Prescrição penal e o aumento dos prazos: as muletas de um Estado ineficiente

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5. A incidência do Princípio da Proporcionalidade

O sistema penal brasileiro adotou uma sistemática própria para contabilizar o prazo prescricional, onde há uma relação diretamente proporcional com a duração das penas. Ou seja, quanto maior for a pena cominada ao tipo, maior o prazo prescricional, e vice-versa. E a razão é óbvia: crimes que possuem uma carga penal avantajada pressupõem um grau de periculosidade maior, ou seja, há uma notável reprovabilidade social, o que justifica um lapso prescricional superior para o estado exercer o ius puniendi; em contrapartida, um crime que obtém uma pena menos grave, corresponde à prescrição em menor prazo.

Um dos documentos mais importantes da história, qual seja, a Declaração dos Direitos do Homem do Cidadão, de 1789, já exigia a observância ao postulado da proporcionalidade, ao dizer que “a lei só deve cominar penas estritamente necessárias e proporcionais ao delito”. Ou seja, a proporcionalidade era o intermédio entre a gravidade do crime praticado e a sanção a ser aplicada. No entanto, é através do constitucionalismo moderno que este princípio se enraizou e tornou-se apto a nortear as diversas atividades legislativas nos sistemas jurídicos contemporâneos.

O campo onde floresceu este princípio é o iluminismo, mais especificamente as emergentes idéias liberais do século XVIII. Advogando em prol da liberdade, demandava-se o isolamento do estado na vida privada do cidadão; ou seja, repudiava-se toda forma de autoritarismo do Estado, protegendo o indivíduo de toda forma de punição desnecessária ou exagerada. E, obviamente, a mentalidade partilhada entre os povos revolucionou-se: de culto à figura estatal e dos burocratas como pacificadores, ao respeito à dignidade humana e a vedação ao excesso.

O professor Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 881) ensina:

“O modelo político consagrado pelo Estado Democrático de Direito determina que todo o Estado – em seus três Poderes, bem como nas funções essenciais à Justiça- resulta vinculado em relação aos fins eleitos para a prática dos atos legislativos, judiciais e administrativos. Noutros termos, toda a atividade estatal é sempre vinculada axiomaticamente pelos princípios constitucionais explícitos e implícitos. As conseqüências jurídicas dessa constituição dirigente são visíveis. A primeira delas verifica-se pela consagração do principio da proporcionalidade, não apenas como simples critério interpretativo mas também como garantia legitimadora de todo o ordenamento jurídico infraconstitucional. Assim, deparamo-nos com um vínculo constitucional capaz de limitar os fins de um ato estatal e os meios eleitos para que tal finalidade seja alcançada”

Percebe-se, ademais, a primazia dada à preocupação de todo ato estatal atender uma finalidade política traçada não pelos preceitos subjetivos do próprio administrador, legislador ou magistrado, mas, sim, por valores éticos, objetivos compreendidos da própria Carta Política. E, para alçar este escopo, há que observar os limites da proporção: “utilizar-se de meios adequados e abster-se de utilizar recursos desproporcionais”.

A incidência deste princípio não se limita apenas à confrontação de leis, um ato meramente um abafador de conflitos. Segundo o ministro Gilmar Mendes, “a doutrina identifica como típica manifestação do excesso de poder legislativo a violação do principio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, que se revela mediante contraditoriedade, incongruência e irrazoabilidade ou inadequação entre meios e fins”

Ou seja, o seu campo de atuação caracteriza-se, também, como medida preventiva ao próprio exercício imoderado do poder de legislar. Constitui um verdadeiro freio às intenções degeneradas dos legisladores. Vedando leis infraconstitucionais contraditórias, obscuras, ou, principalmente, desnecessárias.

Corrobora com o exposto acima o voto do Ministro Celso de Mello em 2008:

“Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O exame da adequação de determinado ato estatal ao principio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições emanadas do Poder Público. (HC n. 94.404 MC/SP)”

Por isso, chamamos atenção para a teoria do sistema de freios e contrapesos, onde, além das funções típicas, os poderes da união exercem funções atípicas – e, uma delas, é a fiscalização concomitante. Logo, se estamos falando em principio da proporcionalidade, nada melhor que os poderes se auxiliarem mutuamente entre si, sanando os excessos uns dos outros. No campo constitucional já existe uma figura jurídica para isso, de competência do Poder Judiciário, denominado de controle de constitucionalidade.

Por fim, acreditamos que a atuação estatal deve-se limitar – no âmbito penal, em se tratando de restrição de direitos – na proteção de bens jurídicos relevantes. Deve haver compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a prevenir restrições inúteis a direitos fundamentais. Consoante entendimento do supracitado Ministro (MENDES, 2017), um juízo definitivo sobre proporcionalidade deve resultar de um equilíbrio entre a real intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador.

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Conclusão

Através deste estudo podemos inferir que o instituto da prescrição é de suma importância, tanto para o direito penal, quanto para o constitucional, visto que a prescrição é um freio ao poder estatal, é um limitador de seu direito de punir.

A partir do momento que o Estado tomou para si a jurisdição, o poder de dirimir os conflitos particulares, ele adquiriu também o direito de se fazer obedecido, podendo punir, se necessário. O terrível abuso do ius puniendi estatal fez com que um grupo de pensadores, ao longo de anos, desenvolvesse teorias que defendessem o indivíduo contra arbitrariedades praticadas. E, após muito estudo e discussões, conceberam o instituto da prescrição.

Conforme já explanado, a prescrição extingue a punibilidade quando decorrido um lapso temporal superior ao que o Estado tinha para executar sua pretensão punitiva. A criação do prazo prescricional teve o princípio da proporcionalidade como guia, por mais que estes prazos pareçam inacabáveis.

Por fim, podemos concluir que, à luz dos princípios constitucionais, fica evidente a necessidade de uma reanálise legal do instituto da prescrição. Eis que, ao invés de ela cumprir seu papel de defensora da dignidade humana face às arbitrariedades estatais, os prazos a ela conferidos estão sendo ampliados, cada vez mais (vide Lei 12.234/2010), para encobrir a ineficiência estatal de oferecer recursos para os órgãos jurisdicionais, e estes possam cumprir seus dignos papéis constitucionais.

 


Bibliografia

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GRECO, Rogério. Código Penal: Comentado. 11. ed. Niterói: Impetus, 2017.

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ROSA, Alexandre Morais da. A efetivação do direito fundamental à duração razoável do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.

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Sobre os autores
João Marcelo Thomaz Mendes

Bacharel em Direito - Universidade Estadual de Maringá

Matheus Kehl de Bastos

Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Maringá.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Sabendo que estamos à mercê de obtusos empreendimentos estatais a fim de aviltar nossas liberdades ou, qualquer outro direito fundamental, crível se faça conhecer toda sorte de arsenais jurídicos que ainda nos restam para nos defendermos do ius puniendi estatal.

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