AMEAÇA
A doutrina de Rogério Greco traz um olhar interessante sobre o crime de ameaça. Segundo ele, ao se analisar esta conduta a partir da pena cominada, pode-se chegar à conclusão pela sua baixa importância. No entanto, Greco complementa que:
(...) a experiência demonstra que, na verdade, a ameaça é o primeiro degrau para o cometimento de infrações penais efetivamente graves (...) Deve merecer especial importância porque, em decorrência do pavor infundido na vítima pelo autor da ameaça, gera, em muitas situações, a hipótese de legítima defesa putativa por parte daquele que foi ameaçado; por outro lado, se não contida pelas autoridades competentes, geralmente, a promessa do mal é cumprida, e a vítima acaba sofrendo os danos que tanto temia. (GRECO 2017 p. 457)
Tipificado no art. 147, o crime de ameaça apresenta, expressamente e como rol exemplificativo, a forma escrita, falada e gesticulada como meios de execução. Nesse sentido, outro ponto interessante ressaltado por Greco (2017 p. 458) é o cuidado que o legislador demonstrou ao elaborar o comando do artigo, tendo em vista que a "imaginação das pessoas é fértil, e não tendo o legislador condições de catalogar todos os meios possíveis ao cometimento do delito de ameaça" optou-se por generalizar o meio de cometimento com a expressão 'ou qualquer outro meio simbólico'.
Ademais, conforme doutrina de Gonçalves (2011 p. 275) o mal prometido deve ser, ao mesmo tempo grave e injusto. Significa dizer que ele deve "se referir à promessa de dano a bem jurídico relevante para a vítima, como a vida, a integridade física, o patrimônio, a honra etc" e "contrário ao direito".
Este mesmo doutrinador elenca ainda quatro possíveis classificações da conduta: duas em relação ao alvo da promessa do mal e outras duas com relação à forma a esta promessa de mal é apresentada. Assim, a ameaça pode ser:
1) Direta — quando se refere a mal a ser provocado na própria vítima. Ex.: João diz a Pedro que irá matá-lo, fazendo a intimidação chegar ao seu conhecimento por um dos quatro meios de execução anteriormente mencionados(escrito, por palavras etc.).
2) Indireta — quando se refere a mal a ser causado em terceira pessoa querida pela vítima. Ex.: dizer à mãe que irá sequestrar seu filho ou estuprar sua filha. Entendemos, ainda, que o próprio filho pode cometer o crime quando, para intimidar o pai, diz seriamente que irá se suicidar.
3) Explícita — é a ameaça feita às claras, não deixando o agente qualquer dúvida quanto à sua intenção de intimidar. É o que se dá, por exemplo, quando o agente aponta uma arma para a vítima ou quando diz claramente quepretende matála.
4) Implícita — em que o agente dá a entender, de forma velada, que está prometendo um mal à vítima. Ex.: dizer que a última pessoa que o tratou assim“não comeu peru no Natal”. (GONÇALVES 2011 p. 276)
À semelhança do crime de constrangimento ilegal, é pacífico na doutrina que a ameaça é "eminentemente subsidiário", sendo possível a absorção da conduta por outra como, por exemplo, o próprio constrangimento ilegal, extorsão, estupro etc. Ademais, no que concerne à consumação do crime, a doutrina de Gonçalves (2011 p. 279) defende que ela ocorre no "No momento em que a vítima toma conhecimento do teor da ameaça (...) Trata-se de crime formal, bastando que o agente queira intimidar e que a ameaça proferida tenha potencial para tanto.".
Por fim, mas não menos importante, esta conduta admite a forma tentada, tendo em vista os meios de execução (falada, escrita, gesticulada etc), bastando, para tanto, que determinado bilhete contendo a ameaça não chegue ao encontro da vítima, por exemplo.
A seguir, reproduz-se um quadro resumo da classificação doutrinária da conduta:
Quadro 10 - Classificação doutrinária do crime de ameaça
Classificação doutrinária |
||||
Simples, quanto à objetividade jurídica |
Comum, quanto ao sujeito ativo |
De ação livre e comissivo, quanto aos meios de execução |
Formal, e instantâneo quanto ao momento consumativo |
Doloso, quanto ao elemento subjetivo |
Fonte: Gonçalves (2011 p. 280)
O PL 4.742/2001
De autoria do então Deputado Federal Marcos de Jesus, referido projeto de lei pretende incluir o artigo 146-A no CP, cujo teor reproduz-se a seguir:
Assédio Moral no Trabalho
Art. 146-A. Desqualificar reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral.
Pena: Detenção de (3 (três) meses a um ano e multa. (BRASIL 2001 - p. 24176)
Na exposição de motivos, o legislador preocupou-se em contextualizar a necessidade de se tipificar o assédio moral como crime a partir dos problemas verificados nos ambientes laborais. Trouxe, ainda, uma vasta coleção de dados estatísticos e pesquisas realizadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Não à toa, o tipo penal seria nomeado como "Assédio Moral no Trabalho".
Por mais louvável que seja a iniciativa, este PL peca, primeiro, ao ter um ponto de vista estreito em relação ao problema do assédio moral. Como visto nas seções anteriores do presente trabalho, o assédio moral não se restringe ao ambiente laboral, podendo ocorrer também nos ambientes acadêmicos e até familiares. Decerto que o assédio moral no ambiente laboral é a vertente mais evidente deste mal que precisa ser mitigado e desestimulado, mas ignorar que ela possa ocorrer nos corredores das universidades e dentro do ambiente familiar é algo que não seria razoável.
Em seguida, tem-se a questão: o que enquadrar no termo "desqualificar", trazido no comando do artigo? Como verificado anteriormente, conflitos existentes no ambiente de trabalho, decorrentes de posicionamentos e opiniões divergentes não são sinônimo de assédio moral. Um termo genérico como o sugerido no projeto de lei poderia dar ensejo a situações em que críticas e feedbacks comuns a determinados trabalhos ou pesquisas realizados possam ser encarados como formas de desqualificação, que se reiterados, poderiam caracterizar o tipo penal.
Outro ponto em questão diz respeito ao termo "reiteradamente", constante no comando do artigo proposto. Conforme Bobroff e Martins:
(...) a repetição não deve ser considerada de forma isolada, pois (...) um único ato, mesmo repetido muitas vezes, pode não ser considerado como assédio moral, mas como violência psíquica (...) Para caracterizar a frequência, inerente ao assédio moral, a repetição deve ocorrer ao menos uma vez por semana; caso contrário, o episódio não será considerado assédio moral, conforme suas características atuais em âmbito internacional (...) No que concerne à duração, o tempo pode variar de uma semana até um a três anos. Vários estudos demonstraram que a duração média dos ataques do assediador é de aproximadamente seis meses. (BOBROFF e MARTINS 2013 p. 254)
Verifica-se, portanto, que não é possível definir objetivamente um período necessário para a caracterização do assédio moral. Assim, mais importante e efetivo que a questão do tempo ou a frequência de repetições, seria estabelecer nexo causal do dano (normalmente psíquico, podendo ser também físico) da vítima com a conduta do agente promotor do assédio, o que poderia ser feito por meio de laudo médico ou psiquiátrico.
Conforme foi possível verificar na descrição e nos tipos de assédio moral, este se materializa, mormente, através do cometimento de condutas já tipificadas no CP como os crimes contra a honra e contra a liberdade pessoal. Desta forma, poderia ser proposta uma alternativa ao referido texto do projeto lei e, ao invés de se pretender incluir o artigo 146-A, poder-se-ia, no caso dos crimes contra a honra, incluir um inciso V, no art. 141, adicionando situações de assédio moral como causa de aumento de pena, como, por exemplo:
Disposições comuns
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
(...)
V - em razão de vínculo hierárquico funcional, laboral ou de qualquer outra natureza, caracterizando assédio moral.
Para os crimes de constrangimento ilegal e ameaça, comandos semelhantes poderiam ser incluídos na forma de parágrafos adicionais nos artigos 146 e 147, respectivamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi possível constatar no decorrer deste trabalho, o assédio moral é um fenômeno bastante complexo, que envolve questões de ordem, principalmente, cultural, social e legal.
Já há encaminhamentos nas esferas cível, trabalhista (para os casos de assédio moral no trabalho) e administrativa (atingindo principalmente as empresas em que ocorrem, ou que, pelos menos, não combatem o assédio moral) para o combate ao assédio moral. Percebe-se, pela leitura da exposição de motivos do analisado projeto de lei, que, no entender do legislador, ao tipificar a conduta de assédio moral (no trabalho) no CP, haveria sua inibição.
Para além da questão da superlotação carcerária, a qual não foi objeto do presente trabalho, da forma como foi proposta, a tipificação do assédio moral do projeto de lei 4.742/2001 traz alguns problemas como a omissão quanto às demais manifestações de assédio moral (além do assédio moral no trabalho), como o assédio horizontal (que não reconhece hierarquias) e o assédio no ambiente acadêmico.
Além disso, os termos genéricos como "desqualificar" e "reiteradamente" dão ensejo ao enquadramento como assédio de condutas que não devem ser encaradas como tal, como por exemplo, críticas e divergências de opinião, algo salutar para o convívio social. Ademais, ao injuriar ou difamar um indivíduo, mesmo que uma única vez, pode ser o suficiente para causar-lhe danos psicológicos, muitas vezes irreversíveis.
Desta forma, a alternativa proposta poderia ser objeto de um substitutivo do referido Projeto de Lei, sendo uma solução mais efetiva no combate ao fenômeno do assédio moral, seja ele cometido no ambiente laboral, acadêmico, por superiores ou subordinados.
REFERÊNCIAS
ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO: Chega de humilhação. Página inicial. Disponível em: <http://www.assediomoral.org>. Acesso em: 19 de novembro de 2018.
BOBROFF, M. C. C.; MARTINS, J. T. Assédio moral, ética e sofrimento no trabalho. Rev. bioét. (Impr.) 21 (2): 251-8. 2013
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao compilado.htm>. Acesso em: 20 de novembro de 2018.
______. Projeto de Lei 2.876, de 2015 (Do Sr. Subtenente Gonzaga). Brasília, DF: Imprensa Nacional 2015a
______, Assédio moral: conhecer, prevenir, cuidar. Ministério da Saúde, Secretaria Executiva, Subsecretaria de Assuntos Administrativos. –Brasília : Ministério da Saúde, 2015b
______. Projeto de Lei 4.742, de 2001 (Do Sr. Marcos de Jesus). Diário da Câmara dos Deputados - Ano LVI - N° 079 - Sábado, 26 de maio de 2001 - p. 24176-24178 Brasília, DF: Imprensa Nacional 2001
______. Decreto-Lei N° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 22/11/2018.
GONÇALVES, V. E. R. Direito penal esquematizado: parte especial / 1a. ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2011.
GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa / 14. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017.
HELOANI, J. R. M. Assédio Moral - Um ensaio sobre expropriação da dignidade do trabalho. RAE- eletrônica, v. 3, n. 1, Art. 10, jan./jun 2004. Disponível em <http://www.rae.com.br/eletronica/index.cfm?FuseAction=Artigo&ID=1915&Secao=PENSATA&Volu me=3& N umero=1&Ano=2004>
NUCCI, G. de S. Manual de direito penal / 10. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2014
POSENER, H. C. O assédio moral no âmbito acadêmico e suas implicações legais. Artigo publicado em 09/03/2009. Disponível em <https://www.webartigos.com/artigos/o-assedio- moral-no-ambito-academico-e-suas-implicacoes-legais/15345/>. Acesso em 23/11/2018.