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A hipocrisia ambiental (em poucas palavras)

24/03/2019 às 13:25
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Quando vamos, seriamente, pensar sobre a raiz matricial do problema da escassez de recursos na Terra?

Ouvimos todos os dias, e a toda hora, e, - porque não dizer -, com irritante insistência, que caminhamos, a passos largos (e para os mais pessimistas, de forma irreversível) para retirar o planeta da excepcional estabilidade ambiental em que se encontra há mais de 10 mil anos, com consequências simplesmente impensáveis.

Não obstante não se possa negar a relativa veracidade do autêntico “alerta geral” que vem sendo constantemente consignado, particularmente, pela mídia, - inclusive com a persistente notícia no que concerne ao rompimento do equilíbrio de três dos nove “limiares planetários” (a mudança climática, a perda da biodiversidade e a alteração no ciclo do nitrogênio) -, continua a existir uma autêntica e lamentável conspiração, por parte dos políticos e, em alguma medida, também por parte dos principais estudiosos sobre o tema, no sentido de que a solução definitiva do problema deve se apoiar sobre o sinérgico combate aos efeitos do epigrafado imbróglio ambiental, e não propriamente sobre as causas primárias que conduzem (e historicamente vem conduzindo) à origem do mesmo, qual seja, o contínuo e descontrolado crescimento populacional, notadamente nos Países subdesenvolvidos.

Esta é exatamente a tradução interpretativa do alerta da Associação Americana para o Progresso da Ciência – AAAS que, em reunião ocorrida em fevereiro de 2011, através de seus pesquisadores, concluiu, de forma incisiva, que “uma população crescente competirá por recursos cada vez mais escassos (...) o que tornará o planeta Terra, em 2050, irreconhecível pelos padrões atuais”[1]. O diretor da Iniciativa em Pesquisa Populacional, da Universidade do Estado de Ohio, JOHN CASTERLINE, no mesmo sentido, adverte que “a crescente população (global) vai exacerbar problemas já existentes, como a degradação dos recursos naturais”, informando, de forma complementar, em conjunto com os mais diversos especialistas em crescimento populacional que, nos últimos 20 anos, muito pouco foi investido em planejamento familiar, ressaltando, por conseguinte, a urgente necessidade de se investir mais recursos no controle do número de nascimentos, especialmente nos países em desenvolvimento.

A própria ONU, através de relatório editado pelo seu Fundo de População (UNFPA), vem, no mesmo sentido, reconhecendo que “frear a expansão demográfica teria o mesmo impacto, em termos de redução de emissões, que substituir todas as termoelétricas à base de carvão por estações de energia eólica” (Globo, 19/11/2009, p. 38), defendendo, por fim, o maior acesso das mulheres a métodos contraceptivos, ao planejamento familiar e à educação, como formas efetivas de se combater o denominado aquecimento global.

Ainda assim, a mesma UNFPA, em aparente contradição, deixa claro ser contra a imposição de uma consistente política de controle populacional, concluindo que a decisão quanto ao número de filhos continua sendo um direito inalienável de cada mulher, ainda que reconheça que 35% das gestações nos Países em desenvolvimento, simplesmente, não são desejadas.

Curioso observar, em necessária adição contextual, que há sempre um demógrafo de plantão preocupado muito mais em nos alertar dos supostos riscos inerentes a uma política de planejamento familiar (com a consequente alteração da pirâmide etária), - ignorando, de forma irresponsável, os consequentes efeitos do aumento da expectativa de vida em todo o mundo e do próprio prolongamento da vida útil humana, como bem assim dos extraordinários avanços da tecnologia aplicada ao trabalho e à produção econômica -, do que propriamente das terríveis consequências de uma total (e irresponsável) ausência de uma mínima preocupação (e consequente ação) a respeito do tema.

Neste sentido, não nos parece plausível (por imperiosa ausência de razoabilidade) cobrar um verdadeiro sacrifício de todos, - em efetivo desfavor da merecida qualidade de vida e do próprio direito ao bem-estar que cada um de nós legitimamente almeja como detentores da cidadania -, sem qualquer contrapartida com uma política global de planejamento familiar (e correspondente controle de natalidade) que permita, no longo prazo, verdadeiramente restabelecer o equilíbrio ambiental desejado (potencialidade de oferta de recursos planetários versus consumo quantitativo e qualitativo projetado), debelando, de modo pleno e definitivo, os riscos ambientais que supostamente ameaçam a própria sobrevivência da espécie humana a longo prazo.

“Não devemos olhar só para a população ou só para o consumo.

Afinal, se tivéssemos um décimo de população, o consumo não importaria tanto, e se tivéssemos um décimo do consumo, o número de pessoas não teria tanta importância.”

(John Sulston, Nobel de Medicina)

Entender de forma diversa, - insistindo em apenas e tão somente restringir emissões de carbono na atmosfera, ou outras providências assemelhadas -, não nos parece uma solução adequada, até porque, a toda evidência, não ataca diretamente o problema (em suas causas primárias) e, sim, apenas o que alude aos seus efeitos observáveis, posto que não seria minimamente sensato restringir, por um lado, o direito inalienável de cada ser humano buscar melhorias no que concerne à sua existência no planeta (o que implica, ainda que indiretamente, em aumento pela demanda de recursos naturais), enquanto, por outro, manter a contínua (e sem qualquer controle) procriação irresponsável, ampliando, em última análise, a dimensão do próprio problema.

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Oportuno consignar, neste contexto analítico, que ROBERT ENGELMAN, vice-presidente do Instituto Worldwatch, não obstante afirmar ser “quase impossível não relacionar crescimento da população e mudanças climáticas”, - reconhecendo, inclusive, que muito provavelmente já sejamos insustentáveis com os atuais 7 bilhões de habitantes (as projeções para 2050 apontam um mínimo de 7,95 bilhões de habitantes com uma taxa anual de fecundidade de 1.54 e um máximo de 10,46 bilhões de habitantes com um taxa anual de fecundidade de 2.5) -, ainda assim descarta o planejamento familiar[2] como uma ação efetiva (e de curto prazo) para conter emissões de carbono na atmosfera[3].

Também, há de se estabelecer, dentro do escopo do pensamento dominante das principais organizações ambientais, um mínimo de coerência lógica no que alude ao assunto em epígrafe; ou seja: se procriar deve ser uma decisão livre de cada casal, mudar o estilo de vida (outra causa incisivamente apontada como fonte originária do aquecimento global), igualmente, não pode ser apontada como uma solução derradeira, - a ser necessariamente imposta a todos -, para debelar, em definitivo, o complexo problema ambiental.

Devemos, portanto, o mais rápido possível, pensar seriamente sobre a raiz matricial do presente desafio, deixando de lado a autêntica hipocrisia ambiental que tanto nos tem desviado das verdadeiras (e difíceis) soluções que devem ser implantadas em nome da necessária (e almejada) continuação do pleno florescimento de nossa Civilização.

Diagrama 3: Evolução da população mundial:

(Fonte: Divisão de População da ONU)


Notas

[1] No mesmo sentido, o presidente da Global Footprint Network, MATHIS WACKERNAGEL, explica que, em 1961, o consumo global requeria apenas 0,63 da capacidade do planeta de se renovar. Em 1975, o número chegou a 0,97, atingindo 1,06 (ou seja extrapolando a capacidade de recomposição dos recursos naturais) em 1980 e 1,45 em 2005; ou seja, para sustentar a atual população, nos atuais padrões de consumo (que, registre-se, em média, nem poderiam ser considerados excessivamente elevados, havendo, ao reverso, legítimas demandas no sentido de ampliação dos mesmos) é necessário uma área de quase um planeta e meio, o que tornará nosso mundo, simplesmente, inabitável ainda no final do presente século.

[2] A contradição assinalada se afirma, com maior evidência, sobretudo, quando se advoga, por um lado, uma intransigente defesa pelo estabelecimento de novas políticas que considerem a preservação da natureza e o gerenciamento mais eficiente de seus recursos com o propósito último de suportar o crescimento populacional, e por outro, simplesmente desconsidera que a atual e crescente escassez de recursos se caracterizam, indiscutivelmente, como simples efeitos do desordenado crescimento populacional, acima da própria capacidade de autosustentação do planeta, na qualidade de causa efetiva do complexo e preocupante problema sub examinem.

[3] É curioso observar que em seu Relatório de Situação da População Mundial de 2011, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) conclame a Comunidade Internacional a “brigar pela redução do consumo excessivo e das emissões de gases de efeito estufa, com o propósito que o equilíbrio da natureza que sustenta a vida seja mantido”, ignorando, por outro prisma, que a principal razão do mencionado desequilíbrio seja exatamente a total e completa ausência de programas que não somente restrinjam o crescimento populacional, mas também estabeleçam um planejamento de redução populacional, impedindo que o mundo chegue à previsível e astronômica cifra de 10 bilhões de habitantes, concentrados nas partes mais miseráveis do planeta.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. A hipocrisia ambiental (em poucas palavras). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5744, 24 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72702. Acesso em: 5 nov. 2024.

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