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Ativismo jurídico: judicialização política e legislativa.

O papel do TSE no regramento da fidelidade partidária

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04/03/2019 às 15:10
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5 - JUSTIÇA ELEITORAL: PODER REGULAMENTAR DO TSE.

Conforme disposto no art. 92 da Constituição Federal, a Justiça Eleitoral é um órgão de jurisdição especializada, integrante do Poder Judiciário, a qual compete à organização do processo eleitoral. Nos artigos 22 e 23 do Código Eleitoral, estão dispostas as competências judiciais do Tribunal Superior Eleitoral. O Código Eleitoral, em seu art. 1º e art. 23, IX, atribui ao TSE poder para regulamentar matéria de competência do órgão colegiado que as instituiu, o que possibilita a criação de situações gerais e abstratas, por meio de resoluções, com a finalidade de assegurar a execução das leis eleitorais. Segundo José Jairo Gomes (2012), a resolução é um “ato normativo emanado de órgão colegiado para regulamentar matéria de sua competência” (GOMES, 2012, p. 68)

Art. 1º Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado.

Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá Instruções para sua fiel execução. (BRASIL, 1965)

O TSE também exerce, conforme art. 23, XII, e art. 30, VIII, ambos do Código Eleitoral, função consultiva, por meio da qual ocorre o pronunciamento a respeito de questões abstratas e impessoais.

A função interpretativa, consultiva ou de regulamentar disposições legislativas já existentes não se confunde com a possibilidade de restringir ou estabelecer novos direitos e obrigações, papel reservado á lei. Poder concedido aos Parlamentares por meio da vontade popular. Nesse aspecto, defende Fábio Alexandre Coelho (2007):

Com efeito, quando a atividade legislativa e exercida por um só indivíduo, seja um monarca ou ditador que por meio de uma revolução alcançou o poder, temos uma autocracia; quando há uma assembleia que permite a participação de todo o povo ou um parlamento com representantes eleitos temos a democracia. (COELHO, 2007, p. 151)


6 - SURGIMENTO DO ATIVISMO JUDICIAL.

Segundo John Ferejohn (2003), a partir do término da Segunda Guerra Mundial inicia-se o fenômeno, de âmbito mundial, denominado judicialização, no qual observa-se o exercício da atividade legislativa nos Tribunais.

Nosso ordenamento jurídico, derivado do sistema “civil law”, de origem romano-germânico, proporciona grande relevância ao papel das leis, norteadores do direito, não cabendo ao Judiciário, portanto, a função legiferante. Já nos países que adotam o sistema do direito consuetudinário, “commom law”, de origem anglo-saxônica, a jurisprudência formada por meio de precedentes, “case law”, ganha maior relevância do que um conjunto de leis, caso haja. Nesse sistema, a jurisprudência tem mais força normativa.

Ocorre que, embora o papel atribuído ao Judiciário sempre tenha sido mais restrito nos países com sistema jurídico originário no direito romano-germânico da civil law que no sistema da common law, segundo Cappelletti, há uma tendência cada vez maior de convergência desses dois sistemas, em razão: a) do crescimento do caráter legislado do direito anglo-saxão; b) da reformulação da teoria da separação dos Poderes concebida por Montesquieu no sistema da civil law; c) da aproximação com o modelo de checks and balances dos federalistas americanos, que concebem os juízes como guardiões dos direitos fundamentais e não simples operadores das leis e da certeza. (MAGALHÃES, 2010, p. 26)

O STF tem interferido, constantemente, no poder Legislativo. Muitas vezes, em verdade, por provocação dos próprios legisladores. Entretanto, o fato é que o ativismo jurídico deve se restringir a casos excepcionais, conforme defendido por Vianna (2007):

[...] a alteração da vontade do legislativo e mesmo do executivo, poderes que detêm a soberania popular, por uma decisão judicial e sempre um ato excepcional em qualquer tribunal do mundo, [...] (VIANNA, 2007, p. 79, grifo nosso)

O ativismo jurídico que só poderia ocorrer excepcionalmente, tem se tornado comum e cada vez mais ampliado. Casos latentes dessa proatividade podem ser verificados, por exemplo, com a decisão que reconheceu o direito à união civil homoafetiva e suas consequências previdenciárias, as quais foram objeto de regulação pelo Supremo (STF, 2011); como o caso da liberação de pesquisas com célula-tronco, oportunidade em que o Supremo entendeu, na ADI 3510, que tais pesquisas “não violavam o direito à vida, tampouco a dignidade da pessoa humana.” (STF, 2008).  Recentemente ocorreu no Supremo outra decisão que, segundo muitos juristas, invade o poder de regulamentação legislativa, trata-se do julgamento do HC n.º 126.292, no qual o STF, mudando a jurisprudência até então aplicada, se pronunciou pela possibilidade da prisão a partir da decisão de segunda instância. (STF, 2016).

O ativismo judicial, que expressa um modo criativo e expansivo de interpretar o direito potencializando o sentido e o alcance de suas normas, para ir além da simples interpretação, invadindo a esfera de competência de outros poderes, inclusive com o estabelecimento de novas condutas não previstas na legislação em vigor, além de contornar o processo político majoritário. (NUNES JÚNIOR, 2011)


7 – JUSTIFICATIVAS PARA O ATIVISMO JUDICIAL ELEITORAL.

As justificativas ou explicações para o crescente ativismo judicial são múltiplas. Vão desde a habitualidade de o Congresso levar à exaustão o debate político em torno de uma matéria, à falta de consenso entre os pares, ao constante trancamento da Pauta do Plenário por Medidas Provisórias do Executivo.

A teoria de David Mayhew (1974), acerca das conexões parlamentares, aborda de forma peculiar o funcionamento parlamentar. Uma das premissas analisadas por Mayhew (1974), é que o Parlamentar busca a reeleição como objetivo maior e, nesse sentido, amparado pela estrutura da Câmara, se dedicará no Congresso a três atividades: publicidade, busca de crédito e tomada de posição. A publicidade envolve a criação de uma imagem favorável entre os eleitores, por meio de matérias de pouco conteúdo substancial, sem entrar em temas polêmicos. A busca por crédito visa gerar a crença de que o Parlamentar é o responsável por movimentar o Governo a fazer algo desejado pelo eleitor. Tomada de posição está ligada ao anúncio público de julgamento sobre algo de interesse do eleitor em Plenário e em pronunciamentos, por exemplo.

Em consequência às três supracitadas motivações, segundo Mayhew (1974), teremos no Parlamento: Morosidade, gerada pelo excessivo cuidado com a reeleição; Particularismo, movido por uma visão voltada para questões locais; Deferência a grupos organizados e mobilizados; e Simbolismo na atuação, ou seja, protocolos e representações voltadas para o público, o eleitor.

Ferreira Filho (2012), em sua obra “Do processo legislativo” faz críticas pontuais ao cenário vigente no legislativo. Segundo o autor, a “crise da lei vem ligada à falência dos Parlamentares como legisladores”:

É notório que os Parlamentares não dão conta das necessidades legislativas dos Estados contemporâneos; não conseguem, a tempo e a hora, gerar leis que os governos reclamam, que os grupos de pressão solicitam. As normas que tradicionalmente pautam o seu trabalho dão – é certo – ensejo a delongas, oportunidades a manobras e retardamentos. Com isso, os projetos se acumulam e atrasam. (FERREIRA FILHO, 2012, p. 36)

Essa “crise da lei” (FERREIRA FILHO, 2012), no Parlamento brasileiro, também está relacionada ao sistema eleitoral e partidário vigente, uma vez que a combinação do multipartidarismo com o sistema eleitoral proporcional tem por consequência a formação de um Congresso fragmentado, e o elevado número de partidos dificulta a formação de consenso, gerando grandes entraves à aprovação de proposições relevantes para o país. Conforme defendido por Jairo Nicolau: “a perda do poder dos grandes partidos dificultam a formação de maiorias minimamente estáveis no Legislativo” (NICOLAU, 2012, p. 60). A falta de consenso e mobilização entre os Pares leva ao enfraquecimento do legislativo, dando margem a usurpação de sua competência pelo poder judiciário, o qual, a cada dia mais, se fortalece, organiza e mobiliza.

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Ferreira Filho (2012) descreve o cenário da seguinte forma:

Ora, a incapacidade dos Parlamentares conduz à sua abdicação. Cá e lá, a delegação do Poder Legislativo, ostensiva ou disfarçada, torna-se a regra comum, apesar das proibições constitucionais desvela-se em encontrar caminhos para que o Executivo possa legislar enquanto os magistrados olham para outro lado a fim de não verem as violações à Constituição. (FERREIRA FILHO, 2012, p. 37)

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistrados o poder legislativo é reunido ao poder executivo, não há liberdade, porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. (O espírito das Leis. In: FERREIRA FILHO, 2012, p. 37)


8 - ANÁLISE DE CASO: A NORMATIZAÇÃO DA FIDELIDADE PARTIDÁRIA PELO TSE, COM A RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007, INVADE COMPETÊNCIA DO LEGISLATIVO? O MESMO TEMA, POSTERIORMENTE, FOI REGULADO PELA LEI 13.165/2015.

Inicialmente, cabe destacar que não havia, até então, um regramento quanto às possibilidades de desfiliação e, depois de provocado por uma Consulta partidária formulada, à época, pelo PFL, atual DEM, o TSE respondeu nos seguintes termos: “Consulta. Eleições proporcionais. Candidato eleito. Cancelamento de filiação. Transferência de partido. Vaga. Agremiação. Resposta afirmativa” (BRASIL, TSE, 2013) e, como resultado, foi editada a Resolução n.º 22.526/2007.

O Tribunal Superior Eleitoral, no uso das atribuições que lhe confere o art. 23, XVIII, do Código Eleitoral, e na observância do que decidiu o Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança nº 26.602, 26.603 e 26.604, resolve disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária, nos termos seguintes:

Art. 1º - O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º - Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação pessoal.

(BRASIL, TSE, Resolução 22.610, 2007)

Apesar de a resolução ter como justificativa a moralidade e o respeito ao sistema proporcional de lista aberta, no qual o eleitor deposita o voto no partido e não especificamente no candidato, a Resolução, que entendeu que o mandato pertence ao partido, ultrapassa o campo da interpretação da Lei e inova ao estabelecer em quais condições a fidelidade poderia ser quebrada, ou seja, clara interferência no escopo legislativo. Interferência ratificada pelo STF que, recebendo manifestações contrárias à Resolução do TSE, se manifestou pela aplicabilidade da Resolução desde sua edição, ou seja, 27 de março de 2007.

O TSE atuou, mesmo que interferindo na competência do Legislativo, para moralizar a filiação partidária e, ao mesmo tempo, normatizar os casos de exceção em que a mudança de partido não acarretaria perda do mandado.

A Resolução data de 27 de março de 2007. Na Câmara dos Deputados, o projeto de Lei n.º 5.735/2013, que entrou em Pauta como parte da minirreforma eleitoral, foi apresentado no ano de 2013 e transformado em norma jurídica apenas no final de 2015, (Lei n.º 13.165, de 29 de setembro de 2015). Esse lapso temporal revela que a resposta do legislativo, às questões demandadas pela sociedade, não tem sido pontual. O Legislativo, norteado pelo entendimento do TSE e STF de que o mandato pertence ao partido, nos casos de eleitos pelo sistema proporcional, o Legislativo reescreveu, nos incisos I e II, da minirreforma eleitoral, os mesmos termos da Resolução do TSE e, inovou, ao acrescentar nova hipótese para desfiliação no inciso III, do art. 22-A, conhecido como “janela partidária”, possibilitando ao Parlamentar efetuar a troca de partido dentro do interstício de trinta dias que antecede o prazo de filiação, desde que esteja no ano do término do mandato.

Como resultado da análise dos aspectos constitucionais inerentes aos pilares que legitimam o Parlamento para o processo de formação das leis e a função constitucional, interpretativa e decisória, reservada aos Tribunais Superiores, como guardiões da lei e da Constituição, conclui-se que a regra elaborada pelo TSE, quanto à fidelidade partidária, por meio da Resolução nº 22.610/2007, extrapola a seara da interpretação constitucional, adentra em competência do poder de legislar do Parlamento e se enquadra no chamado ativismo judicial, pois regulou condutas, impôs deveres e obrigações aos candidatos.

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Sobre a autora
Lílian Reny Fernandes

Graduada em Ciências Jurídicas, Pós-Graduada em Direito Portuário, Pós-Graduanda em Direito Tributário, Pós-Graduada em Processo Legislativo, pelo Centro de Formação da Câmara dos Deputados. Advogada inscrita nos quadros da OAB/DF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Lílian Reny. Ativismo jurídico: judicialização política e legislativa.: O papel do TSE no regramento da fidelidade partidária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5724, 4 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/71145. Acesso em: 23 abr. 2024.

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