Adoção à brasileira: crime ou causa nobre?

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3. Adoção à Brasileira

A adoção à brasileira, também conhecida como adoção ilegal caracteriza-se quando a genitora ou a família biológica simplesmente entrega a criança a um indivíduo estranho, onde este muito provavelmente registrará a criança como filho próprio, sem sequer ter passado por um processo judicial de adoção. Ao nos depararmos com tal situação, é mister questionar por que tal ato ilegal é tão comum no nosso país, mesmo havendo legislações específicas para a regularização de tal procedimento e possuindo previsão no Código Penal ao descrever a conduta no Art. 242: ‘’Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil.”, com pena cominada de 2 a 6 anos de reclusão.

3.1 Possíveis fatores que levam à conduta da adoção à brasileira

Como já destacado, independentemente do procedimento escolhido para se adotar um estranho e torná-lo como filho, o objetivo da adoção nada mais é do que aumentar a família, seja por amor ou simplesmente em razão de querer continuar com a genealogia; entretanto, mesmo existindo amparo jurídico para a consolidação de tal ato, é importante levarmos em consideração alguns fatores que conduzem a tal prática da adoção ilegal, como o desejo de ter para si um novo membro na família, a sensibilidade em face do abandono infantil que ocorre em nossa sociedade e o afeto com crianças (NASCIMENTO,2014).

De acordo com o relatório de pretendentes cadastrados para a adoção, fornecido pelo site do Conselho Nacional de Justiça – CNJ , atualmente há no Brasil exatamente 43.891 mil pessoas na fila da adoção aguardando pela obtenção da guarda de uma criança, sendo que 20.721 mil destas pessoas estão concentradas na região sudeste. Por outro lado, no Cadastro Nacional da Adoção – CDA , também é fornecido que exatamente 8.889 mil crianças ainda estão disponíveis para a adoção; ora, por uma obviedade, há mais possíveis adotantes do que crianças para serem adotas, mesmo assim, tanto a morosidade do processo judicial, como exigências dos possíveis pais em relação a criança (raça, cor, idade etc.) acabam por dificultar ainda mais tal procedimento, fazendo com que estes se esgotem e acabem por optar por uma solução mais fácil, uma vez que o desejo de obter uma nova prole é gigantesco.

Como bem destaca o Art. 226 da nossa Carta Maior, a família é a base da sociedade e merece proteção especial do Estado; é fato que com o passar dos anos o conceito de família ficou mais amplo, abrangendo não só a família patriarcal, mas também outras modalidades desta, como bem preceitua Lobo (2009):

a)união com vínculo do casamento, com filhos biológicos;

b)união com vínculo de casamento, com filhos biológicos e não biológicos ou somente com filhos não biológicos,

c)união estável com filhos biológicos,

d)união estável com filhos biológicos e não biológicos ou somente não biológicos,

e)entidade monoparental composta de pai ou mãe e filhos biológicos;

f)entidade monoparental composta de pai ou mãe e filhos biológicos e adotivos ou somente adotivos,

g)grupo parental de irmãos ou de avós e netos, ou de tios e sobrinhos,

h)entidade formada por pessoas sem vínculo de parentesco, em convivência permanente com laços de afetividade e auxílio mútuo, sem fins sexuais ou econômicos,

i)união homoafetiva com finalidade sexual e afetiva,

j)união concubinária, na qual ocorre impedimento para o casamento de um ou ambos conviventes, com ou sem filhos,

k)famílias recompostas, formadas por padrasto e madrasta e enteados.

Assim, podemos notar que o ser humano está cada vez mais disposto a se inserir em novos meios sociais familiares, para que possa ser aceito como membro de uma família estruturada, entretanto, como a maioria das famílias possuem filhos, aquelas que não possuem sempre buscam meios de complementá-la, e quando a prole não chega através de vias biológicas, a adoção torna-se uma opção para concretizar tal desejo. Percebe-se que a adoção não se trata apenas de um ato isolado de caridade, mais sim da satisfação de um desejo subjetivo relacionado à maternidade/paternidade.

Como mencionado, no Brasil há 8.889 mil crianças esperando para serem recebidas em uma nova família. Como a adoção, segundo o ECA, trata-se de medida excepcional, percebemos que de fato há uma realidade que demonstra que milhares de menores de idade não podem conviver com sua família biológica, gerando consequentemente um abandono afetivo que reflete nas condições emocionais destas crianças, fazendo com que, paralelamente, outros milhares de adultos se comovam com tal situação, optando estes por trazerem alguma destas para seu seio familiar.

Em uma matéria realizada pelo jornal “Estadão”, é relatado de forma simples, porém objetiva, o maior dilema daqueles jovens que não conseguem ser adotados: o que fazer após completar 18 anos de idade? Várias pessoas ao tomarem conhecimento da realidade de um abrigo e, principalmente a realidade daqueles que serão expulsos deste ao atingirem a maioridade civil faz com que nasça o desejo da adoção, impedindo que aquela criança cresça sem perspectiva de vida. Conjuntamente a isto, percebemos que adotar, além de exigir afeto em face das crianças, também exige coragem e disponibilidade de garantir uma vida digna para elas.

Percebe-se que o sentimento em face de crianças abandonas, se somado ao desejo de se aumentar a composição familiar faz com que várias pessoas optem pela adoção, sendo este um ato nobre.  Entretanto, embora existam várias crianças em abrigos, muitas delas deixam de ser adotadas, uma vez que o processo de adoção exige tempo e paciência. Assim, aqueles que desejam a adoção acabam por optar por uma mais fácil, mesmo se tratando de um ato ilegal.

3.2 A prática da adoção ilegal atualmente

Tal conduta é praticada há vários anos em nosso país, não podendo se dizer ao certo quando começou e quantas pessoas ingressaram no seio familiar através desta prática, mas uma coisa é certa, a adoção à brasileira existe e (in)felizmente ainda existirá enquanto existirem pessoas dispostas a realizar tal procedimento, seja com boas ou más intenções.

Ora, é fato que estes “pais ilegais” optam pelo procedimento mais fácil por não acreditarem no sistema oferecido pela legislação, realizando todos os atos à margem da lei, sem se preocuparem (naquele momento) com as consequências deste ato, que poderá ser descoberto um dia, ou não. No mundo social esta prática de adoção sequer é conhecida como crime, pelo contrário, acredita-se que a sua realização é um ato nobre, não devendo de forma alguma ser investida de ilegalidade. Na realidade e de acordo com a legislação, tal ato sequer pode ser chamado de adoção, uma vez que não preenche os requisitos legais, sendo na verdade, uma simulação errônea de filiação (CAVALCANTE,2013).

Em geral, aqueles que optam pela prática desta adoção possuem boas intenções, apenas desejam tornar para si aquele ser como filho e ao mesmo tempo, impedir que mais uma criança venha a se isolar e até mesmo permanecer por anos em um abrigo, sem qualquer expectativa de vida digna, assim percebemos que estas pessoas diferem daquelas que jamais optariam por tal procedimento, por ferir a legislação, sendo classificadas em dois grupos, como demonstra Moreira (2011, p. 19):

As pessoas que realizam a “adoção à brasileira”, podem ser divididas em dois grupamentos distintos do ponto de vista de móvel psicológico para o ato: os que precipitadamente realizam essa colocação indevida por medo de constarem na fila de interessados em adoção. Com eventual demora na chamada por especificação excessiva das características da criança pretendida (geralmente branca, recém-nascida e do sexo feminino), poderia haver o medo de envelhecimento dos interessados, com profundo distanciamento em relação à faixa etária do “adotado” (quebra da mística de geração natural no seio familiar) ou frustração decorrente de situação não resolvida (mito do tempo perdido, que poderia ser aproveitado com uma criança já inserida na família); os que recorrem à “adoção à brasileira” com apreensão de desaceitação do Poder Judiciário (ou do Ministério Público) em aceitar o perfil dos interessados. Há pessoas que têm insegurança em suas atitudes, imaginando que o Juiz de Direito (ou o Promotor de Justiça) possa criar dificuldades à colocação adotiva com objeções variadas (falta de recursos financeiros, anomalias psíquicas, inadequação para os cuidados de uma criança etc.).

Vê-se que não se trata apenas de um ato egoístico ilegal, mas sim de medo, medo de nunca ter um filho ou de demorar mais do que o normal para tê-lo, fazendo com que várias pessoas optem por vias ilegais para constituir uma família, se importando apenas com o resultado, e não com os meios utilizados e sua (i)legalidade.

Conforme já destacado, realmente tal conduta é tipificada pelo ordenamento jurídico, entretanto, ao mesmo tempo em que há a tipificação, também há uma excludente prevista no parágrafo único do Art. 242, CP: Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena. Vemos que a própria legislação exclui a imposição de pena quando o delito é praticado por reconhecida nobreza, ou seja, quando a conduta está revestida de boas intenções, visando uma vida digna para aquele pequeno ser, logo, percebe-se que de fato há a tipificação para se evitar que crianças sejam adotadas com fins maléficos, e ao mesmo tempo, se reconhece que há casos em que o objetivo é garantir a dignidade daquele indivíduo. Como menciona Assis (2014, p. 49):

Tal conduta configurava o delito insculpido no art. 299, parágrafo único (falsidade ideológica em assentamento do Registro Civil), do Código Penal. Todavia, a jurisprudência firmava-se pela ausência de tipicidade do fato quando praticada a conduta com motivo nobre, já que ausente o fim “prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante” (elemento subjetivo do injusto). Apesar do propósito inicial de beneficiar os autores daqueles registros, a alteração trazida pela Lei 6.898/1981 não mais permite o reconhecimento da atipicidade da conduta, mas sim a aplicação da forma privilegiada ou a extinção da punibilidade pelo perdão judicial desde que praticado o delito por motivo de reconhecida nobreza.

Podemos perceber que prevalece o melhor interesse para a criança, pois se esta não fosse adotada, teria grandes chances de viver exposta a perigos ou crescer em um abrigo sem a menor chance de ser adotada e de ter uma vida digna.

3.3 Entendimento dos Tribunais

Os Tribunais superiores mantêm entendimento de que deve prevalecer o melhor interesse do menor nas práticas de adoção à brasileira, não há de forma alguma nenhuma inconstitucionalidade nestas decisões, uma vez que o parágrafo único do Art. 242, CP permite a não aplicação da pena e, além do mais, o que importa é o bem-estar do adotado, uma vez que este terá seus direitos mínimos estipulados pelo Art. 227 da Carta Maior garantidos, sendo assim, vejamos:

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CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL DE MENOR. APARENTE ADOÇÃO À BRASILEIRA E INDÍCIOS DE BURLA AO CADASTRO NACIONAL DE ADOÇÃO. PRETENSOS ADOTANTES QUE REUNEM AS QUALIDADES NECESSÁRIAS PARA O EXERCÍCIO DA GUARDA PROVISÓRIA. VÍNCULO SOCIOAFETIVO PRESUMÍVEL NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES DESENVOLVIDAS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR.

2- Conquanto a adoção à brasileira evidentemente não se revista de legalidade, a regra segundo a qual a adoção deve ser realizada em observância do cadastro nacional de adotantes deve ser sopesada com o princípio do melhor interesse do menor, admitindo-se em razão deste cânone, ainda que excepcionalmente, a concessão da guarda provisória a quem não respeita a regra de adoção. (STJ. Terceira Turma. Data do julgamento: 27/02/2018. HC 385507/PR. Ministra Nancy Andrighi)

HABEAS CORPUS.  ANULAÇÃO  DE REGISTRO DE NASCIMENTO. MEDIDA LIMINAR PROTETIVA  DE ACOLHIMENTO  DE  CRIANÇA EM ABRIGO. GRAVE SUSPEITA DA PRÁTICA  DE  "ADOÇÃO  À BRASILEIRA"  EM  DUAS OCASIÕES  DISTINTAS. INDÍCIOS DE ADOÇÃO DE CRIANÇA MEDIANTE  PAGAMENTO.  AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO AFETIVA. GRAVIDEZ FALSA. INDUZIMENTO A ERRO. AMEAÇA  GRAVE A OFICIAL DE JUSTIÇA. CIRCUNSTÂNCIAS NEGATIVAS. MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. ABRIGAMENTO. EXCEPCIONALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA DE DECISÃO FLAGRANTEMENTE ILEGAL OU TERATOLÓGICA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

2.  A jurisprudência desta eg. Corte Superior tem decidido que não é do melhor  interesse da criança o acolhimento temporário em abrigo, quando não  há  evidente risco à sua integridade física e psíquica, com  a preservação  dos  laços  afetivos eventualmente configurados entre  a família substituta e o adotado ilegalmente. Precedentes. (STJ. Terceira Turma. Data do julgamento: 05/12/2017. HC 418431/SP. Ministro Moura Ribeiro)

O próprio STJ vem decidindo pela permanência da criança na família adotiva, mesmo que isto tenha ocorrido por meios ilegais; o que se leva em consideração é o melhor interesse para este menor, uma vez que, se a finalidade do Estado é o bem social, deixar que o menor permaneça em seu lar onde houve a criação do vínculo afetivo, é respeitar o adotado.

Partilhando do mesmo entendimento, os Tribunais inferiores também proferiram decisões que não condenam tal prática ilegal de adoção, sempre enaltecendo o melhor interesse do menor, além de levarem em consideração que com a criação do vínculo sócio-afetivo, não há por que descaracterizar tal ato, pois na maioria das vezes, o reconhecimento de paternidade/maternidade é feito de maneira voluntária, por parte daquele que adota:

APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA -APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL. ADOÇÃO À BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CARACTERIZADAS.  RECURSO IMPROVIDO.

1. O reconhecimento voluntário de paternidade, com ou sem dúvida por parte do reconhecente, é irrevogável e irretratável (arts.1609e 1610do Código Civil), somente podendo ser desconstituído mediante prova de que se deu mediante erro, dolo ou coação, vícios aptos a nulificar os atos jurídicos em geral. (AC Nº 70040743338, TJRS).

2. Caracterizadas a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva, o que impede a anulação do registro de nascimento da ré pelo pai registral, mantém-se a improcedência da ação. (TJPI. Data do julgamento: 26/05/2015. AC nº 201000010064408 PI 201000010064408. Relator Desembargador Brandão de Carvalho.)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. MENOR QUE ESTÁ SOB A GUARDA FÁTICA DOS AUTORES DESDE O NASCIMENTO. ARREPENDIMENTO MATERNO. ADOÇÃO À BRASILEIRA. VINCULO AFETIVO CONSOLIDADO. MELHOR INTERESSE E PROTEÇÃO INTEGRAL À CRIANÇA.

Não merece reparo a decisão que destituiu o poder familiar, e concedeu a adoção do menor, que convive com os autores desde tenra idade. Em que pese o arrependimento materno, o infante, atualmente com 5 anos de idade, está adaptado à família adotante, reconhece-os como pai e mãe, já consolidado o vínculo afetivo. Manutenção deste arranjo familiar, considerando o melhor interesse da criança. RECURSO DESPROVIDO. (TJRS. Data do julgamento: 26/11/2014. Apelação Cível Nº 70062283361, Relatora Liselena Schifino).

Vê-se que está consolidado entre os diversos Tribunais que a prática conhecida como adoção à brasileira, embora seja ilegal, não é desclassificada como adoção e muito menos punida, posto que se leva em consideração a voluntariedade do agente que pratica tal conduta e principalmente o melhor interesse do menor, pois este é o pilar de toda esta discussão.

3.4 Conduta lícita ou ilícita?

Além do posicionamento jurisprudencial, a doutrina também entende e exemplifica tal situação. Damásio de Jesus expõem por que há a diminuição da pena e também o perdão judicial (2011, p.253):

O parágrafo único do art. 242 do CP prevê uma causa de diminuição de pena, consistente em o agente realizar a conduta impelido por motivo de reconhecida nobreza. O privilégio aplica-se a todas as modalidades de conduta descritas no caput. Reconhecida nobreza significa motivo que demonstre humanidade, altruísmo, generosidade por parte do agente. Existindo tais motivos, é possível ao juiz atenuar ou até conceder o perdão judicial. Embora o CP empregue a expressão “podendo o juiz deixar de aplicar a pena”, o perdão judicial constitui um direito do réu e não simples faculdade judicial, no sentido de o juiz poder aplicá-lo ou não, segundo o seu puro arbítrio. Desde que presentes circunstâncias favoráveis ao réu, o magistrado está obrigado a não aplicar a pena.

Ainda nesta mesma linha de raciocínio, Rogério Greco também menciona a atitude do legislador em atenuar a pena ou conceder o perdão judicial, em casos que realmente há motivo nobre (2014, p. 701):

Existem situações, que não são incomuns, em que o agente pratica o delito tipificado no art. 242 do Código Penal, em qualquer de suas modalidades, impelido por um motivo nobre, que denota generosidade, altruísmo, humanidade, enfim, sentimentos que merecem ser considerados para efeito de aplicação da lei penal, ou mesmo para que seja evitada sua aplicação. Imagine-se a hipótese em que uma mulher grávida, vivendo em condições de extrema miséria, morando em um vilarejo muito pobre no interior de uma cidade de nosso país, resolva abortar, oportunidade em que é impedida por uma família de condições pouco melhores do que as dela, mas que, movida por um sentimento de solidariedade, a convença a levar a gravidez a termo, sob promessa de que ficaria com a criança assim que ela nascesse. Depois do nascimento, dada a pouca cultura, a família registra o recém-nascido como filho.

Nesse caso, a lei fornece ao julgador duas opções: a primeira delas, depois de concluir que o fato é típico, ilícito e culpável, condenar o agente pela prática do delito previsto pelo parágrafo único do art. 242 do Código Penal, que prevê uma modalidade privilegiada de parto suposto; a segunda opção, que dependerá da sensibilidade do julgador no caso concreto, será a concessão do perdão judicial, deixando de aplicar a pena. O juiz deverá, portanto, analisar, principalmente, a culpabilidade do agente, a fim de concluir, entre as opções que lhe são fornecidas pela lei, qual delas é a que melhor se aplica ao caso concreto, ou seja, aquela que melhor atende aos critérios de uma boa política criminal.

Destaca o doutrinador ao dizer que, embora exista esta possibilidade de atenuação ou exclusão da pena, deverá o magistrado agir de acordo com a culpabilidade do agente, ou seja, deve este analisar por que aquela conduta foi realizada, se por real motivo nobre, por vaidade ou para gerar outra conduta ilícita, como por exemplo, tráfico de criança. Não pode a legislação comparar aquele indivíduo que pratica a adoção à brasileira visando à promoção da dignidade da criança com aquele que deseja se aproveitar da situação de miserabilidade da família biológica. Brilhantemente o legislador soube reconhecer o dolo do agente, pois tal prática é muito comum em nosso país, sendo realizada por aqueles que não querem passar por um longo processo judicial. 

Não há que se falar em exclusão da ilicitude, pois o fato continua sendo ilícito, apenas não haverá a aplicação da pena quando o dolo do(s) agente(s) realmente estiver caracterizado pelo motivo nobre (MIRABETE, FABRRINI, 2014, p.23). Quando estivermos diante da comprovação da conduta por conta de um ato nobre, o magistrado tem o dever de conceder o perdão judicial. (BITENCOURT, 2006, p.151).

Ao se reconhecer que esta prática é algo muito comum no Brasil, o legislador buscou ao mesmo tempo punir aquele que a pratica com más intenções e deixar de punir o indivíduo que apenas visa o bem da criança, devendo-se levar em consideração que na maioria das vezes, quem pratica esta adoção ilegal, sequer conhece o seu caráter criminoso.

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Sobre os autores
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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