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A insuficiência do Marco Civil da Internet em relação às fake news nas eleições

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As fake news têm particular importância na atualidade, sendo um assunto dos mais relevantes. O tema é atual e instigante, principalmente quando analisado com a legislação nacional, que se mostra insuficiente para resolver os conflitos sobre o assunto.

A internet permite aos seus usuários o exercício de direitos básicos, tais como o de informar e ser informado, tornando as publicações em meio virtual acessíveis de forma prática e rápida pelo público em geral. Ela é uma enorme fonte de informações, o que a transforma em um importante centro de encontro, de confronto e de troca de opiniões, de crescimento de relações interpessoais, com todas as vantagens e riscos inerentes às relações sociais[1]. O uso da internet disseminou-se de tal forma que hoje é praticamente impossível conceber a sociedade atual dissociada da relação interpessoal no meio cibernético com as suas variadas nuances.

No entanto, como qualquer tecnologia, a internet não trouxe somente benefícios, sendo utilizada muitas vezes como um mecanismo de prática de ilícitos, decorrendo, principalmente, do seu mau uso associado à capacidade difusora de informações, o que levou o Poder Judiciário a buscar coibir as práticas abusivas, identificando os responsáveis e determinando reparação às vítimas.

Em relação às fake news, que têm sido muito comuns na sociedade atual, percebe-se que ao se aliar à internet e a sua fácil difusão acaba atingindo outro patamar no que concerne aos danos gerados à vítima. Isto fica ainda mais evidente no âmbito das eleições em que as fake news são utilizadas para atingir a honra e imagem de determinados candidatos e beneficiar outros, podendo influenciar diretamente o resultado final do pleito.

No período eleitoral, as fake news ganham particular relevância, e evidenciam como o sistema adotado pelo Marco Civil da Internet é insuficiente. A título de exemplo, na eleição dos Estados Unidos da América de 2016, na qual elegeu-se Donald Trump, pesquisas apontaram que houve influência direta das fake news no resultado e que, inclusive, cerca de 27% do eleitorado teria acessado ao menos uma fake news nas semanas que antecederam a eleição presidencial[2].

O poder de persuasão das fake news é imensurável, podendo influenciar drasticamente as eleições. Com base nisto, evidentemente, caso haja demora em retirar o conteúdo falso da internet poderá haver severas consequências eleitorais, podendo o candidato vítima das fake news perder diversos eleitores caso não haja imediata determinação para o provedor de conteúdo retirá-la da internet, não podendo esperar o trâmite de uma ação judicial que, na maioria das vezes, é morosa e insuficiente para atingir o objetivo pleiteado de retirar a notícia falsa imediatamente do ar.

Percebe-se, assim, que o fator tempo assume particular importância, pois, quanto maior o tempo para retirar as fake news da internet, maiores poderão ser as consequências para o candidato e para os eleitores, podendo, inclusive, ser capaz de mudar o resultado de uma eleição. Neste cenário, demonstra-se mais razoável que fosse utilizado o sistema anterior ao Marco Civil da Internet ou, em outras palavras, que fosse adotado o notice and take down e não o judicial notice and take down, pois o período eleitoral é relativamente curto e as consequências podem ser desastrosas caso tenha que se esperar uma determinação judicial para retirada de toda e qualquer fake news.

Antes da promulgação do Marco Civil da Internet, o STJ havia se posicionado pela necessidade de notificação extrajudicial para retirada de qualquer conteúdo que entendesse ilícito (notice and take down), a qual deveria ser atendida no prazo de 24 horas[3], sob pena de o provedor de conteúdo responder solidariamente com o autor do ilícito pelo dano causado. Para a Ministra Nancy Andrighi o provedor de conteúdo não estaria obrigado a analisar o teor da denúncia recebida no referido prazo, devendo apenas promover a suspensão preventiva das páginas, checando a veracidade das alegações em momento futuro oportuno[4].

Com o advento do Marco Civil da Internet, a responsabilização dos provedores tende a ser norteada por novas regras. No caput do art. 19 está elencado que o provedor de aplicações de internet somente seria responsabilizado civilmente por danos advindos de conteúdo gerado por terceiros após deixar de cumprir em tempo hábil ordem judicial específica determinando sua retirada (judicial notice and take down). Esse comando contraria o anterior posicionamento de que esta notificação poderia ser extrajudicial. A criação desse mecanismo de litigiosidade é duramente criticado por parte doutrina, que chega a taxá-lo de inconstitucional por violar direitos consolidados dos usuários, como é o caso de Cíntia Rosa Pereira de Lima[5] e Anderson Schreiber[6].

Não restam dúvidas de que o Marco Civil da Internet representa um avanço no trato jurídico das relações derivadas do uso da internet. No entanto, a Lei se mostra conflitante em alguns pontos com entendimentos e leis que beneficiavam os usuários, devendo ser feita uma análise profunda pelo judiciário quanto à constitucionalidade ou não de alguns dispositivos desta Lei.

No cerne das fake news, tais discussões ficam ainda mais relevantes, principalmente no período eleitoral. Como sabido, o período eleitoral é relativamente curto, não sendo razoável que tenha que se buscar o Poder Judiciário toda vez que haja uma fake news, podendo, inclusive, afetar o resultado do pleito. Neste cenário, demonstra-se mais razoável que fosse utilizado o notice and take down e não o judicial notice and take down, pois o período eleitoral ocorre, de certo modo, em um curto espaço de tempo e as consequências podem ser desastrosas caso tenha que se esperar uma determinação judicial para retirada de toda e qualquer fake news.

O próprio legislador tem percebido que o Marco Civil da Internet é insuficiente dada à velocidade de propagação dos conteúdos disponíveis na internet, havendo projetos de Lei com a finalidade de mudar a legislação a fim de adequá-la melhor a essa realidade. Neste cenário, merece destaque o Projeto de Lei n. 5.203 de 2016, que busca incluir o art. 20-A no Marco Civil da Internet. A proposta de redação menciona, resumidamente, que o provedor de aplicação deverá indisponibilizar, no prazo de 48 horas após o recebimento de notificação pelo interessado ou representante legal, conteúdo infringente idêntico ao objeto de ordem judicial anterior, elencando expressamente que o provedor não poderá ser responsabilizado pelas consequências da eventual falta de correspondência entre os conteúdos.

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Ao analisar o Projeto de Lei n. 5.203/16, percebe-se que o legislador enfim notou que o conteúdo ilícito disponibilizado na internet tem capacidade de difusão muito rápida e as consequências podem ser desastrosas e irreparáveis. Tanto é que o próprio relatório da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática menciona que o usuário seria prejudicado caso fosse necessário buscar o judiciário por todo e qualquer ilícito virtual infringente.

Nitidamente, as fake news merecem atenção na sociedade atual, principalmente quando envolve questões eleitorais, pois podem influenciar no pleito e definir as eleições. A legislação e a jurisprudência não podem fechar os olhos para tais fatos, devendo utilizar o sistema que melhor se adéque a elas, buscando diminuir ao máximo as consequências negativas inerentes às fake news, uma vez que o Marco Civil da Internet se demonstra insuficiente para combatê-las com o rigor que merecem.


[1] PAESANI. Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 3 ed.. São Paulo: Atlas, 2006, p. 26.

[2] Neste sentido: ALCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. Social media and fake news in the 2016 election. Journal of Economic Perspectives, v. 31, n. 2, pp. 211-236, 2017; e GUESS, Andrew; NYHAN, Brendan; REIFLER, Jason. Selective Exposure to Misinformation: Evidence from the consumption of fake news during the 2016 U.S. presidential campaign. Disponível em: <http://www.dartmouth.edu/~nyhan/fake-news-2016.pdf>. Acesso em: 10/07/2018.

[3] Brasil, STJ, REsp 1.337.990/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Órgão julgador: Terceira Turma, julgado em 21/08/2014.

[4] Brasil, STJ, REsp 1.323.754/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Órgão Julgador: Terceira Turma, julgado em 19/06/2012.

[5] LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. A responsabilidade civil dos provedores de aplicação de internet por conteúdo gerado por terceiro antes e depois do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/14). Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 110, p. 173 jan./dez. 2015.

[6] SCHREIBER, Anderson. Marco Civil da Internet: avanço ou retrocesso? A responsabilidade civil por dano derivado do conteúdo gerado por terceiro. In: Direito & Internet III – Tomo II: Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto; LIMA, Cíntia Rosa Pereira de (coords.). São Paulo: Quartier Latin, 2015. pp. 293-294.

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Sobre o autor
Wévertton Gabriel Gomes Flumignan

Mestre em Direito Civil pela Universidade de São Paulo - USP. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. Advogado. E-mail: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FLUMIGNAN, Wévertton Gabriel Gomes. A insuficiência do Marco Civil da Internet em relação às fake news nas eleições. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5597, 28 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69900. Acesso em: 19 mar. 2024.

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