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A segurança jurídica face à revisão de contratos de financiamento de veículos automotivos

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11/01/2019 às 08:00
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2. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO AUTOMOTIVO

A estabilidade da economia brasileira tem proporcionado e estimulado aos consumidores a aquisição de automóveis, novos ou usados, por meio de financiamentos. Esse fato, associado ao incentivo industrial no âmbito automobilístico e à abertura de crédito, resultou num expressivo aquecimento do mercado.

Logo, surgiram inúmeros problemas advindos desse cenário como o grande número de inadimplementos, a utilização de cláusulas abusivas por parte das financeiras e o aumento das demandas judiciais, tendo como objeto os contratos de financiamento automotivos.

Este capítulo busca esclarecer os contratos de financiamento para aquisição de automóveis de forma a analisar as modalidades desses contratos, suas características e peculiaridades e a legislação que tutela as relações consumistas, com base no ordenamento jurídico e jurisprudência.

2.1. Definição de Contrato de Financiamento Automotivo

Como já demonstrado anteriormente, o surgimento dos contratos se confunde com o surgimento das sociedades. No mesmo sentido, desde as comunidades primitivas, havia a figura de um líder, que dentre os sujeitos delimitava normas, direitos e deveres sobre seus súditos. Atualmente, é o Estado quem realiza o exercício da soberania popular, de acordo com a organização estabelecida constitucionalmente.

Assim, a República Federativa do Brasil, como Estado Democrático de Direito, delimita as relações sociais por meio do ordenamento jurídico, a fim de proporcionar o bem comum. Tais normas devem ser obedecidas por todos e a obrigatoriedade que lhes é vinculada busca não somente a manutenção da ordem pública, mas também a justiça social:

Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças, mais somente unir e dirigir as já existentes, não lhes resta outro meio, para se conservarem, senão formando, por agregação, uma soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência pô-los em movimento por um único móbil e fazê-los agir de comum acordo (ROUSSEAU, 2010, p. 20).

O Estado, portanto, deve agir como representante da sociedade, como se ela própria ali estivesse, para a elaboração de normas vinculadas a todos. Eis que os cidadãos, sobre este manto, estão atrelados a tal entendimento como única forma de se atingir o bem comum. Isso porque, os interesses do povo devem ser vistos de uma forma que abrange o todo, e não interesses de grupos ou indivíduos específicos.

Dessa forma, a legislação em torno dos contratos deve garantir que a vontade das partes em contratar esteja assegurada, tanto no sentido da segurança jurídica quanto aos meios de coibir abusos pelo lado mais forte do contrato. Nota-se que a ideia da liberdade contratual é oprimida pelo reconhecimento das desigualdades atinentes à relação contratual.

Nessa linha, Cordeiro tece as seguintes considerações:

Passa-se, então, a uma ideia de liberdade contratual desenfreada, cujo conteúdo não abria espaço para o reconhecimento das desigualdades materiais subjacentes à relação contratual. Em uma ordem geral de liberdade contratual tendencialmente ilimitada, todos são formalmente iguais entre si pelo fato de as operações econômicas entabuladas derivarem de livres manifestações de vontades individuais. A operação de validação jurídica do contrato, então, esgota-se na verificação das declarações volitivas dos contratantes que, uma vez exteriorizadas em consonância com os cânones legais, vinculavam-nos inexoravelmente. (CORDEIRO, 2009, p. 46-47).

A liberdade contratual deve estar restringida, portanto, a partir da ideia de equivalência entre as partes pactuantes. É assim que o Estado procura garantir a validade das operações econômicas e contratuais como resultado da vontade das partes em realizar o negócio jurídico, coibindo os excessos que são contrários às leis. Logo, a concepção que adere a liberdade contratual sem limites não se converge aos preceitos democráticos nem republicanos.

Os contratos que possuem como objeto o financiamento de veículos são revestidos de formas para que estejam disponíveis aos consumidores possibilidades de crédito. Assim, aquele que pretende adquirir um automóvel, porém, não possui condições de realizar o pagamento total de uma só vez, possa acertar com o fornecedor outro meio do cumprimento da obrigação, que não à vista, mas em parcelas acordadas no momento da formação do contrato.

Esse acontecimento deriva de uma nova realidade contratual massificada que adere aos contratos de longa duração nos mais diferentes âmbitos, inclusive para a aquisição de veículos automotivos. O consumidor assume o compromisso de quitar o automóvel em parcelas mensais que podem chegar até seis anos, isto é, setenta e dois meses.

Ressalta-se o importante papel do Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei nº 8.078 de 1990, nos financiamentos de automóveis. Esse dispositivo legal surge com o objetivo de equiparar consumidores e fornecedores, visto a vulnerabilidade do primeiro com relação ao segundo. Logo, as regras que regem os contratos de financiamento de veículos automotivos são compostas por legislação específica em consonância com o Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, os contratos de financiamento automotivos são aqueles negócios jurídicos realizados pelos consumidores que desejam adquirir um automóvel por meio de linhas de crédito. O financiamento pode adotar modalidades diferentes, seja pelo crédito direto ao consumidor, pelo leasing[5], ou pelo consórcio, que serão analisadas adiante.

2.2. Tipos de Financiamento

Os financiamentos para compra de carros novos ou usados podem ser realizados em três modalidades: crédito direto ao consumidor (CDC), leasing e consórcio. Dentre as formas de contrato disponíveis para a aquisição de veículos automotivos o consumidor deve optar por aquela que melhor se encaixa aos seus objetivos e condições em que seja possível o fiel cumprimento do negócio.

Assim, esse tópico é dedicado a análise de cada modalidade de financiamento automotivo apresentando a conceituação, as características e peculiaridades de cada uma.

2.2.1. Leasing

A modalidade de financiamento de veículo denominada leasing, ou arrendamento mercantil, é regida por norma própria, a Lei nº 6.099 de 12 de setembro de 1974. Seu conceito é estabelecido no parágrafo único do art. 1º desse dispositivo nos seguintes termos:

Art. 1º (...)

Parágrafo único - Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta (BRASIL, 2013).

A concepção adotada pela Lei não é clara quanto às condições desta forma de contrato, apontando apenas as partes do negócio jurídico, sendo o arrendador a parte autorizada e fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, visto que irá realizar uma operação financeira; o arrendatário é a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado que deseja contratar com o arrendador. O objeto do contrato, que pode ser móvel ou imóvel, deve seguir as determinações estipuladas pela parte arrendatária.

A análise do leasing, no sentido etimológico é a seguinte:

A expressão leasing vem do verbo to lease e do sufixo ing, utilizada nos Estados Unidos, e significa alugar, ceder onerosamente ou arrendar. Na Itália, denomina-se locazione finanziaria; na França, credit-bail; na Bélgica, location financement; na Inglaterra, hire-purschase; e no Brasil, arrendamento mercantil (MONTEIRO; MALUF; SILVA, 2010, p. 478).

A ideia por traz do leasing, de acordo com sua origem etimológica, é o aluguel, a cessão onerosa, o arrendamento. Como a origem do termo é americana, no Brasil se concebe, legalmente, como arrendamento mercantil.

Venosa acrescenta:

O termo leasing é o particípio substantivado do verbo to lease (alugar, arrendar), na língua inglesa. Sua derivação, portanto, provém do sistema anglo-saxão, mais propriamente dos EUA, onde começou a ser utilizado. Em estreita síntese, significa contrato de locação com opção de compra pelo locatário. Participam do negócio o locador ou arrendador (lessor) e o locatário ou arrendatário (lessee). Embora o meio jurídico nacional admita a expressão arrendamento mercantil, não muito adequado ao conteúdo do instituto, o termo leasing consagrou-se na doutrina e na jurisprudência pátrias, com conteúdo e compreensão perfeitamente conhecidos. O mesmo instituto recebe o nome de crédit bail (empréstimo-locação) na França; prestito locativo, finanziamento di locazione e locazione finanziaria, na Itália; location financement, na Bélgica; hire purchase, na Inglaterra. Em todas as denominações, ressalta-se o aspecto de financiamento, noção presente com mais ou menos realce nas diversas modalidades do instituto. O rótulo de locação financeira, admitido pelo direito comparado, seria a melhor denominação para o instituto. De fato, o leasing apresenta atualmente várias espécies, surgidas conforme as necessidades negociais. (VENOSA, 2010, p. 535).

Conforme Venosa (2010) leciona, o leasing é adotado em diversos países. Contudo, essa modalidade contratual é subdivida em diferentes formas, de acordo com as necessidades negociais. Independente da forma do leasing, nele está vinculado o aspecto financeiro.

Apesar de o leasing apresentar aspectos semelhantes com a locação, entre ambos existem diferenças, como aponta Gonçalves (2010, p. 685):

Embora muito se assemelhe á locação, trata-se de uma forma intermediária entre a compra e venda e a locação. É, na realidade, um contrato complexo, um misto de financiamento, promessa de compra e venda e locação, regulado pela Lei 6.099, de 12 de setembro de 1974 (Lei do Arrendamento Mercantil), que dispõe sobre o tratamento tributário dessa espécie de operação financeira. O tema leasing traz em si sempre a noção de financiamento, cujo âmbito deve ser tratado adequadamente para se evitarem distorções. O financiamento é conceito econômico que pode integrar vários contratos, sendo o mútuo o principal deles, mas não é uma categoria jurídica, como acertadamente enfatiza MIRANDA LEÃO. (GONÇALVES, 2010, p. 685)

Logo, mesmo havendo pontos parecidos com o contrato de locação, o leasing não se confunde com este, já que também apresenta características de financiamento e de promessa de compra e venda. O arrendamento mercantil é a espécie de financiamento, dentro do conceito econômico, que apresenta características ímpares, já que se constitui de peculiaridades de outras formas contratuais, o que o faz ser considerado como uma forma complexa de financiamento para aquisição de veículos automotivos.

A natureza jurídica do leasing é consensual; solene, já que só se admite a forma escrita, comutativo, pois as partes ajustam suas obrigações previamente; de trato sucessivo, diante do prazo estabelecido; e de adesão, já que o contrato é imposto pelo arrendador sem participação de sua formação pelo arrendatário.

2.2.2. Consórcio

A espécie de contrato denominada consórcio, tem, por sua natureza, a ideia de possibilitar que consumidores possam realizar a aquisição de veículos por meio do autofinanciamento. Isso significa que são formados grupos, pelas administradoras de consórcio, que se interessem pela aquisição da mesma espécie de bem, contemplando cada integrante conforme os ditames do contrato.

Regido pela Lei nº 11.795 de 08 de outubro de 2008, a modalidade de contrato consórcio é definida da seguinte maneira:

Art. 2º Consórcio é a reunião de pessoas naturais e jurídicas em grupo, com prazo de duração e número de cotas previamente determinados, promovida por administradora de consórcio, com a finalidade de propiciar a seus integrantes, de forma isonômica, a aquisição de bens ou serviços, por meio de autofinanciamento (BRASIL, 2013).

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De acordo com o dispositivo legal apresentado, o consórcio cuida de uma forma de contratar onde a administradora do mesmo determina, previamente, qual será o prazo de duração para o pagamento das parcelas. O número de cotas também é previamente determinado. Os integrantes do consórcio podem ser tanto pessoas jurídicas como pessoas físicas.

Nota-se que esta espécie de contrato possui como finalidade propiciar a aquisição de bens ou serviços. Para efeitos deste estudo o objeto de tais contratos são os veículos automotivos, de forma isonômica. Ou seja, as obrigações dos integrantes são equivalentes e o interesse do grupo prevalece sobre o individual.

Marques explica sobre o consócio:

Trata-se de um contrato de prestação de serviços, em que a administradora ou lançadora arrecada uma contribuição mensal de cada pessoa do grupo de consorciados para a formação de um fundo comum destinado à aquisição para cada consumidor de um bem. A administradora arrecada e gere o fundo, administra o grupo, promove os sorteios, organiza os lances e fornece àquele de direito, ao fim, uma carta de crédito para que possa adquirir o bem na revendedora do produto (a qual teoricamente não tem relação contratual com o consumidor, pois é pessoa jurídica diferente). (MARQUES, 2011, p. 570).

Como se vê, a obrigação dos integrantes de um grupo de consórcio se constitui em realizar um pagamento mensal sobre o valor acordado à prestadora de serviços que criou tal grupo. Essa administradora, por sua vez, deve arrecadar as prestações dos integrantes, ou seja, receber o pagamento das parcelas mensalmente, e gerir esse fundo.

Além disso, a administradora deve promover os sorteios que irão contemplar os integrantes com a entrega da carta de crédito, bem como organizar os lances. Nos termos do art. 24 da Lei 11.795 de 2008, “o crédito a que faz jus o consorciado contemplado será o valor equivalente ao do bem ou serviço indicado no contrato, vigente na data da assembleia geral ordinária de contemplação” (BRASIL, 2013).

Dessa forma, pode-se dizer que há duas maneiras de ocorrer a contemplação dos integrantes do consórcio: pelo sorteio e pelo lance, que serão realizados conforme estabelecido no próprio contrato. Sendo contemplado, o consumidor tem direito ao crédito determinado na assembleia geral ordinária de contemplação.

O vínculo do consumidor neste caso é com a administradora do consórcio, e não com a revendedora do bem. É por esse motivo que o crédito contemplado pela primeira pode não necessariamente ser utilizado para a aquisição do bem, mas sim destinado para a quitação total de financiamento de sua titularidade, como determina o art. 22, § 3º da Lei do Consórcio, desde que tenha “prévia anuência da administradora e ao atendimento de condições estabelecidas no contrato de consórcio de participação em grupo” (BRASIL, 2013).

Almeida acrescenta:

O consorciado terá direito à compensação ou à restituição das parcelas quitadas, considerando-se nulas de pleno direito as cláusulas que disponham em sentido inverso (art. 53, § 2º c/c o caput). Com uma restrição: a administradora do consórcio poderá descontar do consorciado a vantagem econômica auferida com a fruição, ou seja, com o uso do bem em sua posse temporária, bem como os prejuízos causados ao grupo com sua saída. Feitas essas deduções, o consorciado não poderá ser obstado de desistir do contrato, nem impedido de receber a restituição ou de compensar-se. (ALMEIDA, 2009, p. 162).

No caso de participantes excluídos do grupo que não tenham sido contemplados, estes terão direito à restituição do valor repassado ao fundo comum do grupo. Contudo, tal valor deve considerar o percentual amortizado do valor do bem, os rendimentos da aplicação financeira a que estão sujeitos, ao mesmo tempo, a administradora tem o direito de descontar do consorciado toda a vantagem econômica que pode ser auferida com o uso do bem, no tempo da posse temporária, além dos prejuízos que venha a ter causado ao grupo. Nessa situação a restituição é denominada crédito parcial.

Cabe mencionar as seguintes palavras de Marques:

Assim, em virtude da presença constante de consumidores como pólo contratual, podemos concluir que os contratos de sistema de consócios são típicos contratos de consumo, cuja finalidade justamente é permitir e incentivar o consumo de bens duráveis, que de outra forma não estariam ao alcance do consumidor. Porém, pelos abusos que já ocorreram neste setor, muito salutar que se estabeleça uma equidade, um equilíbrio obrigatório nestes contratos de adesão através das normas do CDC. O Código impõe maior boa-fé e lealdade também quando da formação desses contratos e da informação do consumidor. (MARQUES, 2011, p, 570-571).

De acordo com a autora supracitada, a modalidade de contrato em análise, como contrato típico de consumo, objetiva exatamente tal finalidade, apresentando uma forma de aquisição do bem almejado com mais equidade entre as partes revendedoras e consumidoras. No entanto, pelo fato de se realizar por meio de contrato de adesão, já se constituíram no consórcio uma série de abusos na relação entre o consumidor e a administradora.

Nesse sentido, devem ser aplicadas as normas do Código de Defesa do Consumidor, em consonância com a Lei 11.795 de 2008, naquilo que não conflitarem. Porém, a proteção do consumidor deve ser privilegiada, face aos interesses das administradoras.

 Assim, cabe destacar as seguintes considerações:

Quanto ao tema consórcio, a jurisprudência dos tribunais, após a vigência do CDC, tem manifestado os seguintes posicionamentos: a) o consorciado excluído tem direito à restituição imediata dos valores pagos, corrigidos a partir do desembolso, com juros desde a citação, declarando-se a nulidade da cláusula leonina que manda aguardar o encerramento ao grupo e que manda restituir sem juros e sem correção monetária; b) prevendo o contrato de adesão a grupo de consórcio foro diverso do domicílio do aderente, deve tal cláusula ser desconsiderada, a fim de facilitar o acesso à justiça (...); c) os direitos dos participantes de grupos de consórcio caracterizam-se como individuais homogêneos decorrentes de origem comum (...); d) é impossível a compensação de crédito existente em um grupo de consorciados com o débito em outro, embora se trate do mesmo consorciado, (...); e) a qualquer tempo, pode o consorciado exigir da administração de consórcios prestação judicial de contas (...); f) nos contratos de consórcio para compra de bem imóvel, a relação entre o consorciado e a administradora configura relação de consumo; g) a devolução das parcelas pagas num consórcio de automóveis far-se-á até trinta dias após o encerramento do plano (...); h) à taxa de administração de consórcio não podem ser embutidos outros encargos que não aqueles inerentes à remuneração da administradora (...); i) se houver cláusula contratual que fixe a taxa de administração em valor que exceda o limite legal (...) estará caracterizada a pratica abusiva da administradora de consórcio (...); j) é admitido o ajuizamento de ação em comarca próxima ao domicílio dos autores que lhes facilita o acesso ao Poder Judiciário (...) (ALMEIDA, 2009, p. 163-164).

Após a vigência do Código de Defesa do Consumidor, o entendimento da jurisprudência, como demonstra o autor ora citado acerca dos contratos de consórcio, busca estabelecer a equidade das partes contratuais, considerando a vulnerabilidade dos consumidores face às administradoras dos consórcios.

Quanto à afirmação de que o consorciado excluído tem direito à restituição imediata dos valores pagos, esta se fundamenta na abusividade das cláusulas contratuais previstas no art. 39, do Código de Defesa do Consumidor, incisos V e XII. O primeiro cuida da exigência do consumidor, pela fornecedora do serviço, vantagem manifestamente excessiva. O segundo se constitui quando “deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério” (BRASIL, 2013). Dessa forma, a cláusula leonina que venha a determinar que a restituição do consorciado excluído só venha a acontecer quando do encerramento do grupo, deve ser considerada prática abusiva.

Além disso, o art. 51, inciso II, da Lei nº 8.078 de 1990, considera como cláusula abusiva aquela que possibilita que as administradoras dos consórcios “subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga (...)” (BRASIL, 2013). Assim, mesmo que inadimplente, e por isso excluído do grupo, o consorciado mantém o direito de restituição das quantias realmente efetuadas.

Contudo, a restituição nestes casos, deve ser compensada a vantagem econômica usufruída pelo consumidor, se houver:

Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

§ 1° (Vetado).

§ 2º Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo.

[...] (BRASIL, 2013).

No que tange à cláusula que define como foro diverso do domicílio do consorciado, esta deve ser desconsiderada, diante da possibilidade de sacrifício desproporcional que dela possa advir. Tal situação se fundamenta no art. 6º do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

(...) (BRASIL, 2013).

Assim, considerando os direitos dos consumidores, deve ser garantido ao consorciado o pleno acesso à justiça. Cláusulas que venham a fixar o foro jurisdicional para a solução de conflitos fora do domicílio dos tutelados pela Lei nº 8.078 de 1990, por vezes pode até mesmo impedir que o consumidor tenha acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à reparação e prevenção de danos. Consequentemente, tais cláusulas devem ser desconsideras.

No que se refere aos direitos dos consorciados de um mesmo grupo ser considerados como individuais homogêneos, pode-se afirmar que podem ser interpostas ações coletivas por associações legalmente constituídas. A previsão legal no Código de Defesa do Consumidor sobre os direitos individuais homogêneos é definida em seu art. 81, inciso III como “interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum” (BRASIL, 2013).

As associações legalmente constituídas são as “constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear” (BRASIL, 2013). Dessa forma, quando o grupo todo se sente lesado ou ameaçado de lesão pela administradora, cabe a possibilidade de ação coletiva, desde que atendidas as exigências legais. Contudo, nada impede que ocorra o litisconsórcio do pólo ativo da ação. Ou seja, quando os integrantes do grupo acionem a Justiça numa mesma ação contra a administradora do consórcio.

Quanto à vedação da compensação de crédito existente em um grupo de consorciados com o débito em outro, observa-se a seguinte jurisprudência:

CONSORCIO - COMPENSACAO DO CREDITO EM UM GRUPO COM O DEBITO EM OUTRO - IMPOSSIBILIDADE - E impossível a compensação  de  credito  existente  em  um grupo de consorciados com o debito em outro, embora  se trate do mesmo  consorciado,  porque   os  grupos são autônomos, oriundos de contratos próprios  e formados por  pessoas diferentes (TJPR - 3ª C.Cível - AC - 27076-8 - Curitiba -  Rel.: Nunes do Nascimento - Unânime -  - J. 22.06.1993). (NASCIMENTO, on line)

De acordo com a decisão apresentada, não há de se cogitar a compensação de crédito de um grupo de consórcio em outro grupo. Isso se deve ao entendimento de que cada grupo é autônomo, formado por integrantes próprios e contratos específicos.

Além disso, a ideia que compõe a formação do contrato de consórcio é justamente a aquisição de um determinado bem. Ao ser contemplado, a administradora “deve realizar o pagamento do bem, conjunto de bens, serviço ou conjunto de serviços a que o contrato esteja referenciado”, conforme o art. 12 da Circular nº 003432, elaborada pelo Banco Central em 2009. Deve-se observar também as regras do contrato, pois pode haver a possibilidade de recebimento do valor do crédito em espécie conforme a natureza contratual, assim, o consorciado contemplado pode dar o destino que preferir ao seu crédito.

A administradora do consórcio deve prestar contas: a “assembleia geral ordinária será realizada na periodicidade prevista no contrato de participação em grupo de consórcio.” (BRASIL, 2013), nos termo do art. 18 da Lei do Consórcio. Quanto à prestação judicial de contas cujo consorciado pode exigir da administradora, esta só se dará após a formação do litígio cujo objeto seja a administração dos valores arrecadados.

No que se refere à devolução das parcelas pagas, num consórcio de automóveis que tenha sido encerrado, far-se-á até trinta dias após o encerramento do plano. Considerando os juros dessa data e a correção monetária de cada desembolso.

Ressalta-se que os valores agregados nas parcelas acordadas entre o consorciado e a administradora não podem embutir outros encargos que não aqueles inerentes à remuneração da administradora. Ademais, no caso de existência de cláusula contratual que fixe a taxa de administração em valor que exceda o limite legal. Observam-se os seguintes dispositivos da Lei do Consórcio:

Art. 5º (...)

§ 3º A administradora de consórcio tem direito à taxa de administração, a título de remuneração pela formação, organização e administração do grupo de consórcio até o encerramento deste, conforme o art. 32, bem como o recebimento de outros valores, expressamente previstos no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, observados ainda os arts. 28 e 35.

Art. 28.  O valor da multa e de juros moratórios a cargo do consorciado, se previstos no contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão, será destinado ao grupo e à administradora, não podendo o contrato estipular para o grupo percentual inferior a 50% (cinquenta por cento).

Art. 35.  É facultada a cobrança de taxa de permanência sobre o saldo de recursos não procurados pelos respectivos consorciados e participantes excluídos, apresentado ao final de cada mês, oriundos de contratos firmados a partir da vigência desta Lei, nos termos do contrato de participação em grupo de consórcio, por adesão (BRASIL, 2013).

Dessa forma, as administradoras de consórcio possuem o direito de receber taxas de administração com fins de remuneração pela formação, organização e administração do grupo de consórcio até o encerramento deste e também de outros valores, como a taxa de permanência sobre saldos de recursos não procurados, determinados no contrato de adesão. Contudo, tais taxas não podem extrapolar os limites legais. Na desobediência à Lei, gera a possibilidade de decretação de prática abusiva, cujo rol se encontra no art. 39 do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, a modalidade de financiamento de veículo denominada consórcio, vem a propiciar aos consumidores a oportunidade de aquisição do bem a partir da formação de grupos de pessoas com o mesmo interesse. O contrato utilizado é o de adesão com prazo de duração e número de cotas previamente determinados.

A formação, organização e administração do grupo são feitas pela concessionária ou administradora. Pelo serviço, a administradora possui o direito de receber taxa de administração, e até mesmo outras taxas, desde que estipuladas no contrato e todas devem respeitar os limites legais.

2.2.3.        Crédito Direto ao Consumidor (CDC)

O Crédito Direto ao Consumidor é uma modalidade de financiamento automotivo que se dá entre uma financeira e a pessoa interessada, não envolvendo na relação a fornecedora do veículo em questão.

Sobre essa espécie de contrato, Marques leciona:

A alienação fiduciária em garantia foi instituída na lei que disciplinou o mercado de capitais. A alienação fiduciária em garantia tem como função principal garantir as operações realizadas pelas empresas de financiamento e investimento, popularmente conhecidas como ‘financeiras’, interessando-nos em especial o chamado ‘crédito direto ao consumidor’. (MARQUES, 2011, p. 603).

O Crédito Direto ao Consumidor é uma espécie de alienação fiduciária, portanto, que visa a compra de determinado bem em prestações. Isso significa que ao realizar esse tipo de negócio jurídico está sendo acordado um contrato de financiamento.

A Lei nº 4.728 de 14 de julho de 1965 foi a norma que criou essa modalidade contratual no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, essa Lei é voltada para o mercado de capitais e, então, o Decreto-Lei 911 de 01 de outubro de 1969 passou a estabelecer normas específicas do processo sobre alienação fiduciária, alterando os dispositivos da primeira. Além disso, esse tipo de contrato deve obedecer às regras do Código Civil e também do Código de Defesa do Consumidor.

Destaca-se que nesse tipo de relação, o consumidor participa de dois contratos. Um é de natureza de compra e venda, firmado com a revendedora do veículo. Outro é de natureza de financiamento, junto ao banco que fornece o crédito para realização daquele.

Nesta situação há alienação fiduciária do bem em garantia. Ou seja, o veículo objeto contratual fica alienado ao banco, assim, o carro é dado em garantia para a quitação do crédito em caso de inadimplemento.

Contudo, deve-se observar o caput do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor que estabelece:

Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado (BRASIL, 2013).

De acordo com tal dispositivo legal, no inadimplemento das parcelas referentes ao financiamento de automóvel com alienação fiduciária em garantia, devem ser consideradas nulas as cláusulas contratuais que não se convirjam o direito de restituição das parcelas pagas.

Almeida esclarece acerca do Código de Defesa do Consumidor no âmbito da alienação fiduciária:

O objetivo da lei é propiciar entendimento entre as partes, para a solução amigável da pendência, e desestimular o credor de tomar atitudes drásticas como a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. Certamente será mais interessante a via amigável à devolução das prestações pagas. Com tal dispositivo, coíbe-se também o enriquecimento ilícito do credor, que retomaria o bem vendido ou alienado e ainda ficaria com as parcelas pagas, o que, além de imoral, era francamente desfavorável ao consumidor. (ALMEIDA, 2009, p.161).

Portanto, a Lei nº 8.078 de 1990 se apresenta no cenário em que ocorrem os financiamentos automotivos para gerar um equilíbrio entre as partes. A condição de lado vulnerável do consumidor poderia estimular que os credores agissem de forma arbitrária, injusta e imoral, favorecendo o enriquecimento ilícito.

Quando da retomada do bem pela financeira, esta passa a ter o dever de restituir as parcelas pagas até então pelo consumidor. No entanto, essa restituição deve levar em conta a depreciação do bem, as vantagens econômicas obtidas com a sua fruição, além dos possíveis prejuízos que o desistente ou inadimplente venha a causar.

Resta destacar sobre a modalidade de contrato em análise que há, pelo fato de estar sob o manto do Código de Defesa do Consumidor, como nas outras modalidades assinaladas, a possibilidade de reconhecimento de práticas e cláusulas abusivas. Sendo assim, os contratos de Crédito Direto ao Consumidor devem respeitar os limites legais no financiamento, cobrança de taxas e outras formas que venha a se configurar com o enriquecimento ilícito, aproveitando-se o credor da vulnerabilidade do consumidor, reconhecida legalmente e pela jurisprudência.

Portanto, este capítulo buscou analisar os contratos de financiamento de veículos automotivos definindo-os como negócios jurídicos realizados pelos consumidores que desejam adquirir um automóvel por meio de linhas de crédito. O financiamento pode adotar modalidades diferentes, seja pelo crédito direto ao consumidor, ou alienação fiduciária; pelo leasing, também denominado como arrendamento mercantil; ou pelo consórcio.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSOS, Ellen Giulia Gomes. A segurança jurídica face à revisão de contratos de financiamento de veículos automotivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5672, 11 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65734. Acesso em: 21 nov. 2024.

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