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Direitos da personalidade.

O direito à intimidade sexual

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09/06/2005 às 00:00
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7. OS POSICIONAMENTOS NA DOUTRINA BRASILEIRA

1º) Art. 226, § 3º, CF – caráter restritivo - rol taxativo – não há inconstitucionalidade nesse artigo – não admite a união homoafetiva como entidade familiar (não tendo direitos sucessórios, a alimentos, nem guarda/tutela/adoção; entretanto prevê direito à partilha – não à meação). Somente uma Emenda Constitucional para inserir outro tipo de entidade familiar (união homoafetiva).

A Constituição Federal não elenca as uniões homoafetivas como entidade familiar, asseverando que o rol do art. 226, § 3º, CF/88 é taxativo e, por isso, nenhuma lei infraconstitucional poderá atribuir direitos sucessórios aos parceiros homossexuais. Nem sequer podem ser-lhes atribuídos direitos e deveres inerentes ao Direito de Família, não podendo, pelas mesmas razões, exercerem guarda, tutela conjunta ou levarem a efeito adoção conjunta de menores.

2º) O art. 226, § 3º, CF é, paradoxalmente, inconstitucional, porque afronta princípios fundamentais assegurados pela própria Constituição que são os princípios da dignidade humana e da isonomia e, por isso, às uniões homoafetivas deve ser dado o mesmo tratamentoassegurado às uniões estáveis, cujos partícipes deveriam ter direito à sucessão, alimentos, guarda/tutela/adoção e, inclusive, meação.

A restrição do art. 226, § 3º, CF, só reconhecendo como entidade familiar, merecedora da proteção do Estado, a união estável entre um homem e uma mulher, configura verdadeira afronta tanto ao cânone do respeito à dignidade humana como ao princípio da igualdade, que são os vetores do perfil democrático do Estado. Diante desse aparente confronto entre a norma constitucional e os princípios que a norteiam, até por uma questão de coerência interna, a conclusão só pode ser uma: desde que uma norma constitucional se mostre contrária a um princípio constitucional, há de prevalecer o princípio.

A Constituição assegura o princípio da isonomia entre todas as pessoas – homens e mulheres – e garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Contempla ainda o princípio da dignidade humana, sendo obrigação do Estado promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Esses princípios são normas superiores que não podem ser contrariados por outras normas constitucionais. Deste modo, o art. 226, § 3º/CF é uma norma constitucional, paradoxalmente, inconstitucional, no ponto em que impõe a diversidade de sexo para a união estável. Os conviventes na união estável homoafetiva tem os mesmos direitos e deveres dos conviventes heterossexuais, podendo aqueles, inclusive, adotarem em conjunto.

3º) O art. 226, § 3º, CF não contém inconstitucionalidade. Porém, o rol é exemplificativo. Só haveria necessidade de lei infraconstitucional para regulamentar a união homoafetiva.

O art. 226, § 3º, CF não é inconstitucional; porém, o rol das espécies de família pela Constituição contemplada é exemplificativo. Outras espécies de família existem. Assim, dentro da família monoparental está aquela constituída só por irmãos, pelo tutor e pupilo, pelo guardião e guardador e também a biparental constituída pelas uniões homoafetivas e como essas uniões tem como traço marcante a afetividade de seus membros, assemelhando-se às uniões heterossexuais, deve ser atribuído aos membros dessa união, por analogia, os mesmos direitos e deveres, que são conferidos aos conviventes heterossexuais, colmatando (=encher várias lacunas ou brechas), assim, a lacuna legal.


8) A JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA

A) STJ – Reconheceu a sociedade de fato decorrente da relação homoafetiva. Efeitos da súmula 380 do STF (17).

B) Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e do Paraná:

Reconheceram, além do direito à partilha, o de dependente perante a seguridade social.

Tribunal de Justuiça do Rio Grande do Sul:

Julgado da 8ª Câmara Cível de 1/3/2000 julgou juridicamente possível o pedido de reconhecimento de união estável entre homossexuais.

"Ante princípios fundamentais insculpidos na Constitutição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual [......) Uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso País, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceit5os e impondo a serenidade cientifica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos...."

C) Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

Atribuiu a guarda da criança, filha da convivente falecida, para a companheira supérstite.

D) T.S.E., recentemente, reconheceu o impedimento de uma mulher concorrer à eleições municipais de 2004, porque ela convivia com outra mulher que era Prefeita, estendendo, dessa maneira, a mesma proibição eleitoral que existe para os cônjuges e aqueles que vivem em união estável.


9) DIREITOS ATRIBUÍDOS A PESSOAS QUE VIVEM EM UNIÃO HOMOAFETIVA

Visão panorâmica das uniões homoafetivas nos sistemas jurídicos internacionais:

PAÍSES EUROPEUS:

1) DINAMARCA, NORUEGA e SUÉCIA

Admitem a parceria ou convivência registrada dos homossexuais, impondo entre eles o dever de mútua assistência (moral e material).

2) HOLANDA

Atribui às uniões hétero e homossexuais os mesmos efeitos do casamento civil. Inexiste, entretanto, qualquer vinculação jurídica com o filho de um dos parceiros em relação ao outro.

3) CATALUÑA (Província da Espanha)

Existe uma lei única para regulamentar as uniões entre homossexuais e as heterossexuais contendo, basicamente, duas diferenças entre estas e aquelas:

a) O parceiro homossexual sobrevivente poderá ser excluído, por tetamento, da sucessão do seu companheiro; o hétero não;

b) Os conviventes homossexuais não podem adotar em conjunto.

A RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU DE 8/FEVEREIRO/1994 recomenda que os Estados-membros assegurem aos homossexuais o seguinte:-

a) Igualdade no setor trabalhista, sendo proibida qualquer discriminação, inclusive nas funções públicas,

b) Discriminalizar essa conduta;

c) Impedir qualquer limitação dos homossexuais terem filhos, naturais ou civis;

d) Possibilitar o casamento ou a convivência dos homossexuais amparados por instituto análogo ao casamento.


10) A UNIÃO HOMOSSEXUAL NO DIREITO BRASILEIRO

a) Ausência de legislação específica regulando a matéria;

b) Projeto de Lei nº 1.151/95: Permite a denominada parceria civil registrada e confere os seguintes direitos:

1) dependência previdenciária;

1.a) a pensão por morte já é concedida pelo INSS em virtude de decisão judicial- vide Instrução Normativa nº 25 de 7/6/2000-anexa)

2) dependência para fins tributários;

3) direitos sucessórios restritos ao usufruto;

4) composição de rendas para aquisição de casa própria;

5) constituição do bem de família sobre o imóvel residencial;

6) possibilidade de regulamentar os efeitos pessoais (fidelidade, coabitação, obrigação alimentar);

7) atribui prioridade para o parceiro sadio exercer a curatela em caso da incapacidade do outro;

8) proíbe o exercício da guarda, da tutela conjunta, bem como a adoção conjunta de criança ou adolescente.


BIBLIOGRAFIA:

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

BITTAR, Carlos Alberto e BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Tutela dos direitos da personalidade e dos direitos autorais nas atividades empresariais. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

FACHIN, Carlos Alberto. A proteção jurídica da imagem. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999.

DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual: estudo sobre o transexualismo: aspectos médicos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

VIANA, Rui Geraldo Camargo e NERY, Rosa Maria de Andrade-organizadores. Temas atuais de Direito Civil na Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro – Direito de Família. Vol. 4, 11ª ed. rev. e atual. com a colaboração do Des. Luiz Murillo Fábregas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.


NOTAS

1 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 30.

2 Status "é a qualidade em virtude da qual o cidadão romano tem direitos: é a condição civil de capacidade" "in" CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito romano: o direito romano e o direito civil brasileiro. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 84, porque "No direito romano. .... previam-se direitos à pessoa correspondentes a: a) ‘status libertatis’ (condição de liberdade da pessoa, em contraposição à situação de escravo, que, como ‘res’, sofria da chamada ‘capitis deminutio maxima’); b) ‘status civitatis’ (situação de nascimento na cidade, de que gozavam os cidadãos romanos, ou ‘cives’, ou ‘quirites’, cuja ausência significava a ‘capitis deminutio media’, própria do estrangeiro); c) ‘status familiae’ (posição do cidadão enquanto chefe de família, cuja falta importava em subordinação a ascendente masculino, na denominada ‘capitis diminutio mínima’)." "in" BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 28.

3 GOMES, Orlando. Introdução ao Código Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

4 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 1.

5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. 16ª ed. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 102.

6 Eis algumas delas: 1ª classificação: Considerados os direitos da personalidade sob três aspectos: direitos à integridade física (direito à vida e aos alimentos; direito sobre o próprio corpo, vivo; direito sobre o próprio corpo, morto; direito sobre o corpo alheio, vivo; direito sobre o corpo alheio, morto; direito sobre partes separadas do corpo, vivo e direito sobre partes separadas do corpo, morto), direitos à integridade intelectual (direito à liberdade de pensamento; direito pessoal de autor científico; direito pessoa do autor artístico e direito pessoal do inventor) e direitos à integridade moral (direito à liberdade civil, política e religiosa; direito à honra; direito à honorificiência; direito ao recato; direito ao segredo pessoal, doméstico e profissional; direito à imagem; direito à identidade pessoal, familiar e social) cf. FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil, 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 1971, p. 329/330; 2ª classificação: dois aspectos a saber direitos à integridade física (direito à vida; direito sobre o próprio corpo [direito sobre o corpo inteiro e direito sobre partes separadas do corpo] aqui incluído, também, o direito de decisão individual sobre tratamento médico e cirúrgico, exame médico e perícia médica) e direitos à integridade moral (direito à honra; direito à liberdade; direito ao recato; direito à imagem; direito ao nome; direito moral do autor) cf. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 153/154; 3ª classificação: três aspectos a saber direitos físicos (corpo; órgãos; membros; imagem), direitos psíquicos (liberdade; intimidade; sigilo) e direitos morais (identidade; honra; manifestações do intelecto) cf. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 17; 4ª classificação: cinco aspectos a saber direitos à vida e à integridade física (direito à vida; direito à integridade física; direito sobre as partes separadas do corpo), direito à liberdade, direitos à honra e ao resguardo pessoal (direito à honra; direito à intimidade; direito ao segredo), direitos à identidade pessoal (direito ao nome; direito ao título; direito ao signo figurativo) e direito moral do autor e do inventor cf. DE CUPIS, Adriano. I diritti della personalità. Milano: Giuffrè, s.d., p. 101 apud FACHIN, Zulmar Antonio. A proteção jurídica da imagem. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 35.

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7 FACHIN, Zulmar Fachin. A proteção jurídica da imagem. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 34.

8 MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.

9 Diversos são os conceitos já elaborados, destacando-se os seguintes:

"Direitos da personalidade dizem-se as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos" cf. FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, V. 1, p. 321, apud FACHIN, Zulmar Antonio. A proteção jurídica da imagem. São Paulo: Celso de Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1999, p. 28;

"Sob a denominação de direitos da personalidade, compreendem-se os direitos personalísticos e os direitos sobre o próprio corpo. São direitos considerados essenciais aos desenvolvimento da pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e disciplina, no corpo do Código Civil, como direitos absolutos, desprovidos, porém, da faculdade de disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte dos outros indivíduos" cf. GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 131/132, apud FACHIN, Zulmar Antonio, ob. cit.,

"Os direitos da personalidade ou personalíssimos são direitos absolutos, aos quais correspondem deveres jurídicos de todos os membros da coletividade, cujo objeto está na própria pessoa do titular, distinguindo-se assim dos direitos reais que recaem sobre coisas ou bens exteriores ao sujeito da relaçãsim dos direitos reais que recaem sobre coisas ou bens exteriores ao sujeito da relaçrte dos outros indios da personalidade em o jurídica" cf. WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: introdução e parte geral, 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 121, apud FACHIN, Zulmar Antonio, ob. cit.

10 Ob.cit., p.28.

11 BITTAR, Carlos Alberto e BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Tutela dos direitos da personalidade e dos direitos autorais nas atividades empresariais. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

12 DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação, p. 90

13 DE CUPIS, ADRIANO. Os Direitos da Personalidade. Tradução de Adriano Vera Jardim e Miguel Caeiro. Lisboa: Livraria Morais Editora, 1961, p. 115.

14 § 2º do art. 5º da CF: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

15 SCHMITT, Carl. Teoria de la Constitución. Madrid: Alianza Universidad Texto, 1996, p. 47.

16 BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Coimbra: Livraria Almedina, 1994, p. 32

17 Súmula 380 do STF: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos é cabível sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

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Sobre a autora
Sônia Regina Negrão

Advogada, Especialista em Direito Civil pela Faculdade de Direito das Faculdades Integradas Antonio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEGRÃO, Sônia Regina. Direitos da personalidade.: O direito à intimidade sexual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 704, 9 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6829. Acesso em: 24 abr. 2024.

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