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Juros de mora e correção monetária em face da fazenda pública:

considerações acerca do tema 810 do STF

31/01/2019 às 14:10

Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997, alterando a forma de cálculo dos juros de mora e da correção monetária das dívidas da União, Estados e Municípios.

  • A Requisição de Pequeno Valor (RPV) é um pedido de pagamento limitado para condenações contra a Fazenda Pública, enquanto o Precatório (PRC) refere-se a pagamentos que ultrapassam esses limites.

  • O STF determinou o uso do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) para correção monetária de dívidas judiciais da Fazenda Pública, afastando a Taxa Referencial (TR) como índice de correção.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O julgamento do tema 810 pelo STF impôs a todos os tribunais o fim da discricionariedade dos índices e taxas de correção monetária aplicadas na execuções contra a fazenda pública.

INTRODUÇÃO

O Supremo Tribunal Federal, mesmo diante de diversas questões polêmicas referentes ao cenário político-econômico brasileiro, pronunciou-se recentemente sobre a validade da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre as condenações impostas à Fazenda Pública, conforme previstos no art. 1º-F da Lei 9.494/1997 – Tema 810, bastante relevante para aqueles que possuem créditos contra a Fazenda Pública.

A nossa Corte Constitucional decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 1°-F da Lei n° 9.494/1997, ao alterar a maneira como se realiza o cálculo dos juros de mora e da correção monetária das dívidas da União, Estados e Municípios.

O presente trabalho pretende enfrentar alguns questionamentos acerca da aplicação dos juros de mora e da atualização monetária das condenações em face da Fazenda Pública, de acordo com a Constituição Federal e com as atuais decisões e posicionamentos dos Tribunais pátrios.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Requisição de Pequeno Valor – RPV é um pedido de pagamento da quantia certa a que for condenada a Fazenda Pública. No âmbito Federal, o valor atualizado não pode ser superior ao limite de 60 salários mínimos; no Estadual (ou Distrital), o valor atualizado não pode ser superior a 40 salários mínimos; e, por fim, no Municipal, o limite para o valor atualizado é de 30 salários mínimos.

Já o Precatório - PRC se refere às requisições de pagamentos que ultrapassem aqueles limites nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal. Este débito deverá ser incluído no orçamento das entidades, até primeiro de julho, para pagamento no decorrer do exercício seguinte[1].

A Constituição determina em seu artigo 100 que todos os pagamentos devidos pela Fazenda Pública[2], em razão de sentença judiciária transitada em julgado, serão feitos de acordo com a ordem cronológica de apresentação dos Precatórios. Segundo o citado dispositivo:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.               

A Fazenda Pública é obrigada a incluir em seu orçamento anual a verba necessária para o pagamento de seus débitos apresentados até primeiro de julho, cujo pagamento será feito até o final do exercício seguinte, mediante precatório devidamente atualizado.

Por outro lado, a Constituição veda, no parágrafo oitavo do referido artigo, a emissão de “precatório complementar”, bem como o pagamento fracionado, a fim de evitar que o montante se divida em frações inferiores ao teto de um RPV. Este parcelamento facilitaria aremuneração, uma vez que o RPV é pago com maior celeridade[3].

Não obstante a impossibilidade do fracionamento, sempre será possível a renúncia à parcela do crédito que exceda o limite dos 60 salários mínimos, a fim de que o Precatório se converta numa RPV.

Quando se tratam de honorários sucumbenciais¸ a parcela deve ser incorporada ao valor devido ao credor da obrigação. Contudo, em caso de renúncia expressa ao excedente dos 60 salários mínimos, o valor dos honorários também deverá ser somado ao principal na RPV.

Observa-se que o § 5º do artigo 100 da Constituição diz que:

É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

Segundo o entendimento do ilustre professor e também Procurador do Estado de Pernambuco Leonardo Carneiro da Cunha:

O pagamento de crédito constante do precatório deve ser feito, como se vê, com seu valor atualizado monetariamente. Tal atualização não contempla, porém, a incidência de juros moratórios [...] os juros moratórios somente incidem a partir do atraso no pagamento, ou seja, decorrido o exercício financeiro, e não tendo sido pago, a partir de janeiro do ano seguinte é que deve iniciar o cômputo dos juros. [...] Para que esses juros sejam pagos será preciso haver a expedição de um precatório complementar, pois não se podem agregar valores num precatório já inscrito[4].

Assim, os juros só incidem em caso de mora do poder público, ou seja, após o fim do exercício financeiro em que deveria ter sido pago. Já a correção monetária é realizada automaticamente pela instituição financeira na qual o valor foi depositado.

Saliente-se ainda que os juros de mora incidentes sobre o valor devido, contados após decorrido o exercício financeiro seguinte à inscrição, devem ser inscritos como um novo precatório.


CORREÇÃO MONETÁRIA

A título de observação, entende-se por correção monetária a “atualização de valor de data passada (expresso na moeda de origem), até a data para qual foi calculado, na proporção da variação do poder aquisitivo da moeda, medida por índices de preços”[5].

Os índices utilizados pela Fazenda Pública para o pagamento do valor corrigido monetariamente e os juros de mora foram objeto de apreciação pelo STF no dia 20 de Setembro de 2017[6], ocasião em que, por voto da maioria dos Ministros, afastou-se o uso da Taxa Referencial (TR) – índice de poupança – como um índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, mesmo no período da dívida anterior à expedição do precatório.

Da mesma forma, fixou-se o entendimento de que a TR deve ser afastada também para o período posterior à expedição do precatório. Em seu lugar, o índice de correção monetária adotado foi o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), considerado mais adequado para recompor a perda do poder de compra.

Os efeitos passaram a retroagir ao momento em que surgiu a dívida, sendo irrelevante a data de inscrição do precatório.

O cálculo da Taxa Referência (TR), instituída pela Lei nº 8.177, de 1 de março de 1991[7], é apresentado da seguinte forma:

O cálculo da TR é constituída pelas trinta (30) maiores instituições financeiras do país, assim consideradas em função do volume de captação de Certificado e Recibo de Depósito Bancário (CDB/RDB), dentre os bancos múltiplos com carteira comercial ou de investimento, bancos comerciais e de investimentos e caixas econômicas[8].

Observa-se, no caso da caderneta de poupança, algumas incoerências no que tange a atualização monetária dos débitos contra a Fazenda Pública. O STF, em diversos casos[9], julgou pela inutilização da TR para fins de ajuste nacorreção do valor monetário, uma vez não foi criado para captar a variação dos preços, dado sua pré-fixação por Lei ou pelo Banco Central. Ademais, o fato é que a TR não pode ser utilizada pela Fazenda Pública por ser o próprio Poder Público que a atualiza, mediante o Banco Central[10].

Por sua vez, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo e Especial (IPCA-E) é utilizado para a população urbana que apresenta rendimentos mensais e familiares de até 40 (quarenta) salários mínimos, independente da fonte de renda[11]. O IPCA-E,calculado de maneira mensal, é a média de preços cobrados efetivamente para alguns mantimentos como a alimentação, educação, saúde, transporte, dentre outros[12].


JUROS DE MORA

De outro modo, o STJ reformulou seu entendimento quanto ao início da incidência de juros de mora, vedando a contagem “a partir da ocorrência do ato ilícito – por não se tratar de pagamento de quantia singular – nem tampouco da citação...”, devendo ser contabilizado a partir do vencimento de cada prestação, haja vista não se tratar de obrigação líquida, como entendiam os Tribunais pátrios[13].

Desta maneira, os juros de mora, em contratos cujo pagamento não se dá em parcela única, incidirão a partir do vencimento de cada prestação, e não desde a citação do devedor.

O artigo 397 do Código Civil, no mesmo sentido, determina que o “inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”.

Quanto às taxas referentes aos juros moratórios incidentes sobre os débitos em face da Fazenda Pública, o julgamento do STF manteve o uso do índice de remuneração da poupança, previsto na Lei nº 11.960/2009, somente para débitos de natureza não tributária. Porém, nas causas de natureza tributária, ficou definido que deverá ser usado o mesmo índice adotado pelo Fisco para corrigir os débitos dos contribuintes, respeitando o princípio da Isonomia. Atualmente, aplica-se a taxa SELIC.

Oentendimento acima exposto foi firmado no julgamento das Adis n° 4.357 e 4.425, quandose decidiu pela incidência da taxa de caderneta de poupança para os débitos de natureza não-tributária e pela não incidência desta nos débitos de natureza tributária, por violar o princípio da Isonomia:

DIREITO CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MEDIANTE PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL No 62/2009. (...) INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DOS CRÉDITOS INSCRITOS EM PRECATÓRIOS, QUANDO ORIUNDOS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CF, ART. 5o, CAPUT). (...)

6. A quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5o, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1o, CTN). Declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução da expressão ‘independentemente de sua natureza’, contida no art. 100, §12, da CF, incluído pela EC no 62/09, para determinar que, quanto aos precatórios de natureza tributária, sejam aplicados os mesmos juros de mora incidentes sobre todo e qualquer crédito tributário.

7. O art. 1o-F da Lei no 9.494/97, com redação dada pela Lei no 11.960/09, ao reproduzir as regras da EC no 62/09 quanto à atualização monetária e à fixação de juros moratórios de créditos inscritos em precatórios incorre nos mesmos vícios de juridicidade que inquinam o art. 100, §12, da CF, razão pela qual se revela inconstitucional por arrastamento, na mesma extensão dos itens 5 e 6 supra.[14]

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CONCLUSÃO

O julgamento do Tema 810 pelo STF, em setembro de 2017, impôs a todos os tribunais o fim à discricionariedade dos índices e taxas aplicadas.

A correção monetária guarda estreita relação com os índices inflacionários, de tal maneira que o valor corrigido tem como principal objetivo impedir a perda inflacionária do montante a ser recebido ou pago. 

As correções em face da Fazenda Pública passaram a adotar o IPCA-E, uma vez que este índice retrata, em tese, o poder de compra do brasileiro.

Por sua vez, as taxas de juros dependem da natureza da dívida, uma vez que o prejuízo financeiro varia de acordo com cada caso, seja a TR nos casos de dívida não tributária, ou a SELIC nas dívidas tributárias.


Notas

[1] CF, art. 100, § 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

[2] Com exceção das verbas alimentícias, previstas no art. 100, § 1º, CF/88 “Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.” Neste ponto, é válido observar a Súmula Vinculante nº 17 do Supremo Tribunal Federal, estabelecendo que “Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos”

[3] O precatório pode ser pago até o exercício do ano seguinte, enquanto o RPV deverá ser pago em até 60 dias, contado a partir da ordem de pagamento ao Ente Público.

[4] DA CUNHA, Leonardo. A Fazenda Pública em Juízo. 15º Ed. 2018, pág. 390. Grifo nosso.

[5] CANÇADO, Romualdo Wilson. Juros, correção monetária, danos financeiro irreparáveis: uma abordagem jurídico-econômica. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 61.

[6] RE 870947, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJE: 20/9/2017.

[7] Lei nº 8.177/1991, art. 1°  “O Banco Central do Brasil divulgará Taxa Referencial (TR), calculada a partir da remuneração mensal média líquida de impostos, dos depósitos a prazo fixo captados nos bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos múltiplos com carteira comercial ou de investimentos, caixas econômicas, ou dos títulos públicos federais, estaduais e municipais, de acordo com metodologia a ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, no prazo de sessenta dias, e enviada ao conhecimento do Senado Federal”.

[8] http://www.portalbrasil.net/tr_mensal.htm<visto em 18/9/2018>

[9] ADI n° 493 e, recentemente, as ADIs n° 4.357 e 4.425.

[10] Vide Resolução no 3.354/2006, BCB, art. 5°, §§ 1° e 2°.

[11] https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/ipcae/default.shtm<visto em 18/9/2018>

[12] https://www.btgpactualdigital.com/blog/financas/ipca-o-que-e<visto em 18/9/2018>

[13] Apelação 9218445-17.2009.8.26.0000, Rel. Des. Dimas Rubens Fonseca, 27ª Câmara Direito Privado, TJ-SP.

[14] ADI no 4.357, rel. Min. Ayres Britto, relator p/ acórdão Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 14/03/2013, DJe-188 de 25-09- 2014

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAPTISTA, Tiago Miranda Neves. Juros de mora e correção monetária em face da fazenda pública:: considerações acerca do tema 810 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5692, 31 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70243. Acesso em: 22 dez. 2024.

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