Artigo Destaque dos editores

Inconstitucionalidade da sindicância patrimonial

Exibindo página 4 de 4
18/09/2018 às 16:20
Leia nesta página:

III – CONCLUSÃO

Ex positis, concluímos pela inconstitucionalidade do Decreto nº 5483/2005, que criou a sindicância patrimonial sem observar o plasmado constitucional da “reserva de lei”, domínio normativo exigido para conferir legitimidade à investigação patrimonial do agente público, implementado com a finalidade de verificar um possível enriquecimento ilícito.

Por mais relevantes que sejam os fatos investigados, o direito sancionador estatal só pode ser instaurado quando presentes seus pressupostos de validade perante o ordenamento constitucional, para que as provas produzidas não sejam declaradas ilícitas e inválidas para os fins a que se destinam.

Por essa razão, as provas produzidas pela sindicância patrimonial são ilícitas, contaminando os atos administrativos subsequentes, em decorrência da quebra de sigilo de dados do agente público sem a autorização judicial e sem a instauração de processo administrativo, em violação direta ao que vem estatuído no art. 198, § 2º, do CTN e no art. 5º, incs. X e XII, da CF.


Notas

[1] “Decerto, não foge à razoabilidade supor que o réu, ao executar as condutas em apreço, auferisse alguma vantagem financeira ilegítima. No entanto, embora o parquet tenha sustentado em sua petição inicial a existência do locupletamento ilícito do ex-servidor, não trouxe aos autos qualquer prova de evolução patrimonial incompatível com o cargo então ocupado, limitando-se a citar dispositivos legais da Lei 8.429/92 referentes a enriquecimento ilícito. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), “em matéria de enriquecimento ilícito, cabe à Administração comprovar o incremento patrimonial significativo e incompatível com as fontes de renda do servidor. Por outro lado, é do servidor acusado o ônus da prova no sentido de demonstrar a licitude da evolução patrimonial constatada pela administração, sob pena de configuração de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito” (STJ, 1ª Seção, MS 19.782, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 06.04.2016; STJ, 2ª Turma, AgRg no AREsp 548901, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 23.02.2016). Daí que, à míngua de prova nos autos em tal sentido, afigura-se correta a linha decisória adotada pela sentença quanto à não verificação de locupletamento ilícito do réu. No que concerne aos danos morais, discorreu o MPF que os prejuízos acarretados à Previdência Social por força dos atos do réu transcendem a mera esfera patrimonial, uma vez que atingiram a credibilidade do INSS e a moralidade de seus servidores. Ressaltou que, ao lesar os cofres da autarquia previdenciária, que custeia um dos pilares da Seguridade Social, o réu acabou por atingir toda a coletividade, causando prejuízo moral de natureza difusa. A sentença impugnada, em contrapartida, entendeu por não demonstrado que a conduta do réu tenha afetado o conceito/imagem da autarquia perante o público.” (TRF – 2a Reg. Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro, Remessa ex officio no 2010.51.01. 009840-1, 5a Turma Especializada, julgado em 1.06.2016).

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. Ed.,  São Paulo: Malheiros, 1993, p. 368.

[3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2004, p. 72.

[4] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2. ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 635.

[5] CANOTILHO, J.J. Gomes.  op. cit. ant., p. 635.

[6] CANOTILHO. JJ Gomes. Direito Constitucional e Teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 633.

[7] MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, tomo V/220, item nº 62, 2. ed, Coimbra: Coimbra Editora.

[8] STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Suspensão de Segurança nº 1016-6/PB, Pleno, DJ de 20.06.96, p. 22.057.

[9]  STF, Rel. Min. Celso de Mello, ADI-Mc nº 766/RS, Plano, DJ de 27.05.94, p. 13.186.

[10] STF, Rel. Min. Celso de Mello, ADI-MC nº 2075, Pleno, julgado em 07.02.2001.

[11] Art. 145, da Lei no 8.112/90.

[12] Arft. 13 da Lei nº 8.429/92: “A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declarações dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ficar arquivado no serviço de pessoal competente.”

[13] “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DECRETO ESTADUAL 38.127/1999. TETO REMUNERATÓRIO. ESTIPULAÇÃO POR DECRETO DO PODER EXECUTIVO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI. AGRAVO IMPROVIDO. I – A estipulação de teto remuneratório por meio de decreto do Poder Executivo viola o postulado constitucional da reserva de lei. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.” (STF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, REAgR nº 426491, 1ª T., julgado em 8.02.2011) E ainda: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ALAGOAS. DECRETO ESTADUAL 38.127/99. REGULAMENTAÇÃO DO TETO REMUNETÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DA RESERVA LEGAL. Conforme jurisprudência pacificada, a regulamentação do teto remuneratório é matéria sujeita à reserva de lei. Inviável, portanto, a edição de Decreto para tal fim (cf. ADI 2.075-MC, rel. min. Celso de Mello, DJ 27.06.2003). Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, RE nº 446452, 2ª T., julgado em 31.08.2010).

[14] MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1946, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1943, p. 306.

[15] TÁCITO, Caio. Lei de Iniciativa do Poder Executivo. Sanção. Criação de Cartos e Aumento de Vencimentos. In Revista de Direito Administrativo, vol. 68. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Abr-Jun/1962, p. 349.

[16] “Art. 67 (...)

§ 2º. Ressalvada a competência da Câmara dos Deputados, do Senado e dos Tribunais Federais, no que concerne aos respectivos serviços administrativos, compete exclusivamente ao Presidente da República a iniciativa das leis que criem empregos em serviços existentes, aumentem vencimentos ou modifiquem, no decurso de cada legislativa, a lei de fixação das forças armadas.”

[17] TÁCITO, Caio. op. cit. ant., p. 341.

[18] STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, ADI nº 766/RS, Pleno. DJ de 11.12.1998.

[19] “Direito Constitucional e Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 165, de 25.09.91, do Distrito Federal. 1. A Lei impugnada trata de servidores públicos do Distrito Federal, de seu Regime Jurídico, inclusive contagem de tempo de serviço para todos os efeitos e de provimento de cargos, definindo critérios para a progressão funcional, matérias todas compreendidas na alínea "c" do 1. do artigo 61, que atribuem privativamente ao chefe do Poder Executivo a iniciativa do processo legislativo, princípio a ser observado, não só nos Estados (art. 25), mas, também, no Distrito Federal (art. 32). 2. Não tendo havido, no caso, iniciativa do Governador do D.F., ocorre a inconstitucionalidade formal. 3. Ação direta julgada procedente, com a declaração de inconstitucionalidade da Lei. Votação unânime.” (STF, Rel. Min. Sidney Sanches, ADI nº 665, Pleno, julgado em 15.03.95.

[20] MENDES, Gilmar Ferreira;  COELHO, Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. ed., Rio de Janeiro: Saraiva, 2008, ps. 1011-1012.

[21] Art. 17, da Portaria CGU nº 335, de 30 de maio de 2006: “Art. 17. O procedimento de sindicância patrimonial será conduzido por comissão constituída por dois ou mais servidores efetivos ou empregados públicos de órgão ou entidade da Administração Pública Federal.”

[22] STJ, Rel. Min. Luiz Fux, REsp nº 1134665/SP, 1ª S., DJde 18.12.2009.

[23] STF, Rel. Min. Edson FAchin, RE nº 601.314/SP, Pleno, julgado em 24.02.2016.

[24] STF, Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 93050/RJ, 2ª T., DJde 1.08.2008.

[25] SRF, Rel. Min. Marco Aurélio, RE nº 389.808/PR, Pleno, DJde 10.05.2011.

[26] STF, Rel, Min,. Menezes Direito, MS nº 22801, Pleno, DJ de 14.03.2009.

[27] STF, Rel. Nin. Celso de Mello, Ms nº 23851/DF, Plano, DJ de 21.06.2002.

[28] SRF, Rel. Min. Marco Aurélio, RE nº 461.366/DF, 1ª T., DJ de 05.10.2007.

[29] STF, Rel. Min. Carlos Velloso, RE nº 215301, 1ª T., DJ de 28.05.1999.

[30] WALLD, Arnoldo. Caderno de Direito Tributário e Finanças Públicas, vol. 1/206,  São Paulo: RT,  1992.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

[31] Miguel Reale e Ives Gandra da Silva Martins, com a precisão de sempre, já advertiam quanto ao que acabamos de aduzir: “Em outras palavras, se nos processos investigatórios o sigilo já estaria quebrado, por que solicitar ao Poder Judiciário autorização para obter informações que a própria Receita já estaria de posse...” (REALE, Miguel e MARTINS, Ives Gandra da Silva. “Inconstitucionalidade do Decreto no 4.489, de 28/11/2002 por macular o Processo Legislativo Plasmado na Lei Suprema e Infringir Direitos Fundamentais do Cidadão – Opinião Legal.” In: Revista Ibero-Americana de Direito Público, Rio de Janeiro, ano 4, vol. 9, 1o trim. de 2003, p. 283.

[32] “Quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico, por Comissão Parlamentar de Inquérito. Nulidade do ato por falta da indispensável fundamentação” (STF, Rel. Min. Octávio Gallotti, MS no 23668/DF, Pleno, DJ de 24 nov. 2000. p. 88).

[33] “Agravo Regimental em Petição. Contrato de Prestação de Serviços Advocatícios. Quebra de Sigilo Bancário, Fiscal e Telefônico. Matérias Jornalísticas. Duplicidade da Notícia-Crime. 1. O contrato de prestação de serviços advocatícios foi objeto de exame da decisão agravada. É equivocada a alegação do agravante de que a decisão agravada não apreciou a existência do contrato e seu conteúdo. Os honorários e a forma de pagamento contratados não podem ser apontados como ilegais, a ponto de permitirem que se instaure uma ação penal. O pagamento das parcelas avençadas no referido contrato, nada mais é do que uma obrigação da parte contratante. 2. Para autorizar-se a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, medida excepcional, é necessário que hajam indícios suficientes da prática de um delito. A pretensão do agravante se ampara em meras matérias jornalísticas, não suficientes para caracterizar-se como indícios. O que ele pretende é a devassa da vida do Senhor Deputado Federal para fins políticos. É necessário que a acusação tenha plausibilidade e verossimilhança para ensejar a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico. 3. Declaração constante de matéria jornalística não pode ser acolhida como fundamento para a instauração de um procedimento criminal. 4. A matéria jornalística publicada foi encaminhada ao Ministério Público. A apresentação da mesma neste Tribunal tem a finalidade de causar repercussão na campanha eleitoral, o que não é admissível. Agravo provido e pedido não conhecido” (STF, Rel. Min. Nelson Jobim, Pet. no 2805 AgR/DF, Pleno, DJ de 27 fev. 2004. p. 20).

[34] STF, Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 93.050/RJ, 2ª T., DJ de 1.08.2008.

[35] STF, Rel. Min. Celso de Mello, MS nº 23.452-1/RJ, Pleno, julgado em 16.09.1999).

[36] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Proibição das Provas Ilícitas na Constituição de 1988, in  Os 10 Anos da Constituição Federal. Coordenado por MORAES, Alexandre de. São Paulo: Atlas, 1999, ps. 249/266.

[37]MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 4. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 374.

[38] GRINOVER, Ada Pelegrine. A Eficácia dos Atos Processuais à luz da Constituição Federal. Vol. 37/46-47, 1992, in RPGESP)

[39] STF, Rel. Min. Ilmar Galvão, AP nº 307-3/DF, Pleno, DJ de 13.10.95.

[40] STF, RTJ nº 155/508, p. 515.

[41] STJ, Rel. Min. Celso de Mello, HC nº 93.050-6/RJ, Pleno, DJ de 01.08.2008.

[42] STF, Rel. Min. Cármen Lúcia, Inf. Nº 3732/DF, 2ª T., DJ de 22.03.2016.

[43] TOURINHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado, vol. 1, 9. Ed., São Paulo: Saraiva, 2005, os; 474/476.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Inconstitucionalidade da sindicância patrimonial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5557, 18 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68470. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos