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O assédio moral sob a ótica do atual Código Penal brasileiro e o Projeto de Lei 4.742/2001

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15/12/2018 às 13:00
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DIFAMAÇÃO

    Em muitos aspectos, a difamação se assemelha à calúnia e está descrita no art. 139 do CP, mas, a partir de uma análise deste artigo em comparação ao artigo anterior, é possível delinear as diferenças.

    De pronto, é possível verificar que a honra que se procura tutelar, no crime de difamação, também é a honra objetiva e outra semelhança é que há a necessidade de atribuição de fato determinado. No entanto, as diferenças se encontram, por exemplo, no fato de, na calúnia, não haver a necessidade do fato atribuído ser um crime, mas qualquer outro fato desabonador aos olhos de terceiros.

Assim, constitui difama­ção dizer, com o intuito de atingir a honra alheia, que um trabalhador estava em­briagado enquanto prestava serviços; que um empreiteiro utilizou material de pés­sima qualidade em uma construção; que o empregado dorme em serviço; que o juiz não lê direito os processos que decide; que uma mulher casada está tendo relações sexuais com o vizinho; que determinada moça foi vista trabalhando como garota de programa em certa casa noturna (a prostituição em si não é crime); que viu de­ terminada pessoa pagando por programa com um travesti; que certa pessoa estavafumando maconha em uma festa (o uso da droga não é crime, e sim o porte e o tráfico) etc. (GONÇALVES 2011 p. 243)

Tal qual a calúnia, os meios de execução da difamação são a forma falada, escrita, simbólica ou figurativa. Nesse sentido, Gonçalves (2011 p. 245) faz referência a um caso ocorrido em uma partida de futebol, na qual, ao ser expulso pelo árbitro, determinado jogador fez um gestual para a câmera de televisão, insinuando que o árbitro estava embriagado, conduta que poderia ser enquadrada como difamação. Este mesmo autor traz também outro caso que vem se tornando corriqueiro que é a "a difamação pela montagem de fotografias e posterior divulgação via internet (meio simbólico).". Quanto à tentativa, aplica-se o mesmo racional da calúnia.

O quadro resumo a seguir sintetiza as diferenças entre os crimes de calúnia e difamação, segundo a didática doutrina de Gonçalves:

Quadro 5 - Comparativo Calúnia x Difamação

Calúnia

Difamação

1) O fato imputado deve ser definido como crime;

2) A imputação deve ser falsa;

3) É punível contra os mortos;

4) Admite, em regra, a exceção da verdade;

5) Possui subtipo.

1) O fato imputado deve ser desonroso, mas nun ca definido como crime;

2) Não é necessário que a imputação seja falsa;

3) Não é possível contra os mortos;

4) Não admite, em regra, a exceção da verdade;

5) Não possui subtipo.

Fonte: Gonçalves (2011 p. 244)

A seguir, reproduz-se um quadro resumo da classificação doutrinária da conduta:

Quadro 6 - Classificação doutrinária do crime de difamação

Classificação doutrinária da difamação

Simples, quanto à objetividade jurídica

Comum, quanto ao sujeito ativo

De ação livre e comissivo, quanto aos meios de execução

Formal e instantâneo, quanto ao momento consumativo

Doloso, quanto ao elemento subjetivo

Fonte: Gonçalves (2011 p. 248)


INJÚRIA

Já o crime de injúria, trazido pelo art 140 do CP, apresenta sensíveis diferenças em relação aos demais crimes contra a honra. A começar pelo fato de que o crime de injúria procura tutelar a honra subjetiva, entendido como "o sentimento quec ada um tem acerca de seus próprios atributos físicos, morais ou intelectuais. É um crime que afeta a autoestima da vítima, seu amor­ próprio", nas palavras de Gonçalves (2011 p. 248). Além disso, conforme se observa na doutrina, tanto de Greco como de Gonçalves, não há necessidade de um fato determinado ao ofendido. É o famoso xingamento e insulto desonroso, que atente contra a dignidade do ofendido.

Se, por um lado, pela leitura do caput do art. 140, conclui-se que a injúria possa ser considerada uma infração leve (haja vista a cominação de pena de 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção ou multa), em determinadas situações, esta conduta pode resultar na cominação de pena mais severas, como bem destaca Greco (2017 p. 404), comparáveis ao delito de homicídio culposo.

(...) por mais paradoxal que possa parecer, a injúria se transforma na mais grave infração penal contra a honra quando consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, sendo denominada, aqui, de injúria preconceituosa, cuja pena a ela cominada se compara àquelas prevista pelo delito de homicídio culposo, sendo, inclusive, mais severa, pois comina pena (...) de reclusão (...) (GRECO 2017 p.404)

Os meios de execução são iguais aos demais crimes contra a honra (verbal, escrito gestual ou qualquer outro meio simbólico). Nesse sentido, Gonçalves (2011 p. 251) traz inúmeros exemplo de condutas injuriosas:

Despedir-se de alguém com as mãos fechadas, implica chamá-lo de sovina, pão-duro. Dar o nome de uma pessoa a um porco de criação é uma forma simbólica de ofendê-la. Igualmente quem imprime retrato de outrem em papel higiênico, ou pendura chifres na porta de sua casa, ou serve capim em um prato para que ele coma, ou afixa um rabo na parte traseira de sua calça etc (...)  (GONÇALVES 2011 p. 250)

No caso da injúria, há também a possibilidade de tentativa, a depender do meio escolhido pelo agente para realizar a conduta, à semelhança do que acontece com os demais crimes contra a honra. Ademais, há diversas formas de se proceder à ofensa, como traz Gonçalves (2011 p. 250) como a injúria explícita (ou inequívoca), implícita (ou equívoca) ou reflexa. Por exemplo, ao chamar alguém de "filho de uma égua", ofende-se, de forma reflexa, a progenitora do indivíduo. Este mesmo autor traz também a possibilidade de classificar a forma de injúria como "imediata, quando feita pelo próprio agente, ou imediata" quando se convence um terceiro a ofender determinado indivíduo (o autor chega a citar uma situação na qual alguém treine um papagaio para ofender certa pessoa).

O quadro resumo a seguir, delineia as diferenças entre a injúria e a calúnia/difamação:

Quadro 7 - Comparativo Injúria x Calúnia / Difamação

Injúria

Calúnia / Difamação

1) Atinge a honra subjetiva.

2) Consuma­se quando a vítima toma conheci­ mento da ofensa.

3) Admite perdão judicial em certas hipóteses.

4) Não admite a exceção da verdade.

5) A retratação não gera nenhum efeito.

1) Atingem a honra objetiva.

2) Consumam­se quando terceira pessoa toma conhecimento da imputação.

3) Nunca admitem perdão judicial.

4) A calúnia admite a exceção da verdade como regra e a difamação quando for contra funcio­nário público em razão da função.

5) A retratação, se cabal e antes da sentença, ex­ tingue a punibilidade.

Fonte: Gonçalves (2011 p. 253)

A seguir, reproduz-se um quadro resumo da classificação doutrinária da conduta:

Quadro 8 - Classificação doutrinária do crime de difamação

Classificação doutrinária da injúria

Simples quanto à objetividade jurídica

Comum quanto ao sujeito ativo

De ação livre e comissivo quanto aos meios de execução

Formal e instantâneo quanto ao momento consumativo

Doloso quanto ao elemento subjetivo

Fonte: Gonçalves (2011 p. 248)

A seguir, passa-se, então, à análise dos crimes contra a liberdade pessoal, especificamente, os crimes de constrangimento ilegal e de ameaça.


DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL

Quando suscitada, a liberdade individual responde pela capacidade do indivíduo de se autodeterminar, uma forma de poder de escolha para decidir sobre o que melhor convier ao próprio indivíduo. Nas palavras de Victor Eduardo Rios Gonçalves:

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A liberdade individual consiste na faculdade de autodeterminação, de fazer o que quiser, dentro, evidentemente, dos limites legais. Refere-se não apenas ao direito de ir e vir mas também ao direito de realizar ou não realizar condutas de acordo com a própria escolha, de ter paz de espírito por não se sentir ameaçado, de não ter sua residência devassada, senão por ordem legal ou em situações específicas, de não ter devassada sua correspondência ou seus segredos etc. (GONÇALVES 2011 p.266)

Quanto aos crimes contra a liberdade pessoal, estas estão circunscritas no rol de crime contra liberdade individual, localizados na Seção I do Capítulo VI do CP, e são o (i) constrangimento ilegal (art. 146); (ii) a ameaça (art. 147); (iii) sequestro ou cárcere privado (art 148); e (iv) redução à condição análoga à de escravo (art. 149). Tendo em vista a natureza das condutas relacionadas ao assédio moral, analisar-se-á mais detidamente os crimes de constrangimento ilegal e ameaça.


CONSTRANGIMENTO ILEGAL

Tipificada no art. 146 do CP, o constrangimento ilegal apresenta respaldo constitucional, tendo em vista o disposto no inciso II do art. 5o da Constituição Federal. Nos dizeres de Greco (2017), procura punir a conduta do indivíduo que "constrange alguém (...) a não fazer o que a lei permite ou a fazer o que ela não manda". Este mesmo doutrinador estabelece que constranger significa "impedir, limitar ou mesmo dificultar a liberdade de alguém". Já para a violência ou grave ameaça, Gonçalves (2011 p.267) estabelece-os, respectivamente, como sendo "o emprego de força física ou de atos agressivos sobre a vítima (so­cos, pontapés etc.)" e "a promessa de mal grave a ser causado no próprio agente ou em terceiro que lhe é querido".

Um ponto pacífico entre os doutrinadores é a de que o constrangimento ilegal apresenta natureza subsidiária tendo em vista a pena prevista (três meses a um ano de detenção e multa), o que, nos dizeres de Gonçalves (2011 p. 267) faria este crime ceder "lugar sempre que a violência ou grave ameaça empregadas visarem fins específicos, descritos em outro tipo penal". Desta forma, em casos como extorsão, estupro, tortura e cárcere privado, o constrangimento ilegal seria absorvido por estes outros tipos penais.

A consumação do crime de constrangimento ilegal é outro ponto pacífico na doutrina e se dá no momento em que o indivíduo coagido faz o que o agente o constrangeu a fazer ou a deixar de fazer. Nas palavras de Gonçalves (2011 p. 271), trata-se de "crime diferenciado, na medida em que a consumação do crime se dá no momento da ação ou omissão da vítima". É por este mesmo motivo que é plenamente possível a modalidade tentada do crime de constrangimento ilegal, pois basta o indivíduo coagido não fazer ou não deixar de fazer aquilo a que foi coagido a fazer ou deixar de fazer. Situações disso, trazidas pela doutrina são, por exemplo o indivíduo que consegue fugir do local onde a coação está sendo realizada, não fazendo ou deixando de fazer aquilo a que foi coagido.

    A seguir, reproduz-se um quadro resumo da classificação doutrinária da conduta:

Quadro 9 - Classificação doutrinária do crime constrangimento ilegal

Classificação doutrinária

Simples, quanto à objetividade jurídica

Comum, quanto ao sujeito ativo

De ação livre e comissivo, quanto aos meios de execução

Material e instantâneo, quanto ao momento consumativo

Doloso, quanto ao elemento subjetivo

Fonte: Gonçalves (2011 p. 272)

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SASAKI, Rubens Makoto. O assédio moral sob a ótica do atual Código Penal brasileiro e o Projeto de Lei 4.742/2001. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5645, 15 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70861. Acesso em: 5 dez. 2025.

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