I – CONCEITO DE DIVIDENDOS
Um dividendo é uma distribuição de uma parcela dos lucros de uma empresa a um grupo de acionistas. Dividendos podem ser distribuídos na forma de dinheiro, de ações e, mais raramente, de propriedade. A maioria das empresas estáveis oferecem dividendos aos acionistas.
Os dividendos são normalmente pagos com o lucro atual ou acumulado da empresa.
Volto-me aos ensinamentos de Rubens Requião (Curso de direito comercial, 2º volume, 2010, pág. 286) para quem o dividendo é a parcela do lucro que corresponde a cada ação. Verificado o lucro líquido da companhia, pelo balanço contábil, durante o exercício social fixado no estatuto, a administração da sociedade anônima deve propor à assembleia geral o destino que lhe deva dar. Ainda na lição de Rubens Requião, se for esse lucro distribuído aos acionistas, tendo em vista as ações, surge o dividendo. Até então, como se observa, o acionista teve apenas a expectativa de crédito dividendual. Resolvida a sua distribuição surge o dividendo integrado pelo pagamento, no patrimônio do acionista.
O dividendo pode ser fixo ou variável, e isso será determinado pelo estatuto,. Sendo em percentagem, pode ser calculado sobre o lucro verificado ou sobre o capital, quando é geralmente é calculado.
O artigo 201 da Lei das Sociedades Anônimas determina que somente pode a companhia pagar dividendo à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados ou de reservas de lucros. Jamais em prejuízo de capital social, pois a integridade deste é norma absoluta.
Admite a lei, de forma excepcional, no caso de ações preferenciais que sejam os dividendos, quando cumulativos, pagos no exercício em que o lucro for insuficiente, à conta de reserva de capital, consoante o artigo 182, § 1º.
Fala-se num índice de cobertura de dividendos.
É a relação entre os lucros de uma empresa e os dividendos a pagar aos acionistas. Esta relação ajuda os investidores a medir se os lucros da empresa são suficientes para cumprir a sua obrigação de pagar dividendos. O índice é calculado dividindo-se o lucro por ação pelo dividendo por ação.
Fala-se num plano de reinvestimento de dividendos.
É um plano oferecido por algumas empresas que permite reinvestir, automaticamente, os dividendos com a compra de ações adicionais na data do pagamento dos dividendos.
II – A ESFERA DO DIREITO PENAL
Se essas regras não forem observadas os administradores deverão ser responsabilizados criminalmente e inclusive civilmente. Daí crimes que podem ser cometidos.
Deve ser realçado que se está diante de crimes próprios, onde a lei designa quais as pessoas podem praticá-lo: diretor, gerente, fiscal e liquidante. Diretor é normalmente um dos maiores acionistas, eleito pelo conselho de administração ou, em sua inexistência, pela assembleia geral, não se incluindo o membro do conselho de administração.
Cabe ao conselho, órgão de deliberação e execução intermediário entre a assembleia geral e a diretoria, não apenas estabelecer a política econômica e financeira a ser seguida pela sociedade, mas, ainda, nos termos do estatuto, deliberar sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição, autorizar a alienação de bens do ativo, constituição de ônus reais e a prestação de garantia e obrigações de terceiros, manifestar-se, previamente, sobre atos ou contratos, relatórios da administração, e contas da diretoria (artigo 142 da Lei n. 6404).
Os conselheiros praticam atos de verdadeira administração e, como tais, deveriam estar incluídos no dispositivo que deve ser corrigido, como bem disse Mirabete (Manual de direito penal, volume II, 25ª edição, pág. 331). Gerente é o administrador, que se apresenta, muitas vezes, como pequeno acionista, espécie de gestor de negócios da sociedade com alguns poderes de decisão.
Fiscal é aquele que faz parte do conselho formado com a participação de três a cinco pessoas e que tem as atribuições indelegáveis conferidas no estatuto, fiscalizando os atos da Administração, denunciando os órgãos da Administração e a assembleia geral por seus erros, fraudes, crimes, que vier a descobrir na análise de balancetes, balanços (principal demonstração financeira da sociedade, constituindo o resultado da verificação do ativo e do passivo) e demonstrações financeiras (artigo 163, Lei n. 6.404). Liquidante é a pessoa nomeada pela companhia para determinar o modo de dissolução da companhia e dirigir sua execução, competindo-lhe arquivar e publicar a ata da assembleia e balanço, ultimar negócios da companhia etc (artigo 210, Lei n. 6.404).
O liquidante atua como diretor e gerente, podendo praticar os delitos previstos no parágrafo referenciado (incisos I, II, III, IV, V e VII) diante do disposto no inciso VII. Falas-se em liquidante quando a sociedade por ações liquidar-se judicialmente ou extrajudicialmente. A sociedade poderá se dissolver, de pleno direito, por término do prazo de duração, nos casos previstos no estatuto; por deliberação da assembleia geral, pela existência de um único acionista, se o mínimo de dois não for reconstituído até a assembleia geral ordinária do ano seguinte; pela extinção, na forma da lei, da autorização para funcionar.
Por decisão judicial pode ser decretada a liquidação quando for anulada a sua constituição em ação proposta por qualquer acionista; quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% do capital social; em caso de falência. Dissolve-se ainda a companhia por decisão de autoridade administrativa, nos casos e na forma prevista por lei especial (artigo 206, I, da Lei 6.404).
Assim será sempre, nesses casos, nomeado um liquidante, na forma do artigo 210 da Lei n. 6.404, que também prevê os seus poderes (artigo 211). O artigo 217 da Lei n. 6.404 determina que as responsabilidades do liquidante obedecem às regras que definem as responsabilidades dos administradores (artigo 217). Entende-se que a lei penal estende aos liquidantes as sanções previstas para os diretores, gerentes e fiscais pelas práticas de atos fraudulentos, com exceção do crime previsto no inciso VI.
É o caso dos crimes:
Fraude sobre as condições econômicas da sociedade por ações: Comete o crime o diretor, o gerente, ou o fiscal de sociedades por ações, que, em prospecto, relatório (incluindo-se demonstrações financeiras), parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembleia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo.
É crime praticado após a constituição da sociedade. O elemento subjetivo é o dolo. O crime é formal. O tipo objetivo consiste em fazer afirmação falsa (ao público ou assembleia) sobre as condições econômicas da sociedade ou em ocultar fraudulentamente fato a elas relativo. O tipo e misto alternativo e a realização de mais de uma das formas de conduta punível não implica em pluralidade de crimes. Na primeira modalidade o crime é comissivo e na segunda omissivo.
No caso do falseamento do balanço, ensinou Nelson Hungria (Comentários ao código penal, volume VII, pág. 287), aludindo às fraudes destinadas a falsear o balanço ao exemplificar: criação de um ativo artificial, pelo excessivo valor atribuído aos bens imobiliários, ou ao estoque; criação de um ativo artificial pelo excessivo valor atribuído aos bens imobiliários ou ao estoque; simulação de estoques inexistentes; majoração do algorismo dos títulos em carteira; cômputo no ativo de dívidas incobráveis, litigiosas ou prescritas;inclusão de lucros problemáticos ou ainda não realizados; omissão de perdas previstas como certas; jogo de escrita sobre operações fictícias. A ocultação fraudulenta, como disse Heleno Cláudio Fragoso (obra citada, pág. 450), é ainda o fato de omitir para enganar a outrem, fato relevante sobre as condições econômicas da sociedade, que o agente tenha o dever de revelar.
Distribuição de lucros e dividendos fictícios: Comete o crime o diretor ou gerente que, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, distribui lucro ou dividendos fictícios (artigo 177, § 1º, inciso VI). Bem lembrou Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, Parte Especial, 7ª edição, pág. 456) que à conta de reserva de capital só podem ser pagos dividendos caso o estatuto configure tal direito às ações preferenciais, com prioridade na distribuição de dividendo cumulativo.
Lucro líquido do exercício é o que se apurou em balanço, depois de deduzidas as participações estatutárias. O dispositivo incrimina a distribuição de dividendos que não correspondam a lucros efetivos e que, portanto, vem a constituir a redução e lesão ao patrimônio da sociedade. Leve-se em conta que, em toda sociedade, o lucro é apurado por meio de balanço, que é o levantamento contábil do resultado das operações, feto ao fim de cada exercício. A distribuição de dividendos nas sociedades anônimas deve ser feita de acordo com o balanço.
Ainda Heleno Cláudio Fragoso (Obra citada, pág. 457) ensina que o crime pode ser praticado seja mediante balanço falso, seja em desacordo com o balanço feito, seja na falta deste. O crime se fulcra no fato de que haja distribuição de dividendos que não correspondam efetivamente aos lucros apurados. Por sua vez, distribuir dividendos significa pagá-los ou creditá-los aos acionistas. Trata-se de crime onde se permite a tentativa. O tipo subjetivo é constituído pelo dolo (o conhecimento de que a distribuição é feita em desacordo com o balanço, na falta deste, mediante balanço fraudulento).
No caso de balanço falso haverá concurso material com o crime previsto no artigo 299 do Código Penal (falsidade ideológica), se a falsidade tiver sido cometida pelo agente, ou com o crime de uso de documento falso (artigo 304 do CP). Consuma-se o crime com a distribuição de lucros e dividendos, não havendo necessidade de que o agente obtenha proveito econômico, com explicou MIrabete (obra citada, pág. 336);
Pergunta-se: Qual a situação dos acionistas que receberam de forma irregular esses dividendos? Se, de boa-fé, não são obrigados a restituir o que receberam. No entanto, devem devolver esses valores se os dividendos foram recebidos com flagrante irregularidade, sem o prévio levantamento do balanço ou em desacordo com os seus resultados.
O credor legítimo do dividendo o acionista detentor de ações nominativas que, na data do ato de distribuição dos dividendos pela assembleia geral, estiver inscrito como proprietário ou usufrutário da ação em livro próprio.
Mas, cuide-se, como alertou Fábio Konder Comparato(Ensaios e pareceres de direito empresarial, 1978, pág. 84)que, no Brasil, desde o Decreto-lei 2.627, de 1940, determina-se que “no usufruto de ações, o direito de voto somente poderá ser exercido mediante prévio acordo entre o proprietário e o usufrutuário(artigo 84), seja no título constitutivo de direito real, seja posteriormente, como explicita a lei de sociedades anônimas(artigo 114). Se o titular do poder de voto é o usufrutuário, é escusado acentuar que ele não pode agir de forma a alterar a substância da coisa- no caso, as ações que não lhe pertencem - lembrando que o usufrutuário só tem direito à posse, uso, administração e percepção de frutos.
III – DIVIDENDOS OBRIGATÓRIOS
Em referência à Lei nº 6.404, mereceram destaque a criação do dividendo obrigatório; a proteção aos minoritários; maior transparência nas informações da companhia; obrigação de divulgação de fato relevante, criação do conselho de administração obrigatório, em que os administradores não podiam ocupar mais de 1/3 dos assentos; e a auditoria externa.
Essa legislação veio a estipular o dividendo mínimo obrigatório de 25%.
Há os que inclusive entendem que há dividendos obrigatórios.
Na exposição de motivos do anteprojeto revisto, observa-se que foi dada uma solução flexível ao problema no sentido de que se deixa ao estatuto de cada companhia margem para fixar a politica de dividendos que melhor se ajuste às suas peculiaridades. Na omissão, aplica-se norma geral supletiva que prevê a distribuição da metade do lucro liquido. Nas companhias em funcionamento, o estatuto poderá fixar livremente o dividendo, mas se o fizer em nível inferior a 25% dos lucros, a minoria ficará protegida pelo direito de recesso. Assim fala-se num direito subjetivo do acionista ao crédito de dividendos.
A questão do dividendo mínimo foi uma das bases da reconstrução do mercado, pois foi processo educativo de valorizar a participação individual e institucional no mercado. Bulhões e Lamy queriam deixar claro que, ao comprar ações, os investidores não deveriam mirar exclusivamente a valorização de suas ações, e sim a rentabilidade da empresa e sua política de dividendos.
A exposição de motivos daquela legislação deixa clara a lógica dos advogados: “A ideia da obrigatoriedade legal de dividendo mínimo tem sido objeto de amplo debate nos últimos anos, depois que se evidenciou a necessidade de se restaurar a ação como título de renda variável, através do qual o acionista participa dos lucros na companhia. Daí o Projeto fugir a posições radicais, procurando medida justa para o dividendo obrigatório, protegendo o acionista até o limite em que, no seu próprio interesse, e de toda a comunidade, seja compatível com a necessidade de preservar a sobrevivência da empresa”.
Como acentuou Roberto Teixeira da Costa, em artigo publicado para o Estadão(A importância do dividendo obrigatório) no dia 27 de março do corrente ano:
“Até hoje encontramos fundos e investidores individuais que têm como base de sua política de investimento aplicar em empresas que tenham um fluxo de dividendos e possam remunerar sua aplicação de capital. Recente matéria publicada pelo Estadão (4/3) tratou do temas sob o título Ações que pagam dividendos atraem com ganhos mais previsíveis.
Para os fundos de previdência e de pensão, particularmente, é variável extremamente relevante para compor seu portfólio.”
E concluiu por dizer Roberto Teixeira da Costa, no artigo citado:
“A companhia que, por força de lei, como as instituições financeiras, ou por disposição estatutária, levantar balanço semestral, poderá distribuir dividendos à conta do lucro neles apurado se isso for deliberado pelos órgãos da administração ou ainda isso for previsto nos estatutos, autorizando os órgãos da administração a declarar dividendos intermediários.
Na mesma linha de raciocínio, o estrategista André Rocha, em artigo recente para o Valor, com base em estudos a que procedeu, concluiu que o dividendo não é o único fator que afeta o retorno das ações brasileiras, mas, sem dúvida, é um dos mais importantes. Os argumentos de Roberto Castelo Branco chamam de “intervenção indevida” nas empresas o dividendo obrigatório. Se aceita a tese, estaríamos desconstruindo uma das políticas de sustentação do mercado em longo prazo, com a argumentação cuja defesa carece de sustentação!”
Tal preocupação se dá diante de entrevista publicada na Folha, o presidente da Petrobrás defendeu o fim do dividendo obrigatório criado pela Lei 6.404, de 1976, um dos pilares da reforma do mercado de capitais, em boa hora liderada pelo então ministro Mário Henrique Simonsen, no governo do presidente Geisel.