A Lei Maria da Penha, seu contexto social, jurídico e a (in) eficácia das medidas protetivas de urgência (Lei 11.340/2006)

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10/12/2018 às 22:46

Resumo:


  • Análise da introdução da Lei Maria da Penha no ordenamento jurídico brasileiro e seus mecanismos no combate à violência doméstica e familiar.

  • Análise da ineficácia na aplicação das medidas protetivas de urgência.

  • Possíveis soluções para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência no combate à violência doméstica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O empoderamento da mulher na sociedade não foi suficiente para acabar com esse tipo de violência, pois muitos homens ainda a consideram como um objeto de submissão, tratando-a com total desrespeito, em uma atitude meramente machista.

RESUMO: O objetivo central desse estudo é analisar a introdução da Lei Maria da Penha no ordenamento jurídico brasileiro e, seus mecanismos no combate à violência doméstica e familiar. Para isso, primeiramente analisar-se-á a trajetória da Lei e seus aspectos legais no ordenamento pátrio, incluindo análise detalhada de suas disposições. Adiante, questiona-se a ineficácia na aplicação das medidas protetivas de urgência e, por fim, possíveis soluções que venham garantir a sua efetividade.

 


INTRODUÇÃO

Atualmente, tornou-se rotina através do noticiário, a divulgação de casos de violência doméstica, sendo vítimas milhares de mulheres no país e pelo mundo. Diante desse contexto, aborda-se o implemento da Lei 11.340/2006, comumente conhecida como “Lei Maria da Penha” no ordenamento jurídico brasileiro e, seus mecanismos de combate a este tipo de agressão.

A Lei Maria da Penha foi um grande avanço na legislação pátria, porém, várias disposições quanto ao seu conteúdo devem ser apreciadas, principalmente no que tange à estrutura do Estado para conduzir o conflito até sua fase final, de forma que, atinja a sua finalidade, que é a de eliminar todas as formas de violência doméstica, protegendo a integridade física e moral da vítima, além de resguardar a base familiar. Com isso, pretende-se classificar detalhadamente as medidas protetivas de urgência, inserida no escopo da Lei, cujo objetivo é erradicar atos de violência doméstica, com mecanismos próprios e, deter de forma célere a atuação do infrator.

Nesse contexto, verifica-se a eficácia e/ou ineficácia das medidas protetivas de urgência, no âmbito jurídico brasileiro e a sua aplicabilidade, além de formas alternativas que venham a garantir sua efetividade.

 


2 DESENVOLVIMENTO

2.1 A Lei Maria da Penha e seus aspectos de aplicação e efetividade             

A Lei n° 11.340/2006 intitulada Lei Maria da Penha, recebeu este nome devido homenagem a uma mulher cearense, chamada Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica, vítima de violência doméstica cometida durante vários anos pelo seu ex – marido Marco Antônio Heredia Viveros, incluindo várias tentativas de homicídio, deixando-a com sequelas irreversíveis.

Tudo começou no ano de 1983, quando o marido de Maria da Penha na época, tentou matá-la após simular um assalto na residência do casal, onde desferiu contra a mulher um tiro de espingarda, vindo a deixá-la paraplégica. Logo em seguida, ocorreu a segunda tentativa de homicídio, desta vez, Marco Antônio provocara uma descarga elétrica no banheiro enquanto a mulher tomava banho, na tentativa de eletrocutá-la. 

No mesmo ano, Maria da Penha denunciou seu marido e, iniciaram-se as primeiras investigações do caso, entretanto, a denúncia foi oferecida somente no ano seguinte, culminando posteriormente na pronúncia do réu ao Tribunal do Júri onde foi condenado em oito anos de prisão, porém, teve seu julgamento anulado devido sua arguição de falhas na execução dos quesitos. Entre a morosidade nos andamentos processuais e as interposições de recursos da defesa, o réu finalmente foi preso em 2002, exatamente 19 (dezenove) anos após a data dos fatos e, cumpriu apenas 2 (dois) anos de reclusão pelos crimes cometidos.

 A omissão do Estado em julgar o caso no prazo razoável do processo, gerou revolta na farmacêutica, que se juntou ao Centro pela Justiça e o Direito internacional (CEJIL) e ao Comitê Latino-Americano de Defesa dos direitos da mulher (CLADEM) no intuito de oferecer denúncia contra ao Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), entidade dos Estados Unidos, órgão legítimo para apresentar defesa em favor de qualquer cidadão que tiver os seus direitos humanos violados.

Mesmo após a denúncia, o Brasil não se manifestou aos questionamentos levantados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sendo então, o país condenado ao pagamento de 20 mil dólares em favor da Sra. Maria da Penha, a título de indenização pela negligência em julgar o caso, além pressioná-lo a cumprir o Tratado do qual participa. Depois disso, o governo brasileiro mudou sua postura, vindo a atender as recomendações que lhe foram impostas e, em 2002 foi iniciado o projeto da Lei Maria da Penha, que passou por várias alterações até a sanção do Presidente da República em 07 de agosto de 2006, entrando em vigor 45 dias após sua publicação, em 22 de setembro de 2006.

Com sua entrada em vigor, a Lei Maria da Penha, implantou procedimentos específicos de investigação e condenação, trazendo penas mais graves aos agressores com mecanismos que os intimidam a cometer novos delitos. Uma das mudanças foi a majoração da pena do artigo 129, §9° do Código Penal Brasileiro, que dispõe sobre o crime de lesão corporal, impondo penas mais graves contra quem praticar este tipo de agressão nas relações domésticas, concebendo também, preferência de julgamento nas varas criminais competentes.

O Brasil foi o 18° país da América Latina em adotar uma legislação no combate à violência doméstica. A Organização das Nações Unidas (ONU) definiu a Lei Maria da Penha como uma das três leis mais importantes do mundo no combate a este tipo de agressão.

A Lei trouxe grandes avanços no combate à impunidade, pois encorajou as vítimas de violência doméstica a buscarem pelos seus direitos e a denunciarem os seus agressores. Criou-se também meios humanizados de atendimento às mulheres, incluindo políticas públicas e a conscientização de toda a sociedade.

2.2 As espécies de violência doméstica e seu enquadramento

De acordo com a Lei 11.340/2006, a violência doméstica se define como aquela predominante no âmbito da unidade familiar, onde a vítima mantém uma relação íntima com o agressor, independente de coabitação, bastando que a ação ou omissão ocorra no ambiente doméstico, incluindo as pessoas próximas e em grau de parentesco com a agredida.

Neste conceito, a Lei 11.340/2006 traz a definição de violência doméstica em seu artigo 5°, in verbis:

Art. 5°  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

A destruição afetiva e familiar são consequências da violência doméstica e produz ares de crueldade nas vítimas, pois na maioria das vezes se surpreendem quando a agressão decorre de quem deveria protegê-las.

O agressor na maioria das vezes relaciona-se de maneira afetiva e sexual com a vítima e, por isso usa bem a sua fragilidade, sente-se dominador da mulher e sabe como intimidá-la, através disso comete o espancamento, tornando-se esse tipo de violência complexo e contraditório de tal maneira que ocasiona danos irreversíveis à ofendida, que podem ser de cunho: físico, psicológico, sexual, patrimonial e moral.

 


3- DAS MEDIDAS PROTETIVAS

As Medidas Protetivas de Urgência têm a finalidade de trazer proteção jurídica às vítimas de agressão, evitando que elas sofram conseqüências mais graves que venham a comprometer sua integridade, por isso possuem duas características: a punitiva e a preventiva.

3.1 – Das Medidas Protetivas de Urgência que obrigam o agressor:

Sendo assim, realiza-se uma análise detalhada desse mecanismo, iniciando-se pelas Medidas Protetivas de urgência que obrigam o agressor, disposta no artigo 22 da Lei Maria da Penha n°11.340/2006, in verbis:

“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil); (arts. 536,§1° e art. 537,§ 1°, do NCPC) ”

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3.1.1 – Suspensão da posse de armas

Nesse inciso, o legislador possibilitou a suspensão do porte de arma, referindo-se à Lei do desarmamento caso o agressor tenha a posse de forma regular na Polícia Federal, se a posse for ilegal a autoridade policial tomará as devidas providências, sem prejuízo das demais. Essa é uma maneira de resguardar a integridade física da vítima, evitando tragédia futura e a progressão para o homicídio.

3.1.2 – Afastamento da lar em que convive com a ofendida

A mulher quando sofre violência doméstica, deseja manter-se longe de seu agressor, por isso esse mecanismo obriga-o a afastar-se do domicílio que vive em comum com a ofendida, este afastamento visa assegurar a integridade física e psicológica da mulher, além de reduzir os riscos de agressão, preservando ainda os bens que guarnecem o lar, evitando sua destruição ou subtração pelo agente.  O afastamento pode ser da própria vítima ou do ofensor, depende do caso em análise, a separação de corpos não interferirá nos direitos legais da vítima caso progrida para uma ação de divórcio se casados forem.

3.1.3 – Proibição de aproximar-se da ofendida

O objetivo dessa Medida é fixar uma distância mínima de afastamento entre o agressor e a vítima, prezando a integridade física da mulher. O juiz geralmente define esse recuo em metros, que deverá ser cumprido corretamente sob pena de desobediência.

3.1.4 – Proibição de contato com a ofendida

Fica vedado que o agressor mantenha contato pessoal com a vítima e seus entes próximos através de qualquer meio de comunicação, seja por telefone ou mensagens. Essa restrição traz bastantes benefícios para a vítima, que viverá mais tranquila sem a perturbação constante do agressor.

3.1.5 – Proibição de frequentar determinados lugares

Essa medida visa evitar que vítima e agressor se encontrem nos ambientes comumente frequentados, a fim de evitar conflitos, tragédias e discussões em via pública, dessa forma, a mulher preserva a sua liberdade ao saber que não encontrará com o agressor em devidos lugares.

3.1.6 – Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores

Tem o propósito de resguardar a integridade dos filhos menores, evitando que sejam afetados de forma física ou psicológica pelo agressor. O juiz quando necessário poderá aplicar essa restrição independente de laudo da equipe de atendimento multidisciplinar, ou outro meio de assistência, levará em conta o grau de risco que as vítimas estão expostas, porém, se o agressor tiver um bom relacionamento com os filhos não será necessária tal proibição.

3.1.7 – Prestação de alimentos

Se a vítima for economicamente dependente do agressor, o juiz poderá deferir a prestação de alimentos em favor da ofendida, a concessão deve-se atentar ao binômio necessidade/possibilidade disposto no Código Civil. Se o juiz criminal indeferir o pedido, não impede que veicule a pretensão na esfera cível por intermédio de ação de alimentos.

3.2 – Das Medidas Protetivas de Urgência aplicadas à ofendida

Estas Medidas Protetivas não possuem caráter criminal e poderão serem aplicadas isoladamente, ou em conjunto com as demais.

3.2.1 - Encaminhamento da vítima a programas de especializados

Esta medida é denominada em esfera cível, o encaminhamento aos programas de proteção poderá ser concedido por requerimento da vítima ou do próprio juiz, porém, infelizmente este tipo de instituto não existe em grande parte do país por falta de investimento público, o que dificulta a aplicação desse mecanismo. A omissão do Estado na implantação de políticas públicas obsta a aplicação da Lei, fazendo com que o judiciário adote medidas paliativas para que a norma seja efetivada.

 3.2.2 - Recondução da ofendida e de seus dependentes ao domicílio

Neste caso, quando o agressor estiver afastado do lar,o juiz poderá ordenar que a ofendida e seus dependentes sejam reconduzidos ao domicílio. É aplicado quando a vítima sente medo de retornar ao seu domicílio e deparar-se com atitudes violentas do agente. A realização de um laudo por especialista pode reforçar o convencimento do juiz na aplicação, o pedido deve ser feito por via judicial ou junto à autoridade de polícia que encaminhará o pedido em até 48 horas.

3.2.3 – Afastamento do domicílio

Podem-se haver casos em que a vítima necessite se afastar de seu lar, a fim de que cesse o ato de violência pelo o agressor, este ato não afetará os direitos da mulher, especificamente em relação aos bens, guarda dos menores a aos alimentos, já que a lei concede essa garantia.

3.2.4 – Separação entre ofendida e agressor

Este mecanismo pode ser requerido tanto na esfera cível com o pedido de dissolução da sociedade conjugal, assim como na ocorrência policial. O juiz somente concederá esta medida nos casos em que a vítima sofra constantes agressões em seu lar.

Já o artigo 24 dispõe em seus incisos, que a vítima tem o direito de restituir os seus bens particulares subtraídos pelo agressor, assim como os bens em comum do qual teria parte, com o objetivo de evitar prejuízos e a redução do patrimônio da vítima, proíbe também o agressor de celebrar contratos de venda ou locação dos bens que tem em comum com a ofendida, o que dependerá do aval da mulher para que ocorra a concretização.

Prevê ainda, a revogação liminar de procurações assinadas anteriormente pela vítima, vedando o agressor de representá-la em qualquer ato e por fim, o depósito de caução pelo agressor em sede de liminar, garantindo o direito da mulher caso venha a ser reconhecido posteriormente em demanda judicial.

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Sobre a autora
Thais Lamas

Advogada e consultora jurídica. Pós - graduanda em Direito Penal e Processo Penal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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