Conciliação na Justiça do Trabalho

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É possível ao empregado conciliar na Justiça do Trabalho sem que o mesmo tenha que renunciar aos direitos indisponíveis?

Resumo: A conciliação e a mediação, inegavelmente, são instrumentos de auxílio e desafogamento do Judiciário e revelam estatisticamente sua contribuição para a pacificação social. Diante disso, esta pesquisa traz como tema geral a conciliação na Justiça do Trabalho, evidenciando o fim precípuo da Justiça Trabalhista de equilibrar a relação entre empregado e empregador. O objetivo geral da pesquisa é buscar estratégias que permitam conciliar na Justiça do Trabalho sem renunciar aos direitos indisponíveis. Para atender aos objetivos da pesquisa, optou-se pelo método de abordagem dedutivo, bem como para o acesso a informações mais fidedignas, utilizou-se como técnicas de pesquisa, a bibliográfica, por meio da pesquisa em artigos, sites, manuais de mediação, dados da Cartilha Justiça em Números 2017 e doutrinas específicas, pertinentes ao tema em estudo. Além disso, utilizou-se a pesquisa documental por meio da pesquisa na legislação pertinente como o estudo da Resolução nº. 174 do CSJT. A resolução nº. 174 do CSJT vem dispor acerca do tratamento adequado da conciliação na Justiça do Trabalho. Todavia, nada dispôs acerca de como se dará a conciliação quando se estiver em discussão direitos indisponíveis, deixando margem para que ocorra renúncia de direitos consagrados pela CLT como indisponíveis nas conciliações trabalhistas, caracterizando dessa maneira, afronta ao princípio da indisponibilidade de direitos. O presente estudo vem propor como solução a participação do Ministério Público do Trabalho nos conflitos que envolvem direitos individuais indisponíveis, para que a Justiça do Trabalho continue a usufruir dos bons frutos da conciliação, contudo, sem desrespeitar as especificidades desse segmento protecionista da Justiça.

Palavras-Chave: Conciliação. Justiça do Trabalho. Princípio da Indisponibilidade.

Abstract: Reconciliation and mediation, undeniably, are tools to aid and relieve the Judiciary and statistically reveal their contribution to social pacification. In view of this, this research brings as a general theme the conciliation in the Labor Court, evidencing the main purpose of the Labor Court to balance the relationship between employee and employer. The general objective of the research is to find strategies that allow conciliation in the Labor Court without renouncing the unavailable rights. In order to meet the research objectives, the method of deductive approach, as well as for access to more reliable information, was used as bibliographic research techniques, through research in articles, websites, mediation, data from the Justice Primer in Numbers 2017 and specific doctrines pertinent to the topic being studied. In addition, documentary research was used through research in relevant legislation such as the study of Resolution no. 174 of the CSJT. Resolution no. 174 of the CSJT is about the proper treatment of conciliation in the Labor Court. However, there was no provision as to how conciliation would take place when there was a discussion of unavailable rights, leaving room for the renunciation of rights enshrined by the CLT as unavailable in labor conciliations, characterizing in this way, an affront to the principle of the unavailability of rights. The present study proposes as a solution the participation of the Public Labor Ministry in the conflicts that involve unavailable individual rights, so that the Labor Court continues to enjoy the good fruits of conciliation, however, without disrespecting the specificities of this protectionist segment of the Justice.

Keywords: Defense. Code of Civil Procedure of 2015. Contest. Counterclaim.


Introdução

Considerando que a Justiça do Trabalho tem função proeminente de assegurar os direitos dos trabalhadores, e o escopo de buscar o equilíbrio na relação entre empregado e empregador, a conciliação nasce, então, da iminente necessidade de aliviar o judiciário, do crescente número de ações, como um dos meios não judiciais de resolução de conflitos para alcançar a efetividade dos direitos em tempo plausível.

A presente pesquisa busca responder o seguinte questionamento: como conciliar no âmbito trabalhista sem promover a renúncia aos direitos indisponíveis? Embora os direitos trabalhistas sejam irrenunciáveis, vem ocorrendo a renúncia de tais direitos nas conciliações trabalhistas, caracterizando dessa maneira, afronta ao princípio da indisponibilidade de direitos.

Nessa linha, o trabalho tem como objetivo buscar estratégias que permitam a aplicação da conciliação no âmbito da Justiça do Trabalho, sem a renúncia aos direitos indisponíveis, bem como analisar a obrigatoriedade da participação do Ministério Público do Trabalho nos conflitos que envolvem direitos individuais indisponíveis, na Justiça do Trabalho.

Para a efetivação do trabalho, a metodologia constitui-se de pesquisa bibliográfica e documental, por meio da pesquisa em doutrinas, artigos e banco de dados para o levantamento de informações, no período compreendido entre os anos de 2014 a 2016.

Cumpre enfatizar que realizou-se o estudo e a análise de informações acerca da conciliação no âmbito da Justiça do Trabalho, optando-se pelo método de abordagem dedutivo, bem como para o acesso a informações mais fidedignas, utilizou-se como técnicas de pesquisa a bibliográfica, por meio da pesquisa em artigos, sites, manuais, dados da Cartilha Justiça em Números dos anos de 2016 e 2017, e doutrinas específicas, pertinentes ao tema em estudo, além do estudo da Resolução nº. 174 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT).

Logo, o presente artigo tem por objetivo a análise da conciliação na Justiça do Trabalho e sua aplicabilidade frente ao princípio trabalhista da indisponibilidade de direitos, tendo em vista que a conciliação é um dos métodos alternativos de resolução de conflitos, consagrada principalmente nos conflitos individuais trabalhistas.


1. Do Conflito Trabalhista

No âmbito processual, o conflito de interesses surge quando ocorre uma pretensão resistida, o que, na concepção de Carnelutti, é conhecido como lide. Segundo este processualista, conceituou o interesse como a posição favorável para a satisfação de uma necessidade assumida por uma das partes, e a pretensão como a exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio.

Conforme entendimento de Santos (1985, p. 04), conflito de interesse “pressupõe, ao menos, duas pessoas com interesse pelo mesmo bem. Existe quando a intensidade do interesse de uma pessoa por um determinado bem se opõe à intensidade do interesse de uma pessoa pelo mesmo bem, donde a atitude de uma tendente à exclusão da outra quanto a este”.

Nesse sentido, pode-se afirmar que o conflito de interesses e a lide complementam-se reciprocamente, uma vez que a lide é considerada um conflito de interesses, pois trata de um processo contencioso, no qual as partes envolvidas são adversárias, ou seja, seus interesses são opostos.

Oportuno destacar, que o sistema judicial não decide a lide sociológica, mas apenas a lide processual. Tendo em vista que a lide processual trata-se da descrição narrada na petição inicial, bem como na contestação, ambos apresentadas perante o juízo, isto é, o conflito aparente, mas que não reflete o que gerou de fato, a insatisfação. Diversamente da lide sociológica, esta reflete de forma efetiva, o interesse das partes, ou seja, o conflito autêntico.

Nessa linha, preconiza o doutrinador Roberto Portugal Bacellar:

Analisando apenas os limites da lide processual, na maioria das vezes não há satisfação dos verdadeiros interesses do jurisdicionado. Em outras palavras, pode-se dizer que somente a resolução integral do conflito (lide sociológica) conduz à pacificação social, não basta resolver aquilo que foi trazido pelos advogados (BACELLAR, 2003, p. 223).

Dessa maneira, é possível perceber que a convivência do homem em sociedade, frequentemente, propicia o surgimento de conflitos de interesses, considerando as diversas pretensões de cada indivíduo.

Importante ressaltar que os conflitos de interesses são, portanto, situações em que as pretensões de um indivíduo ou de um grupo social vão de encontro às de outro, no que concerne a um mesmo bem da vida. Assim sendo, surge a lide trabalhista quando há uma pretensão resistida do trabalhador ou do tomador de serviços, tendo por finalidade a violação da ordem jurídica trabalhista.


2. Da Conciliação como Método de Solução dos Conflitos Trabalhistas

As recorrentes buscas ao Poder Judiciário pelos cidadãos, com o escopo de resolver algum conflito de interesses que os envolvam, tornam-se cada vez mais freqüente atualmente, o que vem provocando um número considerável de demandas judiciais.

Nesse sentido, ao analisar a judicialização dos conflitos sociais, a conciliação nasce como um método alternativo para se obter soluções consensuais entre as partes envolvidas, sem a obrigação de recorrer ao Poder Judiciário. Dessa forma, é imprescindível a viabilização de mecanismos que proporcionem aos interessados, a composição de soluções para os seus litígios. Não obstante, sejam perceptíveis as razões que muitas vezes induzem as partes à judicialização dos conflitos.

Importante refletir de maneira breve, acerca dos meios de solução de conflitos, quais sejam, a mediação, arbitragem e a conciliação, as quais podem representar mecanismos para a edificação de soluções de litígios, sem a necessidade do recorrer ao Poder Judiciário para o ajuizamento de ações, e que têm como pretensão proporcionar o alcance da pacificação social.

Conforme conceito disciplinado no Manual de Mediação Judicial (SOUZA et al., 2016), a mediação “é um processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte neutra ao conflito ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma composição”.

Ademais, trata-se de um método de resolução de conflitos, no qual se amplia um processo composto por vários atos procedimentais, pelos quais uma terceira pessoa imparcial busca facilitar a transação entre as pessoas envolvidas no conflito, capacitando-as a melhor compreender suas posições e a encontrar soluções que se compatibilizam aos seus interesses.

A arbitragem, por sua vez, pode ser definida, consoante conceito estipulado no Manual de Mediação Judicial (SOUZA et al., 2016), “como um processo privado, no qual as partes ou interessados buscam o auxílio de um terceiro, neutro ao conflito, ou de um painel de pessoas sem interesse na causa, para, após um devido procedimento, prolatar uma decisão visando encerrar a disputa”.

Nessa linha, Aiston Henrique de Souza, preconiza que a arbitragem:

Trata‑se de um processo, em regra, vinculante, em que ambas as partes são colocadas diante de um árbitro ou um grupo de árbitros. Como regra, ouvem‑se testemunhas e analisam‑ se documentos. Os árbitros estudam os argumentos dos advogados antes de tomarem uma decisão. Usualmente, em razão dos custos, apenas causas de maior valor em controvérsia são submetidas à arbitragem e os procedimentos podem durar diversos meses. Apesar de as regras quanto às provas poderem ser flexibilizadas, por-se tratar de uma heterocomposição privada, o procedimento se assemelha, ao menos em parte, por se examinarem fatos e direitos, com o processo judicial (SOUZA et al., 2016).

É de observar que a principal peculiaridade da arbitragem é sua coerção e a capacidade de colocar fim ao conflito. Conforme estabelece a Lei nº. 9.307/96 – Lei de Arbitragem - o Poder Judiciário executa as sentenças arbitrais como fossem sentenças judiciais.

E, por fim, a conciliação, que também tem conceito expresso no Manual de Mediação Judicial (SOUZA et al., 2016), é definida “como um processo autocompositivo breve no qual as partes ou os interessados são auxiliados por um terceiro, neutro ao conflito, ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para assisti‑las, por meio de técnicas adequadas, a chegar a uma solução ou a um acordo”.

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Nesse contexto, pode-se afirmar que a conciliação, é um meio alternativo e eficiente de solução de conflitos, uma vez que utiliza-se de várias técnicas que buscam chegar a um consenso entre as partes, conforme evidencia o autor Aiston Henrique de Souza, no Manual de Mediação:

Atualmente, com base na política pública preconizada pelo Conselho Nacional de Justiça e consolidada em resoluções e publicações diversas, pode‑se afirmar que a conciliação no Poder Judiciário busca: i) além do acordo, uma efetiva harmonização social das partes; ii) restaurar, dentro dos limites possíveis, a relação social das partes; iii) utilizar técnicas persuasivas, mas não impositivas ou coercitivas para se alcançarem soluções; iv) demorar suficientemente para que os interessados compreendam que o conciliador se importa com o caso e a solução encontrada; v) humanizar o processo de resolução de disputas; vi) preservar a intimidade dos interessados sempre que possível; vii) visar a uma solução construtiva para o conflito, com enfoque prospectivo para a relação dos envolvidos; viii) permitir que as partes sintam‑se ouvidas; e ix) utilizar‑se de técnicas multidisciplinares para permitir que se encontrem soluções satisfatórias no menor prazo possível (SOUZA et al., 2016).

Diante disso, analisa-se um cenário de evidência à conciliação das partes, considerando as recorrentes demandas judiciais e de uma premente necessidade de solução alternativa que possibilite a redução desse número de demandas que abarrotam o Poder Judiciário. Logo, busca-se por métodos alternativos e consensuais adequados para se pôr fim aos litígios, dentre os quais se destaca a conciliação, como forma de solução dos conflitos trabalhistas.

Conforme conceitua Schiavi (2016, p. 40) "a conciliação judicial trabalhista, é forma de solução do conflito trabalhista, mediante o ingresso do conciliador entre as partes, o qual as aproximará buscando a solução dos conflitos mediante concessões recíprocas".

Nesse sentido, salienta-se que o conciliador tem uma intervenção ativa na negociação das partes, na medida em que pode apresentar eventuais soluções para aquele conflito. A conciliação baseia-se na autonomia privada, tanto no que respeita à iniciativa, como ao processo de negociação. 


3. Do Princípio da Indisponibilidade e da Conciliação

O princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas "traduz a inviabilidade técnica-jurídica de poder o empregado despojar-se, por sua simples manifestação de vontade, das vantagens e proteções que lhe asseguram a ordem jurídica e o contrato" (DELGADO, 2016, p. 204).

Nessa linha, o princípio da indisponibilidade corrobora que o empregado não pode renunciar a um direito que lhe confere proteção, simplesmente por sua manifestação de vontade, uma vez que causa o desequilíbrio de ordem econômica, social e cultural entre os sujeitos trabalhistas.

Diante disso, o princípio da indisponibilidade de direitos, visa a assegurar ao empregado os seus direitos e garantias, de maneira que não admite a ele renunciar aos seus direitos, em permuta de supostos benefícios oferecidos pelo empregador. Assim, este princípio revela um caráter imprescindível das normas trabalhistas, bem como sua finalidade social, em que o caráter protetivo reflete o interesse público e coletivo, restringindo os direitos das partes nas negociações trabalhistas, visando a resguardar os direitos do trabalhador.

No entanto, no momento em que é realizada a conciliação em ações trabalhistas, o empregado/trabalhador, algumas vezes sente-se obrigado a renunciar parte dos seus direitos para vê-los atendidos, no mínimo, parcialmente, em virtude da premente necessidade em que se encontram quando recorrem ao Poder Judiciário para solução dos seus conflitos. Uma vez que as verbas salariais discutidas em ações trabalhistas têm cunho alimentício, conseqüentemente, a renúncia aos direitos assegurados pela lei aos trabalhadores configura ultraje ao princípio da indisponibilidade de direitos.

É de ressaltar que as ações trabalhistas poderão ser submetidas à conciliação em qualquer momento processual, a fim de garantir uma solução pacífica e justa às partes envolvidas na demanda judicial, notadamente ao trabalhador, parte hipossuficiente da relação trabalhista, conforme dispõe o artigo 764 da CLT:

Art. 764 - Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação.

§ 1º - Para os efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos.

Nessa concepção, o presente trabalho recomenda a participação do Ministério Público do Trabalho em conflitos que envolvem direitos individuais indisponíveis para resguardar estes direitos nas conciliações da Justiça do Trabalho. Dessa forma, será possível promover um tratamento adequado dos conflitos de interesses nas relações laborais, e, conseqüentemente, evitar as recorrentes desigualdades, injustiças e reduções ilimitadas de direitos dos trabalhadores, e, sobretudo, a violação dos direitos irrenunciáveis.

Segundo entendimento de Theodoro Júnior (2016, p. 76), o legislador preconiza a solução consensual dos conflitos, atribuindo ao Estado o encargo de promover essa prática pacificadora, sempre que possível. Nessa linha, o art. 3º, § 3º do Novo Código de Processo Civil (NCPC), dispõe que:

Art. 3º - Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 3º- A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Além disso, Theodoro Júnior (2016, p. 76) assevera que o Novo Código de Processo Civil de 2015 (NCPC), não se limita a estimular a solução consensual dos conflitos, pois prevê a criação, pelos tribunais, de Centros Judiciários de solução consensual de conflitos, os quais serão responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, assim como pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

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Sobre os autores
Cynara Silde Mesquita Veloso

Doutora em Direito Processual pela PUC Minas, Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela UFSC, Professora do Curso de Direito da UNIMONTES. Professora e Coordenadora do Curso de Direito das FIPMoc.

Cássia da Cruz Santos

Acadêmica do 10º período do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes

Arthur Felipe Barbosa Batista Otoni

Acadêmico do 10º período do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros.

Géssica Daianny dos Santos Lima

Acadêmica do 10º período do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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