 de março de 1967

Como novo regulamento da Previdência Social, o Decreto nº 60.501/1967 em seu artigo 149 determinava que os exames destinados à concessão de benefícios deveriam ser realizados preferencialmente pelo corpo médico do próprio INPS e que assim não sendo possível poderiam ser realizados por médicos especializados em perícias, cuja formação e aperfeiçoamento o INPS deveria promover. O texto ainda faz menção a dois elementos novos na regulamentação da Previdência Social, o instituto da homologação e o médico credenciado.

O Manual do Médico-Perito publicado pelo INPS no ano de 1967 [5] dividia os médicos que atuavam em perícia previdenciária em um grupo denominado quadro próprio e outro de conveniados. Estabelecia-se uma hierarquia, definindo-se a homologação como o ato pelo qual um Médico de hierarquia superior confirmava a conclusão de outro hierarquicamente inferior, visando “maior rapidez e facilidade administrativa e “uniformidade e segurança técnicas indispensáveis ao bom resultado dos trabalhos médico-periciais.

O Decreto informava que o seguro de acidentes de trabalho seguia regido conforme o disposto no Decreto-Lei n.º 293/1967 e preservava uma operação financeira executada desde o Decreto n.º 24.637/1934, qual seja: embora dispondo de regimentos diversos, sempre informando-se que a percepção dos benefícios garantidos primeiro pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões e depois pelo INPS e aqueles decorrentes de acidente de trabalho teriam caráter autônomo e acumulável, parte da indenização devida ao trabalhador vítima de acidente de trabalho deveria ser revertida primeiro aos Institutos de Aposentadoria e Pensões e depois ao INPS.

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6. O surgimento do termo “Auxílio-Acidente”.

A Lei que integrou o seguro de acidentes do trabalho à Previdência Social, Lei nº 5.316, de 14 de setembro de 1967, traz pela primeira vez no ordenamento jurídico pátrio a expressão “Auxílio-Acidente”, exatamente assim, entre aspas, nela constando que o referido benefício seria devido em caso de comprometimento permanente da capacidade laboral superior a 25%, na forma de parcelas mensais, integrando o salário de contribuição para o cálculo de outros benefícios não resultantes do acidente que o ensejou. Em caso de comprometimento igual ou menor que 25% da capacidade laboral, seria devida ao trabalhador indenização em parcela única.

A ocorrência do acidente de trabalho deveria ser comunicada à Previdência Social e o custeio das prestações daí decorrentes continuava como encargo exclusivo das empresas, com contribuição que variava entre 0,4% a 1,0% da folha de salários, conforme a natureza da atividade e os riscos inerentes.

Como inovação, a lei pretendeu estabelecer competência para os dissídios dela decorrentes à Justiça Federal (art. 16), dispositivo que teve a sua execução suspensa pela Resolução do Senado Federal n.º 1 de 1970, com base em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, de 18 de outubro de 1967, que determinou a sua inconstitucionalidade no julgamento do Conflito de Jurisdição n.º 3.893 movido pelo Estado da Guanabara.

Conclusão

Instalado pelo Decreto-Lei n.º 7.551, de 15 de maio de 1945, o ISSB não resistiu à deposição de Vargas e a criação de um sistema de seguridade sob tutela estatal teve que aguardar por mais de uma década, sendo finalmente implantado, talvez não coincidentemente, em outro momento de restrição de direitos políticos. Ainda assim, o seguro de acidente de trabalho não mereceu plena integração à Previdência Social, mantido que foi sob jurisdição ordinária.

Referências

[1]. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. A Era Vargas: dos anos 20 a 1945 - Diretrizes do Estado Novo (1937 - 1945) > Queda de Vargas e fim do Estado Novo. http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/QuedaDeVargas

[2]. MACHADO, Aline Martins. Regras gerais e de transição para a concessão da aposentadoria para o servidor público e a aplicação da lei no tempo. 2008. Disponível em http://siaibib01.univali.br/pdf/Aline%20Martins%20Machado.pdf.

[3]. SILVA, Arthur Laércio Homci da Costa. A evolução histórica da previdência social no Brasil. Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/30344-31376-1-PB.pdf.

[4]. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. INSTITUTO NACIONAL DE PREVIDENCIA SOCIAL. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/instituto-nacional-de-previdencia-social-inps, consultado em 08 de setembro de 2017

[5]. INSTITUTO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. Manual do Médico-Perito, 1967. Acervo da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social - ANMP

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Sobre o autor
Marco Antonio Veloso

Médico, Bacharel em Direito, Perito Médico Previdenciário, Perito Médico Legal, Perito Médico Judicial, cumpriu programa de Residência Médica em Cirurgia Geral, cursou especialização em Medicina do Trabalho e em Auditoria Médica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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