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O poder geral de efetivação das decisões judiciais

04/05/2019 às 10:50
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Examina-se o art. 193, IV, do CPC, que contém o poder geral de efetivação das decisões judiciais.

Os poderes-deveres do juiz no processo foram organizados e concentrados no art. 139 do CPC, que, em comparação com o CPC/1973, reduziu os poderes e ampliou os deveres.

Entre eles, está o poder geral de efetivação das decisões judiciais, previsto no art. 139, IV, do CPC, segundo o qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária.

Decorre do princípio da efetividade do processo (art. 4º) e consiste em uma aplicação direta do princípio da atipicidade das medidas executivas, ao permitir a atipicidade dos meios para o cumprimento das decisões judiciais. O magistrado não deve apenas se preocupar em prestar a tutela cognitiva em tempo razoável, mas também em fazer cumprir a sua decisão em um prazo razoável.

Para esse fim, o CPC possibilita um número ilimitado de medidas que podem ser requeridas pelo sujeito processual interessado, ou determinadas de ofício pelo juiz, como meios para assegurar o cumprimento. Por meio desse poder-dever, o juiz pode determinar medidas executivas atípicas para conferir efetividade às suas decisões. Em outras palavras, o juiz tem o poder-dever de criar o meio executivo adequado às peculiaridades do caso.

Dessa forma, o Judiciário pode deixar de agir apenas sobre o patrimônio e atuar sobre a vontade do devedor (inclusive nas obrigações de pagar), com o objetivo de alcançar a efetividade da tutela jurisdicional.

Para esse fim, o dispositivo em exame permite a adoção de medidas:

(a) sub-rogatórias, consistentes na atuação direta do Judiciário no lugar do devedor, com um resultado idêntico ao que seria alcançado com o cumprimento voluntário deste (ex: busca e apreensão do bem móvel, imissão na posse do bem imóvel);

(b) coercitivas, que têm o fim de coagir o próprio obrigado ao cumprimento da obrigação, sob pena de aplicação de uma sanção (ex: a fixação de multa, periódica ou não, pelo descumprimento da decisão, ou a prisão civil do devedor de obrigação de pagar prestação alimentícia);

(c) indutivas, que têm o fim de fazer com que o próprio obrigado cumpra a obrigação, mediante o oferecimento e uma vantagem a ele em virtude do cumprimento voluntário, razão pela qual se afirma que é uma “sanção premial” (ex: redução em 50% dos honorários de sucumbência pelo pagamento da dívida no prazo de 3 dias, na execução de título executivo extrajudicial de obrigação de pagar);

(d) e mandamentais, consistentes em ordens diretas para cumprimento, vinculadas a uma medida de coerção indireta (ex: o cumprimento da decisão sob pena da prática de crime de desobediência, ou o cumprimento definitivo da sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia, no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10% e honorários de 10%).

Todas elas são medidas substitutivas da vontade do destinatário da decisão judicial, para assegurar a sua efetividade. Apenas nas medidas sub-rogatórias não há nenhuma participação do devedor, mas em todas as outras ele participa de forma não voluntária, ou seja, ainda que contra a sua vontade.

Por exemplo, com fundamento no art. 139, IV, do CPC, o juiz pode proibir o devedor de firmar novos contratos enquanto não pagar o contrato objeto de execução, ou determinar a suspensão de seu cartão de crédito ou do passaporte. Ainda, se não for localizado o automóvel dado como garantia do contrato, o juiz pode determinar a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação do devedor.  Afirma-se também que o devedor de tributos pode ser proibido de participar de concursos públicos, considerando que a pessoa jurídica pode sofrer a sanção de proibição de contratar com o poder público, quando devedora de tributos. Não se pode, porém, determinar o pagamento sob pena de prisão, o que, como visto, é autorizado apenas para o devedor da obrigação de prestar alimentos.

A parte final do inciso IV do art. 139 do CPC destaca que a atipicidade das medidas executivas também se aplica ao cumprimento de obrigação de pagar, ou seja, a penhora deixou de ser o único meio permitido para a efetivação das decisões judiciais condenatórias em prestação pecuniária. Logo, por exemplo, além da multa de 10% prevista no art. 523, § 1º, do CPC (medida mandamental), o juiz pode fixar uma outra multa, diária ou em periodicidade diversa, se o devedor persistir no descumprimento (medida coercitiva. 

Recorda-se ainda que as decisões judiciais possuem meios típicos de cumprimento, que variam de acordo com a obrigação: a penhora no cumprimento da obrigação de pagar, a busca e apreensão no cumprimento da obrigação de entrega de coisa, a multa no cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer. Por isso, afirma-se que o inciso IV do art. 139 do CPC permite a atipicidade das medidas executivas. Porém, ressalta-se que essas medidas atípicas (como a cominação de multa diária) são subsidiárias e só podem ser utilizadas após o esgotamento das medidas típicas. Em outras palavras, primeiro devem ser aplicadas as medidas típicas e, apenas no insucesso destas, ser utilizadas as medidas atípicas, com liberdade de escolha para o juiz e o credor, diante do duplo descumprimento da obrigação pelo devedor (voluntariamente e após a tentativa do meio típico).

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. O poder geral de efetivação das decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5785, 4 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65947. Acesso em: 26 abr. 2024.

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