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Ativismo jurídico: judicialização política e legislativa.

O papel do TSE no regramento da fidelidade partidária

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04/03/2019 às 15:10
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Trata-se de um estudo acerca do processo legislativo e os limites constitucionais de atuação do TSE, com o intuito de verificar se a Resolução da fidelidade partidária foi mais um caso de ativismo judicial que extrapolou função precípua reservada ao Poder Legislativo.

Resumo: O que legitima a produção legislativa, quais os limites impostos ao Judiciário, quais as causas que fortalecem e agigantam o papel do Judiciário em detrimento do Legislativo? São as questões levantadas e analisadas no presente artigo.

Palavras-chave: Intervenção, Legislativo, Judiciário, Ativismo Jurídico, Resolução, TSE, STF, Câmara dos Deputados.


1 – INTRODUÇÃO.

A proatividade judiciária agiganta o papel dos tribunais superiores e coloca, em alguns casos, o Congresso Nacional como expectador no processo de formação legislativa, desequilibrando a separação entre os poderes estabelecidos no texto constitucional. Diante de tal problematização, faz-se necessário pesquisar a origem desse fenômeno no ordenamento jurídico Pátrio, relacionando-o com os pilares constitucionais que legitimam o Parlamento para o processo de formação das leis e a função constitucional, interpretativa e decisória, reservada aos Tribunais Superiores, como guardiões da lei e da Constituição.

Neste aspecto, pretende-se averiguar se a regra elaborada pelo TSE, quanto à fidelidade partidária, por meio da Resolução nº 22.610/2007, restringe-se ao campo da interpretação constitucional ou invade o poder de legislar do Parlamento.

Objetiva-se, neste trabalho, analisar o posicionamento de escritores, mestres, doutrinadores e juristas quanto ao tema da competência legislativa e do fenômeno do crescente ativismo jurídico. Será verificado como ocorreu o entendimento de que o mandato pertence ao partido, qual culminou com a edição e publicação, pelo TSE, da Resolução n.º 22.610/2007, que estabeleceu regras quanto à fidelidade partidária. Será abordado como se deu a deliberação, na Câmara dos Deputados, do projeto que deu origem aos termos da Lei n.º 13.165/2015, que normatizou o mesmo tema.

Para tanto, serão levantados os conceitos e fases do processo legislativo, os critérios de representatividade, legitimidade e separação dos poderes.

Será abordado, como foco principal, o processo legislativo e os limites constitucionais de atuação do TSE, com o intuito de verificar se a Resolução da fidelidade partidária se enquadra no chamado ativismo judicial e se interferiu em função precípua reservada ao Poder Legislativo.


2 – SEPARAÇÃO DOS PODERES.

O sistema de freios e contrapesos expresso na Constituição Federal, em seu art.º 2, assegura a separação dos poderes e estabelece que um poder não poderá usurpar a competência do outro.

A Constituição também estabelece os casos em que é possível o exercício de algumas das funções de um poder em outro, desde que de forma atípica e dentro dos limites estabelecidos. O legislativo, de forma atípica, possui seu círculo de competências internas para gestão e administração de seus recursos. Ao executivo, de forma atípica e dentro dos limites constitucionais, é conferido o poder de editar normas por meio de Medidas Provisórias, regulada nos termos do art. 62 da Constituição Federal, para caso de relevância e urgência. O Judiciário, de forma atípica, exerce função legislativa ao elaborar seus regimentos internos.

Como função típica, ao judiciário compete à aplicação das leis, e, especificamente, ao STF a guarda da Constituição Federal e, por meio do controle de constitucionalidade, a defesa da Constituição Federal. Não compete aos Tribunais a função de legislar. Porém, em muitas decisões polêmicas, notamos que a atuação do STF, além de interpretar a constitucionalidade ou não do tema, acaba por regular situações em que a sociedade, na verdade, demanda por leis.

O respeito à separação dos podres é um ditame Constitucional, inerente ao sistema democrático brasileiro, sendo essencial para a manutenção da harmonia entre Executivo, Legislativo e Judiciário. A ideia de separação de poderes nasce juntamente com a necessidade de moderar o poder soberano e promover o equilíbrio de forças dentro do Estado, conforme defendido por Montesquieu:

De acordo com a “separação dos podres”, o Poder Legislativo incumbe ao Parlamento, órgão de caráter representativo. Na verdade, Montesquieu pretendia que o estabelecimento das leis fosse confiado (com a sanção do monarca) a duas câmaras, uma destinada a representar o povo, outra, a representar a nobreza. Esta última, aliás, teria o papel moderador, servido de contrapeso à primeira. (FERREIRA FILHO, 2012, p.83)

Outro Ponto importante ressaltado por Montesquieu refere-se ao controle recíproco que deve haver entre os podres para a manutenção da harmonia interna. Neste sentido salientou que é preciso que o poder freie o poder, a fim de se conter o abuso. (COELHO, 2007, p. 34)

Portanto, conforme o enfoque obtido por meio da Teoria de Montesquieu, a fiscalização de um poder em relação ao outro se faz necessário para assegurar que um não usurpe a competência do outro, ou seja, para assegurar harmonia e independência é essencial a existência da dinâmica tripartite do “checks and balances”.


3 – SISTEMA ELEITORAL E SISTEMA PARTIDÁRIO

O estudo referente aos sistemas eleitoral e partidário nacional e necessário para a compreensão dos termos da decisão referente ao tema da fidelidade partidária, uma vez que a Resolução do TSE afeta diretamente os eleitos pele sistema proporcional e, recentemente o STF (Supremo Tribunal Federal - ADI n.º 5.081) se pronunciou pela inaplicabilidade de tal entendimento aos eleitos pelo sistema majoritário.

O sistema eleitoral majoritário simples, de turno único, é o utilizado para eleições para o cargo de Senador da República. Neste sistema, classifica-se como eleito o candidato com a maior votação no distrito, cuja base é de um Estado ou do Distrito Federal. O número de cadeiras, três, é mesmo para qualquer Estado da Federação. A renovação no Senado ocorre a cada quatro anos, de forma alternada em um terço e dois terços dos senadores.

Jairo Nicolau (2011) explica, segundo as “Leis de Duverger”, que o “sistema majoritário de um só turno tende ao dualismo dos partidos”, o que favoreceria um “formato bipartidário”.

Para elegermos os Deputados Federais, é adotado o sistema proporcional de lista aberta, no qual é adotada uma fórmula para a distribuição das cadeiras entre partidos e coligações: primeiro é necessário calcular o quociente eleitoral, que é obtido dividindo-se o número de votos válidos pelo número de cadeiras no distrito, o Estado. Segundo a Legislação Eleitoral, é considerado como válido o voto dado diretamente a um determinado candidato ou a um partido. Os votos em branco não são considerados válidos desde a vigência da Lei nº 9.504/97 (TSE, 2016). Para ser considerado eleito, o partido ou coligação do candidato deverá atingir a cláusula de barreira, quociente eleitoral e, individualmente, o candidato deverá obter votos suficientes para se classificar para uma cadeira dentro do partido ou coligação. Segundo Jairo Nicolau (2012) “as coligações ampliam as chances de os pequenos partidos obterem representação”.

O problema da alta fragmentação partidária no Legislativo não está somente associado ao sistema eleitoral adotado, embora a representação proporcional esteja, por muitos teóricos, associada ao multipartidarismo, as regras que autorizam a migração partidária também agravam a situação. Nota-se que, mesmo com as cláusulas de fidelidade partidária, a mudança na configuração do legislativo Federal ainda é grande. É possível trocar de partido, dentre outros, em caso de criação de uma nova legenda; nos casos em que o parlamentar alegar divergência ideológica e perseguição política e, recentemente, por meio de Emenda Constitucional n.º 91, foi criada uma “janela” temporária para alteração da filiação.

Apesar de sua origem democrática, cujo fundamento visava ampliar a participação política, parlamentares e escritores defendem a reformulação do sistema proporcional. Jairo Nicolau, a esse respeito, escreveu: “A representação proporcional, na versão que conhecemos, está em vigor no país desde 1945. Foi fundamental para a democratização do país. [...] a representação proporcional deve ser aperfeiçoada” (NICOLAU, 2011).

O grande número de partidos afeta a governança e a governabilidade, uma vez que desfavorece a formação de consenso, gerando grandes entraves à execução do programa de governo proposto pelo Poder Executivo. Essa opinião é defendida por profissionais e estudiosos da Ciência Política, como a Doutora Ana Lúcia Henrique: “o multipartidarismo, dificulta a formação de maiorias, procrastina a tomada de decisões, e, consequentemente, gera prejuízo para a governabilidade” (GOMES, 2012).

O cenário nacional revela a existência de uma crise política generalizada, a qual pode ser relacionada, dentre outros casos – má gestão e corrupção –, como uma consequência do grande número de partidos no Congresso Nacional. É possível chegar a essa conclusão, uma vez que na 55º Legislatura na Câmara dos Deputados (CÂMARA, 2015-2018), existem seis grandes bancadas: PMDB, PT, PSDB, PP, PSC e PR, cujo número de membros variam entre 68 e 40; oito bancadas com número de membros entre 31 e 10; e dez partidos com número de membros entre 09 e 01, ou seja, revela a existência de alta fragmentação partidária. Conforme defendido por Jairo Nicolau (1995): “a perda do poder dos grandes partidos dificultam a formação de maiorias minimamente estáveis no Legislativo”. Não havendo maioria para aprovação das demandas do Governo no Congresso, compromete-se a Governança, capacidade operacional de administrar os planos e metas estabelecidos. Perdendo o consenso político no Congresso, poderá acarretar, ainda, na perda da Governabilidade, condição para exercer o poder com autoridade política, o que afeta, diretamente o setor econômico do país (BORSANI, 2003).

Portanto, mesmo sendo considerado como o mais democrático, por favorecer a diversidade ideológica, o sistema proporcional, nos moldes como vigora no Brasil, precisa ser reestruturado para viabilizar o aumento da governabilidade. Antes da vigência da Lei nº 9.504/97, quando os votos em branco faziam parte do cômputo dos votos válidos, para fins de se calcular a cláusula de barreira, o partido ou coligação deveria obter um número maior de votos para se atingir o quociente eleitoral, o que dificulta o acesso de pequenos partidos ou partidos sem expressão. Antes da mudança da regra que possibilitou ao parlamentar levar o “tempo eleitoral” para a nova legenda, a troca de partido era, de certa forma, desestimulada. Ou seja, aumentando-se a possibilidade de ascensão dos pequenos partidos ao legislativo ou a migração dos Congressistas para novas legendas, o que teoricamente favoreceria o processo democrático participativo, reduz-se a formação de grandes bancadas partidárias, prejudicando a governabilidade (BORSANI, 2003).


4 – O PROCESSO LEGISLATIVO DE FORMAÇÃO DAS LEIS.

O processo legislativo de formação das leis envolve, além da observância das regras e limites Constitucionais e regimentais, o quesito da representatividade da vontade popular. Por essa razão, compete ao Parlamento, a discussão e votação de matérias que irão gerir a vida em sociedade. Nesse sentido, a normatização de condutas por parte do judiciário, colide com o princípio da separação de poderes e, ainda, com o sistema de representação da vontade popular.

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Da interpretação do Texto constitucional verifica-se a existência de requisitos mínimos, os quais deverão ser alcançados, para proporcionar legitimidade ao texto obtido por meio da produção legislativa. (SILVA, 2007).

No Constitucionalismo moderno, o mais importante desses pressupostos é a existência de órgãos específicos, a que se atribui a incumbência de elaborar as leis, decorrentes do princípio de distinção de funções ou separação de poderes, pelo qual se entregou a função legislativa às assembleias de representantes do povo. (SILVA, 2007, p. 45).

De outro lado, o Jurista Ayres Britto, ex-ministro do STF, defende que:

O Legislativo não pode ser obrigado a legislar, mas o Judiciário não pode não julgar. Quando um conflito não encontra mediação na legislação existente, o STF faz análise dos preceitos constitucionais para ver se encontra condições de auto-aplicabilidade, se dá resposta para a questão. Em muitos momentos não consegue fugir de um certo 'experimentalismo decisório'. Aí dizem que o STF é ativista, que está usurpando funções do Legislativo, mas discordo. É o caso da fidelidade partidária: não cabe ao STF fazer uma reforma política, mas, quando provocado, o tribunal tem buscado extrair da Constituição princípios para evitar pane processual. (BRITTO, 2013).

No entanto, a literatura demonstra que o processo de formação das leis deve expressar a vontade do povo, neste caso representado pelos parlamentares na Câmara dos Deputados, e a vontade do Estado, representado pelo Senado Federal, respeitando-se o princípio da separação dos poderes. (FERREIRA FILHO, 2012).

É necessário, portanto, ter sido legitimado democraticamente para o exercício da função legislativa e isso assegura qualidade na democracia, pois o Congresso Nacional se matem aberto ao debate, às manifestações dos cidadãos, os quais, por meio do sufrágio universal, exercem o poder de reconduzir ou não seus representantes, conforme destaca Ferejonh (2003):

O Legislativo produz leis que obrigam a todos e, portanto, cada um de nós participa da decisão de quem deve ocupar assento no Legislativo. Temos o direito de monitorar debates legislativos, de informar e influir nas decisões e de exigir que legisladores se responsabilizem perante nós pelos seus atos nas próximas eleições. Essas expectativas políticas legitimam o nosso direito a organizar partidos e facções para eleger, monitorar, criticar, opor e influenciar os legisladores. Nesse sentido, é de esperar que a política no processo legislativo seja contenciosa, parcial e ideológica. (FEREJOHN, 2003, p. 1)

O Mandato Eletivo é o direito ou poder concedido ao Parlamentar, pelo voto do cidadão, por meio do sufrágio universal, para representá-lo, votar e agir em seu nome. Seguindo esta lógica, é o Poder Legislativo o legitimado a gerir o processo de formação das normas.

O Legislativo produz leis que obrigam a todos e, portanto, cada um de nós participa da decisão de quem deve ocupar assento no Legislativo. Temos o direito de monitorar debates legislativos, de informar e influir nas decisões e de exigir que legisladores se responsabilizem perante nós pelos seus atos nas próximas eleições. Essas expectativas políticas legitimam o nosso direito a organizar partidos e facções para eleger, monitorar, criticar, opor e influenciar os legisladores. Nesse sentido, é de esperar que a política no processo legislativo seja contenciosa, parcial e ideológica. (FEREJOHN, 2003, p. 1)

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Sobre a autora
Lílian Reny Fernandes

Graduada em Ciências Jurídicas, Menstranda Profissional em Direito pelo IDP, Pós-Graduada em Direito Portuário, Pós-Graduanda em Direito Tributário, Pós-Graduada em Processo Legislativo, pelo Centro de Formação da Câmara dos Deputados. Advogada inscrita nos quadros da OAB/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Lílian Reny. Ativismo jurídico: judicialização política e legislativa.: O papel do TSE no regramento da fidelidade partidária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5724, 4 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71145. Acesso em: 2 nov. 2024.

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