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Violência doméstica: breves notas sobre a Lei º 13.641/2018

11/04/2018 às 15:00
Leia nesta página:

Nos termos da nova lei, descumprida a medida protetiva de urgência deferida pelo juízo cível, o caso será de prisão em flagrante do agressor, com o seu encaminhamento à autoridade policial para lavratura do auto.

A Lei nº 13.641, de 3 de abril de 2018, alterando a Lei Maria da Penha, para tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência, assim dispõe:

“Seção IV

Do Crime de Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência

Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência

Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

§1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.

§2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.

§3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis”.

Logo de início, pode se dizer que a Lei nº 13.641/2018 interrompeu o ciclo de uma jurisprudência que se desenvolvia no sentido da atipicidade do descumprimento da medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha. Para esta corrente, até então formada, o inadimplemento da medida protetiva de urgência deveria gerar como consequência a imposição de multa (astreintes) e a prisão preventiva do agressor.

Confira-se:

“DIREITO PENAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA.

O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330 do CP). De fato, a jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que, para a configuração do crime de desobediência, não basta apenas o não cumprimento de uma ordem judicial, sendo indispensável que inexista a previsão de sanção específica em caso de descumprimento (HC 115.504-SP, Sexta Turma, Dje 9/2/2009). Desse modo, está evidenciada a atipicidade da conduta, porque a legislação previu alternativas para que ocorra o efetivo cumprimento das medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha, prevendo sanções de natureza civil, processual civil, administrativa e processual penal. Precedentes citados: REsp 1.374.653-MG, Sexta Turma, DJe 2/4/2014; e AgRg no Resp 1.445.446-MS, Quinta Turma, DJe 6/6/2014. RHC 41.970-MG, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/8/2014”.

“DIREITO PENAL. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA.

O descumprimento de medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha (art. 22 da Lei 11.340/2006) não configura crime de desobediência (art. 330 do CP). De fato, o art. 330 do CP dispõe sobre o crime de desobediência, que consiste em ‘desobedecer a ordem legal de funcionário público’. Para esse crime, entende o STJ que as determinações cujo cumprimento seja assegurado por sanções de natureza civil, processual civil ou administrativa retiram a tipicidade do delito de desobediência, salvo se houver ressalva expressa da lei quanto à possibilidade de aplicação cumulativa do art. 330 do CP (HC 16.940-DF, Quinta Turma, DJ 18/11/2002). Nesse contexto, o art. 22, § 4º, da Lei 11.340/2006 diz que se aplica às medidas protetivas, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 do CPC, ou seja, no caso de descumprimento de medida protetiva, pode o juiz fixar providência com o objetivo de alcançar a tutela específica da obrigação, afastando-se o crime de desobediência. Vale ressaltar que, a exclusão do crime em questão ocorre tanto no caso de previsão legal de penalidade administrativa ou civil como no caso de penalidade de cunho processual penal. Assim, quando o descumprimento da medida protetiva der ensejo à prisão preventiva, nos termos do art. 313, III, do CPP, também não há falar em crime de desobediência. REsp 1.374.653-MG, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/3/2014”.

Com a edição da nova Lei nº 13.641/2018 está encerrada qualquer discussão acadêmica ou jurisprudencial: o descumprimento da medida protetiva de urgência prevista na Lei Maria da Penha configura o crime do Art. 24-A.

O núcleo do tipo penal, ou seja, o verbo que descreve a conduta proibida pela lei penal, é “descumprir”, o que denota que somente admitido o dolo, a vontade livre e consciente, para a caracterização do delito, visando o agente o abalo à integridade física e psicológica da ofendida.

Na prática, sabe-se que a vigência e o desenvolvimento das medidas protetivas de urgência envolvem a complexa discussão e acerto de muitas matérias relacionadas ao juízo de família. Não é raro a própria ofendida, ignorando a vigência da medida protetiva a seu favor, manter contato com o agressor para debater acerca da pensão alimentícia, guarda de filhos menores, divisão de bens etc. Nestes casos, os juízes terão muito trabalho para a aplicação da nova lei, dada a diversidade das próprias medidas de proteção.

A Lei nº 13.641/2018, apesar de prever uma pena muito branda para o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, 03 meses de detenção, autorizando o regime aberto, em alguns raríssimos casos – dada a quase concomitância das ações – a condenação neste tipo penal poderá importar no regime fechado se o agressor já tiver sido condenado pela violência doméstica com trânsito em julgado, caracterizando-se, assim, sua reincidência para fins do Art. 33, §2º, “c”, do Código Penal. Certamente, aumentarão o número de apelações contra a sentença condenatória por lesões corporais e ameaça, obstaculizando a formação do prematuro trânsito em julgado (reincidência).

Um ponto muito positivo da Lei nº 13.641/2018 foi o de consagrar definitivamente a possibilidade do deferimento de medidas protetivas de urgência pelo juízo com competência cível, notadamente o de família e infância e juventude.

Vejamos:

“Art. 24-A. (...)

§1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas”.

A Lei nº 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima de violência, em seu Art. 6º, prevê que o menor tem direito a pleitear na Vara da Infância, por meio de seu representante legal, medidas protetivas contra o autor da violência, com aplicação à luz da Lei Maria da Penha (parágrafo único).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também já caminhava neste sentido da possiblidade do deferimento de medidas protetivas de urgência pelo juízo com competência cível:

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“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA PENHA). INCIDÊNCIA NO ÂMBITO CÍVEL. NATUREZA JURÍDICA. DESNECESSIDADE DE INQUÉRITO POLICIAL, PROCESSO PENAL OU CIVIL EM CURSO.

1. As medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006, observados os requisitos específicos para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor.

2. Nessa hipótese, as medidas de urgência pleiteadas terão natureza de cautelar cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a outro processo cível ou criminal, haja vista que não se busca necessariamente garantir a eficácia prática da tutela principal. ‘O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e das situações que a favorecem. Não são, necessariamente, preparatórias de qualquer ação judicial. Não visam processos, mas pessoas’ (DIAS. Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. 3 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012).

3. Recurso especial não provido.

(REsp 1419421/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe 07/04/2014)”.

Nos termos da nova lei, descumprida a medida protetiva de urgência deferida pelo juízo cível, o caso será de prisão em flagrante do agressor, com o seu encaminhamento à autoridade policial para lavratura do auto. Ponto final.

A fiança poderá ser arbitrada pelo delegado de polícia nos crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher (lesão corporal), como autoriza o Art. 322 do Código de Processo Penal. Mas somente poderá ser concedida pelo juiz no crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência (Art. 24-A, §2º, da Lei nº 13.641/2018).

O Art. 24-A, §2º, da Lei nº 13.641/2018, prevê que a imputação do crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. Autorizando dizer que o agressor mesmo autuado em flagrante por este delito poderá, de outro lado, ver sua prisão preventiva decretada nos autos da violência doméstica anteriormente praticada.

Por fim, cabe uma última consideração. Quem conhece bem as Varas de Violência Doméstica do País e seu dia a dia sabe que muitas se encontram no seu limite de funcionamento, abarrotadas de processos, o que, muitas vezes, gera a prescrição de ações penais, malgrado a dedicação diuturna de seus juízes. A Lei nº 13.641/2018, criando o tipo penal de descumprimento de medidas protetivas, praticamente dobrará o volume de ações nesses Juizados. Lembrando que as Delegacias da Mulher também sofrerão a majoração do volume de inquéritos, nessa mesma proporção.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público dos Direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Carlos Eduardo Rios. Violência doméstica: breves notas sobre a Lei º 13.641/2018. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5397, 11 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65220. Acesso em: 21 nov. 2024.

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