Ultimamente, as instituições bancárias têm ganhado espaço nos projetos financeiros dos brasileiros, e aqueles investimentos tradicionais largamente utilizados pelos investidores mais conservadores passaram a ser substituídos por propostas tentadoras de planos mais rentáveis e com a segurança muitas vezes inabalável.
Dentre os principais produtos ofertados pelas instituições financeiras com as características mencionadas estão o VGBL e PGBL que, embora tenham roupagem de Planos de Previdência Privada Complementar, são ofertados e tratados como planos de investimentos, na modalidade de aplicação financeira, além de possuírem diferencial sobre algumas outras aplicações, que são as vantagens fiscais.
Eis que é inconteste o fato de serem investimentos rentáveis e altamente atrativos no campo da economia. Mas no que tange ao Direito de Família, algumas polêmicas cercam o tema e deixam algumas indagações profundas, como por exemplo, de qual ótica devem ser enxergados tais valores em uma situação de divórcio e partilha, em regime de comunhão parcial de bens: são comunicáveis ou não?
Seriam o VGBL e PGBL, de fato, um pecúlio desde a sua instituição, ou mera aplicação financeira com regramento extraordinário ou próprio?
É neste particular que emergem os embates jurídicos, uma vez que a discussão é exatamente quanto ao caráter e natureza jurídica dos valores aplicados nestas modalidades, e o seu aparente desvirtuamento por suas próprias características intrínsecas.
Muitos defendem a incomunicabilidade dos valores por se tratar de bem com evidente exclusão legal, capitulada pelo artigo 1.659, VII[1], do Código Civil, entendendo serem tais valores assemelhados aos meio-soldos, pensões, montepios, tratando-os como pecúlios de caráter personalíssimos, isso desde a sua instituição.
Ou seja, são tidos como reserva de dinheiro acumulada aos poucos como resultado do trabalho e economia da pessoa, resgatável em vida, como complemento à previdência oficial, sendo, pois, de caráter totalmente pessoal, mesmo antes de atingidos os requisitos para resgate nesta modalidade de renda.
Acrescentam ainda que tais valores são originados dos proventos do trabalho pessoal do cônjuge, que é legalmente excluído da meação pelo inciso VI do artigo 1.659[2] do Código Civil.
Entretanto, a interpretação pela incomunicabilidade não parece ser a mais acertada por vários motivos, sendo o primeiro deles, o fato de que no regime de comunhão parcial de bens, aqui discutido, toda a renda amealhada pelo casal na constância da união pelo presumido esforço mútuo, ainda que em nome de um só cônjuge, é absolutamente comunicável (artigo 1.658 e 1659 CC), inclusive aqueles advindos de proventos do trabalho pessoal.
Prova disto é o fato de que, apesar de a doutrina não ter pacificado o entendimento acerca da comunicabilidade ou não dos proventos do trabalho pessoal, a jurisprudência caminha maciçamente no sentido de que o que não se comunica é o direito abstrato ao recebimento do salário, em razão do caráter personalíssimo de tal direito. Contudo, uma vez percebida a remuneração, essa passará a integrar o patrimônio comum, perdendo a condição de bem pessoal.
Inclusive, há precedente no Superior Tribunal de Justiça no sentido de serem partilháveis até mesmo as verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente, desde que o período aquisitivo coincida com o período do matrimônio: "Ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de bens é devida à meação das verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente durante a constância do casamento. As verbas indenizatórias decorrentes da rescisão de contrato de trabalho só devem ser excluídas da comunhão quando o direito trabalhista tenha nascido ou tenha sido pleiteado após a separação do casal" (REsp 646.529/SP, Ministra Nancy Andrighi, 21/08/2005).
Nessa esteira, os valores porventura acumulados em Plano de Previdência Privada Complementar, mantidos junto à instituição financeira, que foram ou são fomentados por esta renda salarial, como demonstrado, se integralizam automaticamente ao patrimônio comum do casal.
Assim, não nos parece crível entender que a natureza jurídica da previdência privada por si só descaracteriza ou afasta a comunicabilidade daqueles valores, que tiveram evidente origem no patrimônio comum.
Eis que, deve-se aplicar a mesma sistemática da sub-rogação utilizada para bens particulares (artigo 1.659, II do CC), ou seja, os novos bens, adquiridos com produto de bem comum, são meros substitutos daqueles, e mantêm o mesmo status do bem primitivo.
De mais a mais, além da comunicabilidade vinculada à origem, há de se considerar ainda, que como alhures mencionado, no caso dos Planos de Previdência Privada chamados ABERTOS, como o PGBL e VGBL, o titular possui absoluta autonomia sobre os valores, podendo à qualquer tempo resgatá-los, ou mesmo, caso queira progredir o plano e melhorar a renda, realizar aporte de valores, isso de forma irrestrita.
Inclusive, tal liberalidade é amplamente divulgada pelas instituições financeiras como um atrativo desta modalidade de investimento, aliás, a própria Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) em seu site na internet, enfatiza tal informação, veja: “Todo participante tem o direito de solicitar, durante o período de diferimento, o resgate e a portabilidade dos recursos da respectiva provisão matemática de benefícios a conceder, observados os prazos de carência e os intervalos previstos no regulamento”. (Grifei)
Assim, as múltiplas possibilidades de resgate, ou incremento do plano a qualquer tempo, características que são típicas de investimentos comuns, acabam por desvirtuar totalmente a natureza jurídica dos valores ali investidos, não havendo como reconhecer o caráter de pecúlio e sua consequente incomunicabilidade, pois não há certeza de que o plano de fato vá chegar ao fim, ou se terá o resgate antecipado do saldo; ou, caso chegue ao fim, se efetivamente os valores se converterão em renda ou se serão sacados integralmente pelo seu titular.
Resta evidente que, até o momento da conversão destes valores em pecúlio, aquela reserva/aplicação de valores se equipara a qualquer outro investimento, tais como fundos de ações, CDB, CDI, etc.
Nesta toada, a exclusão legal dos valores, na forma do artigo 1.659, VII do Código Civil, deve limitar-se à situações em que, no momento da partilha, já tenha havido o preenchimento dos requisitos do plano, e o titular já tenha requerido o resgate da renda como pecúlio.
Pois, caso o divórcio e a consequente partilha ocorram antes da conversão do capital em pensão, tais valores são plenamente comunicáveis, pois a finalidade daqueles valores ainda é incerta, sendo a conversão em renda apenas uma das opções possíveis.
E, justamente por tais razões, vários tribunais do país vêm atualmente entendendo pela comunicabilidade do dinheiro investido nos fundos que permitam o resgate antecipado e que ainda não se converteram em pecúlio.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já enfrentou a matéria e entendeu desta forma, veja-se:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE PARTILHA JUDICIAL DE BENS. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À INSTITUIÇÃO BANCÁRIA MANTEDORA DE CONTA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA EM NOME DE UM DOS CÔNJUGES. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. Os proventos advindos do plano de previdência privada, por se tratar de sistema que acumula recursos que garantem uma renda mensal com o caráter complementar à aposentadoria devida ao beneficiário, podem ser incluídos no conceito de "outras rendas semelhantes", previsto no inciso VII, do artigo 1.659, do Código Civil. Todavia, tendo em vista que o cônjuge ainda não recebe o benefício mensalmente, a previdência privada, no caso, pode ser entendida como mera aplicação financeira, não havendo que se falar na sua incomunicabilidade. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.10.057757-6/008, Relator (a): Des.(a) Edilson Olímpio Fernandes , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/03/2015, publicação da sumula em 13/03/2015) (grifamos).
De maneira ainda mais esclarecedora foi o trecho do voto vencedor declarado pelo Des. Francisco Loureiro, no julgamento Apelação Cível n.º 543.261-4/5-00, pela 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in verbis:
“(...) os fundos de previdência privada não têm a natureza de simples proventos abstratos e futuros complementares à aposentadoria oficial, mas, ao invés, constituem típico produto e ativo financeiro.”
Na mesma toada se posicionou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul quando enfrentou a questão, in verbis:
Apelação Cível Nº 70035131507, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 20/10/2010) (...) Se merece prosperar este pedido específico da embargante quanto à partilha da previdência privada do réu, impõem-se que também seja partilhável a previdência privada da autora, conforme pugnado à fl. 121 pelo réu, principalmente pelo fato de a parte demandada deixar bem demonstrado que o início do recebimento do benefício somente se dará em 30/07/2027, conforme prova o documento de fl. 191. Assim, considerando a evidência de que a previdência privada é uma aplicação financeira que pode ser resgatada a qualquer tempo, e que se trata de bem partilhável, entendo que ambas as previdências privadas são partilháveis entre os cônjuges, devendo ser partilhadas na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada cônjuge dos montantes totais que foram depositados em tal aplicação financeira durante o período do casamento até a separação de fato, ou seja, de 18/09/1993 até dezembro de 2007, devidamente atualizado . Ante o exposto, dou provimento parcial aos presentes embargos e modifico o dispositivo da decisão de fls. 439/452 (...)” (grifamos)
O mesmo Tribunal de Justiça gaúcho, em caso idêntico de partilha de bens, determinou a inclusão da Previdência Privada entre os bens partilháveis:
(Apelação Cível Nº 005.43.261450-0, 4ª Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Natan Zelinschi de Arruda, Julgado em 15/10/2009, data de registro 26/10/2009) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SOBREPARITLHA. EXISTÊNCIA DE BEM SONEGADO. NECESSIDADE DE PARTILHAR MEAÇÃO. Cabível ação de sobrepartilha, nos termos do art. 1.040 do CPC, se ocorreu sonegação de bem por ocasião da separação consensual. Valores pagos por plano de previdência privada contratado em nome do réu, durante o casamento, omitido no acordo de separação consensual onde efetuaram a partilha de bens, e posteriormente sacado apenas pelo varão. Necessidade de inclusão em partilha. Sentença confirmada. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Grifamos)
Conforme se observa da essência dos arestos jurisprudenciais colhida, a tese aqui sustentada é fielmente adotada, trazendo como eixo central as possibilidades que cercam a Previdência Privada Aberta, ofertada pelas instituições financeiras do país que, consequentemente, desvirtuam sua natureza jurídica.
Vale aqui registrar, mais uma vez, que a comunicabilidade/incomunicabilidade da Previdência Privada Complementar, por si só, não é o ponto central da controvérsia, mas sim, as peculiaridades da modalidade aberta (especialmente VGBL e PGBL), que possibilitam o titular aportar valores esporádicos ao plano, assim como se valer do resgate do saldo, demonstrando que a finalidade de pecúlio do plano é apenas uma expectativa.
Assim, as benesses da incomunicabilidade não podem amparar mera expectativa de pensão, que pode se frustrar à qualquer momento - vale salientar - por liberalidade exclusiva do seu titular, optando pelo resgate do saldo, seja antecipado ou mesmo ao fim do plano.
Inclusive, vale trazer uma interpretação analógica, mas com correlação absolutamente congênere ao caso especifico da partilha de bens, e que já é aplicado há algum tempo pelos Tribunais de Justiça pelo país.
Trata-se proteção legal de impenhorabilidade dos Planos de Previdência Privada Complementar, agasalha pelo artigo 833, IV do Código de Processo Civil, que amiudadamente vem sendo afastada nos mais diversos julgados pelo país, veja-se:
Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região TRT-6 - Agravo de Petição : AP 00016431320105060143 - Órgão Julgador Segunda Turma Julgamento2 de Junho de 2015 - Ementa - AGRAVO DE PETIÇÃO. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. - FORMATO VGBL e PGBL. PENHORA. POSSIBILIDADE. Valores existentes em planos de previdência privada complementar, como o VGBL e o PGBL, não são impenhoráveis, por não estarem inseridos na norma de impenhorabilidade do art. 649 do CPC. Trata-se de mera aplicação financeira que pode ser resgatada pelo beneficiário a qualquer tempo, total ou parcialmente, não se confundindo com proventos de aposentadoria e com seguro de vida. (Processo: AP - 0001643-13.2010.5.06.0143, Redator: Maria das Graças de Arruda França, Data de julgamento: 02/06/2015, Segunda Turma, Data de publicação: 09/06/2015) Decisão - ACORDAM os Senhores membros da Segunda Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, por unanimidade, dar provimento ao presente agravo de petição. Recife, 03 de junho de 2015. Firmado por assinatura digital MARIA DAS GRAÇAS DE ARRUDA FRANÇA Juíza Relatora (Convocada)
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Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região TRT-10 - Agravo de Petição : AP 01318201201910000 DF 01318-2012-019-10-00-0 - Orgão Julgador1ª Turma - Publicação28/11/2014 no DEJT - Julgamento19 de Novembro de 2014 - RelatorMaria Regina Machado Guimarães – Ementa: AGRAVO DE PETIÇÃO. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. FORMATO VGBL. PENHORA. POSSIBILIDADE. - Valores existentes em planos de previdência privada complementar, como o VGBL, não são impenhoráveis, por não estarem inseridos na norma de impenhorabilidade do art. 649 do CPC. Trata-se de mera aplicação financeira que pode ser resgatada pelo beneficiário a qualquer tempo, total ou parcialmente, não se confundindo com proventos de aposentadoria e com seguro de vida. Acordão ACORDAM os componentes da egr. Primeira Turma do egr. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, em sessão turmária, à vista do contido na certidão de julgamento (à fl. retro), aprovar o relatório, conhecer do agravo e, no mérito, dar-lhe provimento, para determinar que a penhora recaia sobre as aplicações no formado VGBL do executado Ronaldo Medeiros Evangelista, até o limite do crédito exequendo, nos termos do voto da Desembargadora Relatora. Ementa aprovada. (grifamos)
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Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região TRT-1 - Agravo de Petição : AP 00373000319965010060 RJ - Órgão Julgador Primeira Turma - Publicação14/09/2017 - Relator Mario Sergio Medeiros Pinheiro – Ementa - AGRAVO DE PETIÇÃO. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA COMPLEMENTAR. FORMATOS VGBL E PGBL. PENHORA. POSSIBILIDADE. - Em razão dos valores depositados em plano de previdência privada complementar, no formato VGBL, bem como no formato PGBL, não possuírem caráter alimentar, pois se equiparam a uma mera aplicação financeira, não há qualquer óbice às suas penhoras. Agravo a que se dá provimento. (Grifamos)
Como se percebe pela leitura das decisões, estas, em linhas gerais, compartilham dos mesmos fundamentos aqui exaustivamente expostos, de desvirtuamento da natureza dos planos de previdência complementar, traduzindo-se em quebra da impenhorabilidade, que reforça ainda mais o raciocínio aqui adotado quanto à comunicabilidade.
Como se não bastasse, tal desvirtuamento não apenas afasta a incomunicabilidade, mas vai além, podendo violar ate mesmo a própria essência da prestação jurisdicional, pois o consorte poderia se valer dessa "blindagem", para fraudar direito alheio, o que seria absolutamente desarrazoado.
Eis que, pelos Princípios Gerais do Direito, que são respaldados pelo ideal de Justiça, não se pode fechar os olhos para o ludíbrio, autorizando a utilização da lei como ferramenta para “injustiça legalizada”, não sendo demasiado se dizer inclusive, que considerar incomunicáveis valores mantidos em VGBL ou PGBL concebidos com frutos de bens comuns, seria a materialização do textual “Abuso de Direito”, capitulado no artigo 187 do Código Civil[3].
Afinal, pela ótica da própria interpretação da norma trazida pela hermenêutica jurídica, substancializada pelo artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[4], a análise do preceito legal deve superar a lógica formal e dirigir-se ao bem jurídico tutelado, isto é, para os fins sociais, de justeza e bem comum que a norma procura alcançar.
Com vistas a tais considerações, se a incomunicabilidade for atribuída a tais valores, seria, como dito, dar azo à fraude, Isso porque, hipoteticamente falando, um dos cônjuges, maliciosamente poderia ao invés de adquirir um imóvel, investir em fundos, poupança ou qualquer outro bem partilhável, poder-se-ia investir em previdência privada em nome próprio, para se ver livre da partilha.
Ou mesmo, em outras situações, passasse a fazer grandes retiradas em dinheiro das aplicações ou contas antes de titularidade do casal, transferindo silenciosamente para esses planos PGBL/VGBL de sua titularidade apenas, já que os planos ABERTOS aceitam aporte de valores a qualquer tempo, tencionando FRAUDAR uma meação do consorte inocente e alheio a tais manipulações.
Veja que ocorrendo quaisquer das situações acima ilustradas, e posteriormente, havendo a dissolução da sociedade conjugal, não haveria possibilidade de partilha dos bens amealhados na sua inteireza e de forma justa, visto que toda a renda do casal encontrar-se-ia fraudulentamente aplicada em previdência privada - PGBL/ VGBL pelo outro consorte.
Pelo exposto, conclui-se que, no regime de comunhão parcial de bens, os valores mantidos em planos de previdência complementar abertos, tais como PGBL/VGBL, se instituídos na constância do casamento, e o divórcio/partilha ocorrerem antes da conversão do capital em pensão, possuem comunicabilidade plena, devendo, pois, compor o acervo de bens partilháveis.