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A inconstitucionalidade da tarifa de administração de cartão de crédito e débito compondo a base de cálculo do PIS e da COFINS

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20/05/2019 às 14:03
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Entenda por que o STF, em recente decisão, reconheceu e instaurou repercussão geral no RE 1049811, que trata da tese de exclusão da tarifa de administração de cartão de crédito e débito da base de cálculo do PIS e da COFINS.

Introdução

Em recente decisão, datada de 02/02/2019, o Supremo Tribunal Federal reconheceu e instaurou repercussão geral no RE 1049811, que trata da tese de exclusão da tarifa de administração de cartão de crédito e débito da base de cálculo do PIS e da COFINS.

Segue o trecho da decisão: “Decisão: O Tribunal, por maioria, reputou constitucional a questão, vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia”.

Atualmente, no cenário de cobrança das respectivas contribuições, sua incidência está recaindo sobre a tarifa de administração de cartão de crédito e débito. Entretanto, essa incidência é inconstitucional, como veremos adiante.

A discussão sobre o tema permeia o cenário jurídico há algum tempo. Inclusive, o caso já foi apreciado pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 1ª Seção no mês de Fevereiro de 2018, ao analisar o Recurso Repetitivo 1.221.170, com a maioria dos ministros entendendo que, para fins de reconhecimento do direito ao crédito, os insumos são todos os bens e serviços essenciais e relevantes para a atividade da empresa, em qualquer fase da produção. Estando a celeuma girando em torno da relação entre créditos e insumos.

Data vênia ao posicionamento do egrégio STJ, acreditamos que o foco da discussão deveria ser direcionado aos conceitos dos dispositivos constitucionais e legais que regulam as respectivas contribuições. No regime cumulativo regulado pela Lei 9.718/98, arts. 2º e 3º, e no regime não cumulativo a Lei 10.637/2002, art. 1º, § 2º e a Lei 10.833/2003, art. 1º, § 2º, bem como art. 195, I, “b” da CF/88, fornecem o norte para a identificação da constitucionalidade ou não da inclusão da tarifa de cartão de crédito e débito na base de cálculo do PIS/Pasep e da COFINS.

Os arts. 2º e 3º da Lei 9.718/98 (regime cumulativo) estabelecem que “as contribuições para o PIS/Pasep e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei. O faturamento a que se refere o art. 2o compreende a receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei no1.598, de 26 de dezembro de 1977”. (Grifo nosso)

Já os arts. 1º, § 2º da Lei 10.637/2002, e da Lei 10.833/2003, estabelecem que  a Contribuição para o PIS/Pasep, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, sendo sua base de cálculo o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, conforme definido no caput e no § 1o e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.

 Desta forma, faz-se premente a necessidade de análise e interpretação dos conceitos de “receita”, “receita bruta” e “faturamento” para construirmos a noção de constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos elementos que compõem a base de cálculo do PIS/Pasep e da COFINS.


Conceito de receita, receita bruta e faturamento

Tomando por base a doutrina do professor Drº. Paulo de Barros Carvalho, um dos maiores expoentes hodiernos do direito tributário, passemos a observar os referidos conceitos, segundo o doutrinador.

As referidas locuções (receita, receita bruta e faturamento) poderão sofrer variações de significado, levando em consideração o gênero das palavras que por sua vez compreendem as espécies.

A receita é gênero que pode ser dividido em subclasses como o faturamento, por exemplo. Este por sua vez, abrange apenas as receitas decorrentes de vendas de mercadorias e serviços. Essa afirmativa pode ser facilmente verificada quando da análise do Decreto-lei n. 2.397/87, que promoveu alterações no art. 22, § 1º, do Decreto-lei n. 1.940/82, que disciplinava o FINSOCIAL. Distinguindo o faturamento, enquanto receita das vendas de mercadorias e serviços de qualquer natureza, das receitas operacionais das instituições financeiras, assim como das receitas operacionais e patrimoniais das sociedades seguradoras e entidades a elas equiparadas.

Já a receita bruta não se identifica com a entrada financeira, sendo esta última mais abrangente que a primeira. Geraldo Ataliba, apud, Paulo de Barros Carvalho, esclarece:

O conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo o dinheiro que ingressa nos cofres de uma entidade. Assim, só se considera receita o ingresso de dinheiro que venha a integrar o patrimônio da entidade que a recebe.

Para efetiva existência de receita, o ingresso de dinheiro deve integrar o patrimônio de quem a auferiu, havendo alteração de riqueza. Receita é a entrada que, integrando-se ao patrimônio sem quaisquer reservas ou condições, vem acrescer seu vulto, como elemento novo positivo. Assim, quando o particular vende determinado bem que lhe pertence, o dinheiro recebido é receita, uma vez que altera a situação patrimonial do vendedor.

Por outro lado, ingressos financeiros que não constituam fatos modificativos do patrimônio, como o recebimento de depósitos recolhidos ou valores recebidos pela alienação de coisa alheia, não se apresentam como receita, sendo mera entrada.

De acordo com as Normas e Procedimentos de Contabilidade editadas pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON), receita é a entrada bruta de benefícios econômicos durante o período que ocorre no curso das atividades da empresa, quando tais entradas acarretam aumento patrimonial líquido, excluídos aqueles decorrentes de contribuições dos proprietários, acionistas ou cotistas.

No conceito de receita estão incluídos somente os benefícios econômicos recebidos e a receber pela empresa em transações por conta própria, não abrangendo, por conseguinte, importâncias cobradas por conta e em favor de terceiros.

Em conclusão, receita é o acréscimo patrimonial que adere definitivamente ao patrimônio da pessoa jurídica, não a integrando quaisquer entradas provisórias, representadas por importâncias que se encontrem em seu poder de forma temporária, sem pertencer-lhe em caráter definitivo. (Grifo nosso).

A capacidade contributiva absoluta consubstancia-se na participação das pessoas em fatos que denotem sinais de riqueza, fatos esses que, eleitos para compor a hipótese da regra-matriz de incidência tributária, ensejarão o nascimento de obrigação pecuniária, qualificada conforme a proporção monetária do acontecimento tributado. Logo, para a capacidade contributiva ser observada, é imprescindível que a tributação tome como base de cálculo elemento mensurador do fato praticado pelo contribuinte, refletindo, presumivelmente, aqueles signos de riqueza. Isso, por si só, inviabiliza qualquer pretensão tributária de incidência sobre valores que extrapolem a medida do fato praticado pelo contribuinte, invadindo esfera patrimonial alheia.

Aplicadas essas considerações à contribuição para o PIS e à COFINS, tributos que, nos termos da legislação vigente, incidem sobre a receita, apenas os recursos que passem a integrar o patrimônio do contribuinte estão sujeitos a tais exações. Primeiramente, porque a hipótese de incidência, confirmada pela base de cálculo, consiste na “receita” e não em meras “entradas financeiras”, conceitos que, como demonstrado, não se confundem. Além disso, a tributação de valores não pertencentes ao contribuinte desvirtua completamente o sistema constitucional tributário brasileiro, atingindo o sujeito passivo em quantias que este não está apto a suportar, violando os princípios da capacidade contributiva e do não-confisco.   

O doutrinador também leciona que o faturamento não decorre de mera construção doutrinária, mas da interpretação dos textos do direito posto, especialmente do direito comercial positivo. Deixando claro que não se encontra de forma expressa no direito comercial expressões que conceitue diretamente a locução “faturamento”, todavia, sua definição decorre da interpretação da obrigação de faturar como é o exemplo do art. 219 do Código Comercial, em parte revogado pela Lei 10.406/02:

Art. 219 - Nas vendas em grosso ou por atacado entre comerciantes, o vendedor é obrigado a apresentar ao comprador por duplicado, no ato da entrega das mercadorias, a fatura ou conta dos gêneros vendidos, as quais serão por ambos assinadas, uma para ficar na mão do vendedor e outra na do comprador. Não se declarando na fatura o prazo do pagamento, presume-se que a compra foi à vista (artigo nº. 137). As faturas sobreditas, não sendo reclamadas pelo vendedor ou comprador, dentro de 10 (dez) dias subseqüentes à entrega e recebimento (artigo nº. 135), presumem-se contas líquidas.

 Fran Martins, apud, Paulo de Barros Carvalho, afirma que este dispositivo carece de eficácia social, não sendo cumprido no cotidiano da vida comercial. Entretanto, mesmo sendo pendente de observância por parte daqueles que estão envolvidos em transações comerciais, foi regulado pelo Decreto n. 16.041/23, que por sua vez sofreu alterações pela Lei n. 187/36, que estipulava que nas compras a prazo o vendedor deveria emitir a fatura e sua duplicata. Sendo a primeira entregue ao comprador pelo vendedor e a segunda devolvida ao vendedor, devidamente assinada pelo comprador. Já o dever de emissão de duplicata foi retirado do ordenamento pela Lei n. 5.474/69, que posteriormente foi alterado pelo Decreto-lei n. 436/69, permanecendo a obrigação de extrair faturas nas vendas a prazo, sendo sua previsão legal estabelecida no art. 20.

Destes preceitos legais decorre o conceito de faturamento, como já mencionado anteriormente, sendo nada mais nada menos do que o valor apurado pelas vendas e prestações de serviços.

Tendo como norte estes pressupostos, o Supremo Tribunal Federal ao analisar a diferença entre receita e faturamento, formulou precedentes que veremos a seguir.


Posição do Supremo Tribunal Federal quanto à diferença entre receita e faturamento

Continuando na senda doutrinária do Dr. Profº Paulo de Barros Carvalho, observemos seus relatos sobre este sub item, que encontra-se em sua obra Direito Tributário Linguagem e Método:

Por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 150.755-1/PE, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se acerca do conceito de “faturamento”, concluindo pela constitucionalidade da Lei n. 7.738/89, instituidora do FINSOCIAL, apenas se entendida a receita bruta como receita decorrente da venda de mercadorias e prestações de serviços de qualquer natureza, nos termos definidos pelo Decreto-lei n. 2.397/87. Conquanto exame superficial possa levar ao entendimento de que a Magna Corte teria se fundado em conceito estabelecido pela própria legislação infraconstitucional tributária, a análise do inteiro teor dos votos proferidos naquele julgado evidenciam que o suporte jurídico utilizado para definir “faturamento” foram as normas de direito comercial.

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A decisão proferida nos autos do mencionado Recurso Extraordinário não autoriza, também, que se equipare, de modo indiscriminado, “faturamento” e “receita bruta”. Aliás, nas muitas ocasiões em que esse egrégio Tribunal examinou o assunto, sempre procurou preservar o conceito de “faturamento” prescrito pelo direito comercial e adotado pela Constituição de 1988. Quando o STF, em seus julgamentos, afirmou que “receita bruta” e “faturamento” seriam equiparáveis, não o fez de forma abstrata, como se nenhuma diferença existisse entre esses dois conceitos.

Ao contrário: tais manifestações se realizaram no contexto de casos concretos, em que a legislação determinava a incidência de tributo sobre receita bruta. Nessas hipóteses, foi implicitamente reconhecida a impossibilidade da tributação do total das receitas, afirmando-se que a lei impugnada só seria constitucional se entendida receita bruta como o resultado da comercialização de mercadorias e prestação de serviços.   

O Pleno do Supremo Tribunal Federal só julgou constitucional o artigo 28 da Lei n. 7.738/89 porque entendeu que a receita bruta a ser tributada seria aquela referida no Decreto-lei n. 2.397/87, qual seja, o resultado da venda de mercadorias e prestação de serviços. É que o Decreto-lei n. 2.397/87, ao aludir-se à receita bruta, restringiu seu conteúdo ao resultado da comercialização de mercadorias e prestação de serviços:

Art. 22. (...)

§ 1º A contribuição social de que trata este artigo será de 0,5% (meio por cento) e incidirá mensalmente sobre:

a) a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços de qualquer natureza, das empresas públicas ou privadas definidas como pessoa jurídica ou a elas equiparadas pela legislação do Imposto de Renda. (Grifo nosso).

Nota-se, de forma patente, que, ao interpretar a Lei n. 7.738/89, a Corte Máxima não autorizou que fosse alargado o conceito de faturamento, nem ampliou a possibilidade de tributação pela União. Ao contrário, tendo o legislador federal criado tributo incidente sobre a receita bruta, o STF delimitou seu significado para que mencionada lei fosse compatível com o Texto Constitucional.

Diante dos argumentos expendidos, contrários a qualquer equiparação entre receita bruta e faturamento, em face da vedação constante do artigo 110 do Código Tributário Nacional, o Ministro Sepúlveda Pertence certificou: “Há um consenso: faturamento é menos que receita bruta”. E concluiu ponderando que, também a seu ver, a lei tributária não pode igualar referidos conceitos, razão pela qual julgou constitucional a artigo 28 da Lei n. 7.738/89, partindo de uma interpretação restritiva de receita bruta. São suas as palavras:

Incidiria essa regra [a do art. 110 do CTN] – que não precisaria estar no CTN, porque é elementar à própria aplicação da Constituição – se a lei dissesse: faturamento é igual a receita bruta. O que tentei mostrar em meu voto, a partir do Decreto-Lei n. 2.397, é que a lei tributária, ao contrário, para efeito do Finsocial, chamou receita bruta o que é faturamento. E, aí, ela se ajusta à Constituição.

Acompanharam o voto do Ministro Sepúlveda Pertence os Ministros Francisco Rezek, Ilmar Galvão, Moreira Alves, Néri da Siqueira, Sydney Sanches e Octavio Gallotti, entendendo que não obstante a Lei n. 7.738/89 se refira a receita bruta, esta seria constitucional se restringido seu conteúdo à receita de venda de mercadorias e prestação de serviços, pois consistentes em faturamento, objeto da tributação.

Firmou-se, portanto, precedente no sentido de que não importa o nome que se dê – “receita bruta” ou “faturamento” -, desde que o objeto de tributação, a base de cálculo tributária, corresponda exatamente aos valores auferidos pela pessoa jurídica em decorrência da venda de mercadorias ou da prestação de serviços, ou de ambos.

Apenas em momento posterior, em 16 de dezembro de 1998, foi editada a Emenda Constitucional n. 20, autorizando a instituição de contribuição para a seguridade social incidente sobre a receita, nos seguintes termos:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:  (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:    (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

b) a receita ou o faturamento;  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

c) o lucro;   (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

Em resumo, até a edição da Emenda Constitucional n. 20/98, apenas o faturamento poderia ser eleito pelo legislador da União como base de cálculo de contribuição para a seguridade social. Somente a partir da mencionada Emenda é que passou a ser permitida a tributação da receita. Ingenuamente se supôs que a ulterior aprovação da Emenda Constitucional n. 20 pudesse convalidar o desnexo existencial da Lei n. 9.718/98, que passaria a vigorar, de 16 de dezembro de 1998 para frente, com a devida carga de juridicidade de que até então era destituída. Ledo engano!

Norma jurídica não pode ser editada sem fundamento de validade, como ocorreu com a Lei n. 9.718/98. À época de sua introdução no ordenamento, nenhum preceptivo constitucional autorizava que se criasse contribuição para a seguridade social incidente sobre a receita. E a demonstração de que isso é verdade está na subsequente aprovação da Emenda Constitucional n. 20, permitindo que, de lá avante, isto é, de 16 de dezembro para frente, houvesse contribuições sobre a receita bruta.

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Sobre o autor
Lázaro Luiz Borges Filho

Dr. Lázaro Luiz Borges Filho. Advogado particular desde 2015, graduado pela Universidade Estácio de Sá - Campus Petrópolis - Bingen/RJ. Pós-graduado em direito tributário pelo IBET-RIO (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES FILHO, Lázaro Luiz. A inconstitucionalidade da tarifa de administração de cartão de crédito e débito compondo a base de cálculo do PIS e da COFINS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5801, 20 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72901. Acesso em: 21 nov. 2024.

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