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A situação do preso provisório quanto ao exercício do direito ao voto no processo eleitoral brasileiro

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22/10/2018 às 14:30
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5 – DOS PRINCÍPIOS ALUSIVOS AO PRESO PROVISÓRIO

Diante da situação precária em que se encontra o sistema penitenciário nacional, pode-se afirmar que há urgência na elaboração de políticas públicas que possam garantir a realização plena, pelos encarcerados, dos direitos e garantias previstos constitucionalmente, respeitando-se as limitações impostas por lei.

Enquanto isso, tais indivíduos ficam totalmente à margem da sociedade e sofrem com o cerceamento de direitos relacionados não só ao exercício da cidadania, mas também com o princípio da presunção de inocência, bem como com os princípios do devido processo legal e da dignidade humana. Neste capítulo, o presente trabalho abordará os princípios supracitados ressaltando a importância de cada um.

5.1 DA NÃO CULPABILIDADE OU PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O princípio constitucional da não culpabilidade, também conhecido como princípio da presunção de inocência, consagrado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso LVII, estabelece que: “Ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”.

Tal princípio originou-se como uma forma de repressão à práticas arbitrárias do poder estatal, emergindo em meio aos “postulados fundamentais que presidiram a reforma do sistema repressivo empreendida pela revolução liberal do século XVIII”. [54]

Destarte, o princípio da presunção de inocência visa impedir que o Estado condene ou trate o cidadão sem que se respeite as garantias de igualdade e do devido processo legal, bem como o princípio da dignidade humana. Assim, a presunção de inocência é utilizada com o intuito de impedir que seja dado ao cidadão um tratamento de condenado antes mesmo do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. De acordo com Alexandre Moraes:         

A presunção de inocência [...] representa um direito que veio atender à igualdade, ao respeito à dignidade da pessoa humana, ao cidadão e ao devido processo penal porquanto: a) a relação jurídica entre o imputado e órgãos persecutórias mais equilibrada (garantia à igualdade), impedindo que as manifestações do poder pública ultrapassem o necessário; b) impede, de ordinário, que ao imputado seja dado tratamento de condenado, antes do reconhecimento definitivo de sua culpa (garantia à dignidade da pessoa); c) impõe a necessidade de um processo condizente com todos os padrões constitucionais de justiça para que se processada à verificação e declaração de culpa do cidadão (garantia do devido processo legal); d) impõe uma decisão menos prejudicial ao imputado sempre que houver dúvida fática ou se possa proceder à mais favorável escolha jurídica, como asseveração do prestigio à dignidade da pessoa humana em toda e qualquer decisão judicial penal. [55]

De acordo com a Constituição Federal de 1988 e com a doutrina, tal princípio relaciona-se com a produção de provas por parte do Estado ou daquele que acusa, pois “há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao arbítrio estatal”. [56]

Pode-se afirmar, portanto, que a presunção de inocência obriga a acusação a produzir provas de maneira fundamentada em desfavor do acusado, garantindo que o ônus da prova caberá à acusação e não a defesa. Para melhor compreensão, o princípio em comento deverá:

garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não a defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o estado-acusação evidencie, com provas suficientes, ao estado-juiz a culpa do réu. [57] 

Nesse mesmo sentido, o autor Nestor Távora afirma a que presunção de inocência deverá prevalecer até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pois segundo o referido autor: “Antes deste marco, somos presumivelmente inocentes, cabendo à acusação o ônus probatório desta demonstração (...).” [58]

Cumpre ressaltar que o princípio da presunção de inocência também fora consagrado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu artigo 9º, o qual estabelece que: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.” [59]

Diante do exposto, conclui-se que o princípio constitucional da não culpabilidade ou da presunção de inocência, visa impedir todo e qualquer excesso de cerceamento aos direitos do indivíduo que se encontra na condição de suspeito, ou indiciado, ou denunciado, ou até mesmo de réu. Assim, é vedado ao Estado tratar tal indivíduo como se este já houvesse sido condenado de forma definitiva por sentença do Poder Judiciário, devendo-se, portanto, manter-se o devido respeito aos direitos e garantias constitucionais.

5.2 DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O princípio do devido processo legal fora consagrado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LIV:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Tal princípio impõe limites ao poder estatal oferecendo meios que possibilitam a censura da própria legislação, visando impedir que o regime democrático seja afrontado por leis arbitrárias. Deste modo, pode-se considerar o princípio em comento como indispensável ao correto exercício da jurisdição. Nesse sentido, o autor Cândido Rangel Dinamarco aponta o intuito do legislador ao consagrar constitucionalmente o princípio do devido processo legal:

[...](i) pôr esses valores sob a guarda dos juízes, não podendo eles ser atingidos por atos não-jurisdicionais do Estado;[...] (ii) proclamar a autolimitação do Estado no exercício da própria jurisdição, no sentido de que a promessa de exercê-la será cumprida com as limitações contidas nas demais garantias e exigências, sempre segundo os padrões democráticos da República brasileira.[60]

De acordo com o autor Nelson Nery Júnior, o princípio do devido processo legal caracteriza-se por tutelar a vida, a propriedade e a liberdade. Nesse sentido, o referido autor afirma que:

Genericamente, o princípio do due process of law caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, vale dizer, tem-se o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo o que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause.[61]

Deste modo, conclui-se que a Constituição Federal de 1988, ao adotar o princípio do devido processo legal, objetivou proclamar a autolimitação do Estado no exercício de seu poder, visando que o exercício da jurisdição estatal seja cumprido observando-se as limitações impostas pelas garantias e princípios constitucionais e mantendo-se os padrões democráticos da República brasileira.  

5.3 DA DIGNIDADE DA PESSOA HUAMANA

O princípio da dignidade da pessoa humana fora estabelecido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, como fundamento do Estado Democrático de Direito, caracterizando-se, portanto, como uma das bases estruturais do ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, José Afonso da Silva considera que:

Poderíamos até dizer que a eminência da dignidade da pessoa humana é tal que é dotada ao mesmo tempo da natureza de valor supremo, princípio constitucional fundamental e geral que inspiram a ordem jurídica. Mas a verdade é que a Constituição lhe dá mais do que isso, quando a põe como fundamento da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional.[62]

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Como exposto acima, o princípio da dignidade humana não deve ser considerado apenas como um princípio constitucional, mas sim como um fundamento da Constituição Federal ao qual se confere a natureza de valor supremo. Cumpre ressaltar que o princípio em análise também estabelece uma relação de harmonia entre os princípios fundamentais, conferindo-lhes unidade.

Com relação à influência do referido princípio na Constituição Federal, o autor Jorge Miranda afirma que esta “repousa na dignidade da pessoa humana, proclamada no art. 1º, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado”. [63]

Para Ingo Sarlet Wolfgang, os ideais de dignidade, vida e humanidade estão intimamente relacionados O referido autor também destaca que a ideia de dignidade encontra-se enraizada na essência da pessoa humana. Deste modo, o referido Sarlet associa a dignidade como inerente à condição humana, afirmando que os aspectos referentes à dignidade humana só poderiam ser desconsiderados caso o indivíduo pudesse renunciar à sua própria condição de ser humano. [64]

Com base em ordenamentos jurídicos de outros países, a Constituição Federal de 1988 adotou como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana. Consequentemente, tal princípio passou a repercutir em toda a esfera política, social e jurídica. A dignidade da pessoa humana passou então a ter suma importância para o Estado, considerando o fato de que este passa a existir em função do cidadão. [65]

Ainda considerando o princípio em comento, o autor Ingo Sarlet Wolfgang afirma que:

O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças [...]. [66]

Pelo exposto, conclui-se que o princípio da dignidade humana, por seu valor supremo de fundamento constitucional, relaciona-se intimamente com os princípios fundamentais. Deste modo, toda e qualquer violação a estes princípios acarretará, mesmo que indiretamente, no desrespeito à dignidade humana, fato este que não se deve admitir em hipótese alguma. Somente respeitando-se os fundamentos constitucionais bem como as garantias e princípios fundamentais, é que a sociedade estará protegida de modo eficaz contra a arbitrariedade e injustiças.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAVARRETE, Murilo Faria. A situação do preso provisório quanto ao exercício do direito ao voto no processo eleitoral brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5591, 22 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69581. Acesso em: 25 abr. 2024.

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