A Constituição Federal dispõe:
Art. 37. Omissis
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
Por sua vez, o art. 37, XI, determina que a remuneração do agente público não deve exceder o subsídio dos Ministros do STF.
O cotejo de ambos os dispositivos faz com que se questione a forma de cálculo do limite a que alude a Carta Magna: se deve ser calculado levando em consideração cada vínculo individualmente ou o somatório da remuneração de todos os vínculos que o indivíduo possui com a Administração Pública.
A matéria foi objeto de decisão com repercussão geral pelo STF em 27 de abril de 2017 e não tiveram os acórdãos publicados até a presente data (repercussão geral 377 e 384). Não obstante, sabe-se que a matéria foi decidida pelo Pleno, por maioria e nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Edson Fachin, da seguinte forma:
Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público (STF. Plenário. RE 612975/MT e RE 602043/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 26 e 27/4/2017) (repercussão geral) (a mesma tese foi fixada para os Temas 377 e 384)
O Informativo STF n. 862 (http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo862.htm) traz breve resumo das razões de decidir do Pleno:
Nos casos autorizados constitucionalmente de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, XI, da Constituição Federal (CF) pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ganhos do agente público.
Com base nesse entendimento, o Plenário, em julgamento conjunto e por maioria, negou provimento a recursos extraordinários e reconheceu a inconstitucionalidade da expressão “percebidos cumulativamente ou não” contida no art. 1º da Emenda Constitucional (EC) 41/2003, que alterou a redação do art. 37, XI, da CF, considerada interpretação que englobe situações jurídicas a revelarem acumulação de cargos autorizada constitucionalmente.
Frisou que a incidência do limitador, considerado o somatório dos ganhos, ensejaria enriquecimento sem causa do Poder Público, pois viabiliza retribuição pecuniária inferior ao que se tem como razoável, presentes as atribuições específicas dos vínculos isoladamente considerados e respectivas remunerações. Ademais, essa situação poderá potencializar situações contrárias ao princípio da isonomia, já que poderia conferir tratamento desigual entre servidores públicos que exerçam idênticas funções. O preceito concernente à acumulação preconiza que ela é remunerada, não admitindo a gratuidade, ainda que parcial, dos serviços prestados, observado o art. 1º da CF, no que evidencia, como fundamento da República, a proteção dos valores sociais do trabalho.
Enfatizou que o ordenamento constitucional permite que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acumulem as suas funções com aquelas inerentes ao Tribunal Superior Eleitoral (CF, art. 119), sendo ilógico supor que se imponha o exercício simultâneo, sem a correspondente contrapartida remuneratória. Da mesma forma, os arts. 95, parágrafo único, I, e 128, § 5º, II, “d”, da CF veiculam regras quanto ao exercício do magistério por juízes e promotores de justiça, de maneira que não se pode cogitar, presente o critério sistemático de interpretação, de trabalho não remunerado ou por valores inferiores aos auferidos por servidores que desempenham, sem acumulação, o mesmo ofício. Idêntica orientação há de ser observada no tocante às demais circunstâncias constitucionais de acumulação de cargos, empregos e funções públicas, alusivas a vencimento, subsídio, remuneração oriunda do exercício de cargos em comissão, proventos e pensões, ainda que os vínculos digam respeito a diferentes entes federativos.
A decisão tem repercussão direta sobre os processos judiciais e administrativos em curso.
Nesse mesmo sentido já era a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que em se tratando de cumulação legítima de cargos, a remuneração do servidor público não se submete ao teto constitucional, devendo os cargos, para este fim, ser considerados isoladamente. (STJ, AgRg no RMS 45.937/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 05/11/2015)
É incongruente que a norma constitucional assegure o direito ao exercício cumulativo de dois cargos efetivos - não restringindo essa prerrogativa nem àqueles que já recebem o teto - e, ao mesmo tempo, impeça o pagamento dos respectivos rendimentos, isto é, conferindo um direito despido de eficácia. Caso se conclua pela incidência do teto constitucional nesses casos, estar-se-á permitindo o exercício gratuito da atividade pública profissional, o que é vedado, sob pena de autorizar-se o enriquecimento ilícito da administração. Ademais, a própria Lei 8.112/90 (art. 4º), norma geral aplicável aos servidores públicos, proíbe a prestação de serviços gratuitos. (STJ. RMS 33.170/DF)
CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE, RECONSIDERANDO DECISÃO ANTERIOR, DEU PROVIMENTO A RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO - CUMULAÇÃO LEGÍTIMA DE CARGOS - TETO CONSTITUCIONAL - APLICABILIDADE A CADA UM DOS CARGOS - DECISÃO MANTIDA - AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Tratando-se de cumulação legítima de cargos, a remuneração do servidor público não se submete ao teto constitucional, devendo os cargos, para este fim, ser considerados isoladamente. Precedentes. 2. Vedação ao enriquecimento sem causa. 3. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg no AgRg no RMS 33100/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, j. 7/5/2013, DJe 15/5/2013)
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS. CARGO TÉCNICO E PROFESSOR. TETO REMUNERATÓRIO. RECURSO PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA. A acumulação de proventos de servidor aposentado em decorrência do exercício cumulado de dois cargos, de técnico e de professor, não se submete ao teto constitucional, devendo os cargos serem considerados isoladamente para esse fim. Recurso ordinário provido para conceder a ordem. (STJ, RMS 33.170/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, Segunda Turma, j. 15/5/2012, DJe 7/8/2012)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO APOSENTADO. CUMULAÇÃO DE CARGOS PERMITIDA CONSTITUCIONALMENTE. MÉDICO. ART. 17, § 2º, DO ADCT. TETO REMUNERATÓRIO. INAPLICABILIDADE 1. Cuida-se, originariamente, de Mandado de Segurança impetrado por Márcia Silva com objetivo de assegurar o pagamento integral da remuneração a que tem direito, relativamente a cada um dos vínculos que mantém com a Administração (dois cargos de médico exercidos na Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo). 2. A partir da vigência da Emenda Constitucional 41/2003, todos os vencimentos percebidos por servidores públicos, inclusive os proventos e pensões, estão sujeitos aos limites estatuídos no art. 37, XI, da Constituição. 3. Por outro lado, a EC 41/2003 restabeleceu a vigência do art. 17 do ADCT que, embora em seu o caput afaste a invocação do direito adquirido ao recebimento de verbas remuneratórias contrárias à Constituição, os respectivos §§ 1º e 2º trazem exceção ao assegurar expressamente o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde. 4. Assim, a acumulação de proventos de servidor aposentado em decorrência do exercício cumulado de dois cargos de médico, legalmente exercidos, nos termos autorizados pela Constituição, não se submete ao teto constitucional, devendo os cargos ser considerados isoladamente para esse fim. 5. Recurso Ordinário provido. (STJ, RMS 38.682/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, j. 18/10/2012, DJe 5/11/2012)