INTRODUÇÃO
Nas discussões judiciais, as partes submetem ao Estado-juiz o poder de resolver o litígio no qual estão inseridas. É um método de heterocomposição. Assim, para a formação da relação jurídica, o autor busca a tutela jurisdicional do Estado, utilizando de seu direito de ação. O Estado-juiz, verificando a descrição feita pelo autor de seu adversário, busca meios adequados e legais para trazer a parte para se defender. E, feita a citação válida, temos a formação da relação jurídica processual.
O problema é quando uma das partes utiliza de meios indevidos para não dar ao processo o trâmite devido. Exemplifiquemos: o réu começa a se furtar para que a tutela possa ser procrastinada ou utiliza de meios ardilosos para que protele o andamento normal do processo; o autor inventa endereço do réu para poder apresentar ao magistrado uma "falsa realidade" de que o réu se furta e busque meios de implementar suas vontades chanceladas pelo Poder Judiciário.
A questão gira em torno, exatamente, quanto à citação válida da ré para a continuidade processual. Os meios para a citação existentes em nosso ordenamento são citação postal, por meio de oficial de justiça, por hora certa e por edital.
Resumidamente, podemos apresentar as formas de citação, como segue: inicialmente, criou-se uma forma mais célere de citação que é a postal, mais informal, que independe de oficial de justiça, trazendo celeridade à discussão. Também, buscando meios para trazer o réu, que procura se furtar de oficial de justiça e evitar a citação, para a demanda, criou-se a citação por hora certa. Finalmente, vendo que o réu mesmo por meio de citação por hora certa ou que muda de endereço para fugir de suas obrigações legais, procurando evitar a frustração da pretensão judicial, criou-se a citação por edital. No entanto, há uma obscuridade ou uma omissão na legislação que pode levar a prejuízo incalculável a parte ré.
Atenhamo-nos a seara do Direito Processual do Trabalho. A legislação trabalhista prevê que a regra é por meio de citação por carta (art. 841, §1º, CLT). Além deste, também a citação por oficial de justiça é possível. Como medida extrema, surge a citação por Edital (art. 841, §1º, CLT - in fine).
Tendo em vista as formas de citação, há uma brecha na lei a qual não faz distinção entre estarem os reclamados em outro Estado da federação diferente do postulado a reclamatória. Isto ocorre principalmente quando há desempenho de relação de trabalho ou mesmo discussões de relação empregatícia no local da prestação do serviço.
Outro problema é quando se adentra com uma reclamatória trabalhista contra uma determinada empresa que se sabe ter encerrado suas atividades e mesmo assim procuram a citação da aludida empresa, buscando a aplicação da revelia e seus efeitos e, durante a execução da sentença, logo após o pedido de desconsideração da personalidade jurídica da empresa, atingindo os sócios sem qualquer direito de defesa, já procurando a constrição de bens contra os mesmo, de forma abusiva.
Nos Estados há o chamado Órgão Oficial Estadual, o qual é o que dá publicidade aos atos administrativos e jurisdicionais dentro da circunscrição deste, portanto de amplitude restrita.
Analisemos o seguinte exemplo: supondo que um reclamante trabalhou no Estado do Mato Grosso do Sul e que a empresa tem sede em Vitória, Estado do Espírito Santo, e nunca teve qualquer filial naquela região ou mesmo representante legal para que pudesse responder pela empresa. Eventual reclamatória que acabasse sendo necessária a citação editalícia poderia ser validada?
De um lado há o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, com jurisdição em todo o território do Estado do Mato Grosso do Sul, e seus Juízos a ele vinculados, cujos atos de citação editalícia são publicados no Diário Oficial do Estado do Mato Grosso do Sul, que não tem qualquer publicação nos demais Estados da federação, e de outro a empresa reclamada, que por não poder ter ciência no referido Estado, é prejudicado com uma decisão na qual não teve qualquer oportunidade de proceder com seu direito fundamental ao contraditório.
Muitas destas determinações dos Juízos não buscam meios adequados para se encontar dados das empresas e providenciar de forma adequada a citação da reclamada, já que em seu múnus representam o Estado-juiz. Há, por exemplo, as Juntas Comerciais dos Estados, a Receita Federal do Brasil, Cartórios de Registro de Imóveis do local de sua última situação, entre outros, capazes de oferecer um mínimo de fundamento ou probatório para a citação editalícia.
Desta forma, os magistrados do trabalho acabam por aplicar a revelia e seus efeitos as reclamadas. O meio mais comum disto ocorrer é por meio de citações por edital, já que se mostra meio adequado para a notificação e a reclamada não comparecem em juízo.
O intuito é, mesmo que se possa verificar que foi feito uma mudança de endereço e não informada aos órgãos competentes, a promoção de uma citação válida e capaz de proporcionar o direito fundamental ao contraditório. Propomos até a aplicação da presunção da Execução Fiscal, o instituto da fraude "tributária", o qual se analisará mais a frente.
Assim, o que se busca elucidar com este trabalho, é a propositura de uma forma de sanar para os magistrados e para os Tribunais do Trabalho a melhor aplicação das regras, principalmente no que diz respeito à jurisdição da citação editalícia quando pessoas se encontram em locais divergentes ou mesmo quando a prestação de serviço é em local diferente da sede da empresa reclamada e não tendo ela domicílio na jurisdição competente da reclamatória.
A JURISDIÇÃO TRABALHISTA E A CITAÇÃO
Segundo o Dicionário Eletrônico Priberam[1], Jurisdição é a faculdade de aplicar as leis e de corrigir os que as quebrantam, atribuições do magistrado, área em que se tem jurisdição, alçada, competência, poder, influência. Já em seu sentido etimológico, significa "dizer o direito". É uma palavra de origem latina (juris + diccere)[2]. Jurisdição é o poder que o Estado tem de resolver conflitos de interesses, atividade esta outorgada a juízes prestando à garantia jurisdicional de uma forma imparcial a todas as lides ou problemáticas submetidas a estes entre empregados e empregadores.
A jurisdição da Justiça do Trabalho se estende a todo território nacional, por se tratar de uma justiça de âmbito nacional. O Tribunal Superior do Trabalho tem jurisdição em todo território nacional, já os Tribunais Regionais tem jurisdição territorial no Estado e as Varas do Trabalho, nos Municípios ou microrregião.
Já a citação, denominada notificação no processo do trabalho, é o meio que o Estado tem para trazer uma determinada pessoa a figurar como parte em um processo ou, no mínimo, cientificá-lo quanto a existência da ação, para que possa se defender. Sua previsão está no artigo 841 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. A citação é tida por nula quando, embora tenha sido efetuada, o foi contra normas legais regentes. Entendamos que normas aqui diz respeito não apenas a lei, mas também aos princípios que tem aplicação imediata quando não há regra expressa.
Segundo os ensinamentos de Manoel Antônio Teixeira Filho:
"A citação apresenta-se como ato processual de suprema importância para o réu, pois é por meio desta comunicação processual que ele fica ciente da existência da ação. A citação pode ser tida, portanto, como a mais elevada manifestação do princípio constitucional do contraditório, que se encontra umbilicalmente atada a cláusula processual do devido processo legal (due process of law), consagrada pela Suprema Carta Política do País (art. 5º, LIV). Considerada sob este ângulo, a citação não deixa de refletir um enunciado característico dos regimes democráticos".[3]
A notificação é sistematizada no processo do trabalho de uma forma impessoal, assim, tendo como regra normal à citação postal. Este sistema visa garantir maior rapidez ao processo, uma vez que o que está em jogo são verbas alimentares do reclamante. Como exceção a esta premissa, na execução trabalhista a notificação é por meio de oficial de justiça.
Se a citação via postal retorna infrutífera, seja por equívoco no endereço fornecido, por encontrar-se o Reclamado em local incerto e não sabido ou outra justificativa que lhe equivalha, não caracterizando a negativa de recebimento ou outro intuito de obstaculizar a notificação, caberá ao Reclamante oferecer meios para a sua localização. Se mesmo assim não houver jeito, poderá haver a citação por edital.
A citação é normalmente emitida por um Juízo para que seja cumprida. Quando este se encontra em uma cidade diferente busca-se, pela precatória, sua notificação em outro juízo. Mas e no caso de não se encontrar a reclamada no local indicado e sabendo que este é o último domicílio, sendo um outro Estado ou uma outra Jurisdição de um outro Tribunal, a citação por edital não pode ser apenas feita na jurisdição inicial, mas em ambas as jurisdições.
No exemplo apresentado na introdução, se a empresa reclamada não tem qualquer lugar para ser notificada no Mato Grosso do Sul ou pessoa que a represente neste Estado, o Juízo remete citação editalícia unicamente no Diário da Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, onde o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região tem sua jurisdição dada pela Constituição da República e pela respectiva lei que o instituiu. Só que uma citação por edital no Mato Grosso do Sul não torna pública tal citação para a reclamada, que tem sede em Vitória, Estado do Espírito Santo. Fere-se o direito fundamental ao contraditório, porque não deu nem um mínimo de oportunidade da reclamada poder tomar efetivamente ciência da reclamação, prazendo-lhe prejuízo. Assim, maior prudência haveria se citação por edital também no Diário da Justiça do Estado do Espírito Santo.
O deve haver comunicação e cooperação entre os diversos órgãos do poder judiciário. Portanto, a citação por edital deve ser requerida pelo Juízo do Mato Grosso do Sul ao Diário da Justiça do seu Estado e ao Juízo de Vitória, Espírito Santo, que é o último paradeiro da empresa, podendo esta também proceder com a citação por edital no Diário Oficial do Espírito Santo. É o meio apto a concretizar os direitos fundamentais da empresa reclamada de exercer o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, XXXV da Carta da Republica). Os atos praticados por Juízos e Tribunais só tem validade dentro de sua competência e jurisdição.
Não pode um ato de uma vara ou de um Tribunal invadir a jurisdição de outra vara ou Tribunal, salvo casos específicos em lei. Tem-se como parâmetro o que dispões a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), quando há utilização de citação por edital, a lei determina no seu artigo 67, §4º que havendo pessoas que residem em diferentes distritos, em um e em outro se publicará o edital para que torne, de forma adequada e pública, o ato pretendido.
Se houver apenas a citação por edital no Diário da Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, conforme o exemplo, esta foi feita de forma parcial, prejudicando o Contraditório e a Ampla Defesa. O edital enviado a publicação correu apenas no Estado do Mato Grosso do Sul, não alcançando a reclamada que está fora desta abrangência. O correto seria a determinação do edital na região do território de seu domicílio, para que o reclamante tivesse a devida notificação e a oportunidade de estar ciente.
Pressupondo que o edital no Mato Grosso do Sul teve abrangência de citar a reclamada no Espírito Santo, haveria uma invasão de jurisdição e de competência por parte do Juízo que determinou a citação, o que é rechaçado pelo nosso ordenamento jurídico e contra disposição constitucional e legal. Há vários princípios fundamentais em jogo: o Contraditório, da Efetividade, da Jurisdição Competente, do Devido Processo Legal, da Territorialidade da Jurisdição, da Cooperação, da Adequação, Boa-fé Processual etc., que fazem parte das "Regras do Jogo" processual, como alude a doutrina constitucionalista.
Assim discorre Valentin Carrion, em sua obra Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 31ª edição, Editora Saraiva, 2006, págs. 691, 692:
"A citação por edital se constitui em ato de conteúdo ineficiente, meramente formal, que deixa o réu indefeso; a nulidade dessa caricatura deve ser decretada não só quando se perceber malícia ou deslealdade processual, mas também se inexistir prova nos autos de tentativas frustradas de indagação pelo oficial de Justiça, junto aos vizinhos, sócios, lista telefônica etc.".
A citação editalícia é meio pelo qual se propõe a continuidade da demanda, mas que abre muitas brechas no ordenamento quando ao seu alcance e sua efetividade, possuindo ineficiência e sendo mera formalidade processual capaz de colocar o réu em situação delicada e em grande prejuízo na demanda.
Além disso, o Juízo, antes de proceder com a citação editalícia - uma vez que a citação editalícia é meio extraordinário - deve proceder com o esgotamento de todos os meios para a localização do demandado, buscando junto a órgãos administrativos e de fiscalização o paradeiro da reclamada.
É o que nos fala o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho[4]:
I - RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À JUSTIÇA EM CONTRAPONTO AO DIREITO À AMPLA DEFESA. CITAÇÃO POR EDITAL. CITANDO EM LOCAL INCERTO E NÃO SABIDO. INCIDÊNCIA DO § 1º DO ART. 841 DA CLT. 1. A citação é ato de cientificação pelo qual o sujeito passivo da demanda toma conhecimento de que contra si há ação em curso, a fim de que venha defender-se, querendo (CPC, art. 213). 2. No Processo do Trabalho, a citação é feita, em regra, por via postal, justificando-se a comunicação por edital nos casos em que o reclamado cria embaraços ao recebimento da notificação, bem como na hipótese de não o ser encontrado no endereço declinado (art. 841, § 1º, da CLT). 3. A solução extraordinária da notificação por edital exige o esgotamento de todos os meios para localização do demandado, pois evidente o contraponto entre o direito fundamental à ampla defesa e o direito de acesso à justiça (art. 5º, XXXV e LV, da Constituição Federal). 4. Portanto, estando o citando em local incerto e não sabido, resta autorizada a citação por edital, na forma do § 1º do art. 841 da CLT, fazendo-se a publicação própria na sede do Juízo. Recurso ordinário em ação rescisória conhecido e provido.
II - AÇÃO CAUTELAR. IMPROCEDÊNCIA. Considerando o resultado do processo principal, julga-se improcedente a ação cautelar (Orientação Jurisprudencial nº 131/SBDI-2/TST).
Vejamos os princípios constitucionais e direito fundamental a qualquer pessoa, natural ou jurídica, no Brasil, atingidos com este tipo de ato.