A redução das áreas de preservação permanente: inobservância dos princípios da proibição do retrocesso ambiental e da proibição da proteção deficiente

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4. O DESCUMPRIMENTO DOS PRINCÍPIOS DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO AMBIENTAL E DA PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO DEFICIENTE

A CRFB/88, por sua superioridade hierárquica, representa parâmetro para as demais leis, decisões, sentenças, decretos ou ato normativo. Deste modo, toda norma latu sensu que venha a infringir os dispositivos da Constituição é considerada como inconstitucional.

Para verificar a validade, as normas do ordenamento jurídico brasileiro devem ser submetidas ao controle de constitucionalidade, onde haverá a apreciação das normas, verificando se estão de acordo com as determinações da Constituição. O artigo 1° da Constituição Federal elenca princípios que respaldam os direitos fundamentais.

O desenvolvimento da sociedade nos âmbitos sociais, culturais, econômicos e tecnológicos, vivificou transformações, continuas e agressivas, à natureza, impactando-a negativamente. A vista disso, na década de 70, a proteção ao meio ambiente começará a ser alvo de discussões com notoriedade mundial. As ONGs, especialmente, passam a militar sobre atividades poluidoras e que degradam o meio ambiente.

A Conferência de Estocolmo, em 1972, tem como princípio número 1 (um):

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem- estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. (DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO SOBRE O MEIO AMBIENTE, 1972)

Sendo um tratado internacional, a força vinculativa em domínio nacional é frágil, comparando-se a obrigatoriedade da lei interna do país. Destarte, mesmo que não haja vinculação dos Estados, os princípios explanados na Conferência de Estocolmo, ajustam-se como obrigatoriedade moral, o qual serviu de base para consagrar como Direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e sua devida proteção, no artigo 225, da Constituição Federal, de 1988,

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988)

Tem-se, portanto, a proteção ao meio ambiente como Direito Fundamental inerente a coletividade, (ROCHA; QUEIROZ, 2010), constituindo- se como um dispositivo que garante a qualidade de vida do ser humano e a manutenção deste em comunidade, tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana.

Para Novelino (2014, s/p) “A dignidade é o fundamento, a origem e o ponto comum entre os direitos fundamentais, os quais são imprescindíveis para uma vida digna”. Assim, há uma relação mútua entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais, pois tão-só com a existência dos direitos que a dignidade da pessoa humana poderá ser mantida.

Destarte, com o artigo 225 da Constituição Federal, 1988, “A fruição do meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado foi erigida em direito fundamental” (ANTUNES, 2017 p. 48), mesmo que não esteja disposto no artigo 5° e 6°, da Carta magna de 1988, juntamente com os direitos individuais e sociais, respectivamente. Em outras palavras, o meio ambiente equilibrado favorece a melhor qualidade de vida, sendo assim, requisito básico para assegurar a vida digna do homem.

Cabendo ao poder público, com suas devidas prerrogativas, o dever de assegurar a proteção do meio ambiente e sua restauração, caso constate a degradação, juntamente com a responsabilização do indivíduo que a ocasionou. Para, então, efetivar o direito ao meio ambiente equilibrado.

Pode-se dizer, portanto, que os poderes públicos, com as três funções, Legislativa, Executiva e Judiciária, têm o dever de perpetrar a dignidade da pessoa humana, a partir de suas respectivas atribuições, ratificando o meio ambiente equilibrado.

Posto que o princípio da dignidade da pessoa é o fundamento para o Direito ao meio ambiente equilibrado, disposto no artigo 225, da Constituição Federal, de 1988.

A proteção ao meio ambiente o assegura de forma equilibrada, resultando em uma sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações, e tendo como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana. Por isso, os princípios da proibição do retrocesso ambiental e da proibição da proteção deficiente sobrevêm para alicerçar o emprego correto dos Direitos fundamentais.

Nesses novos contornos das Áreas de Preservação Permanente, vê-se claramente que o legislador aplicou de forma insuficiente o Direito Fundamental ao meio ambiente equilibrado, da Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, portanto, viola o princípio da dignidade da pessoa humana. Isto é, a dignidade da pessoa humana tem como objetivo garantir que todos os cidadãos tenham uma vida digna, promovendo o bem-estar de todos, com o respeito dos direitos e deveres. E como visto anteriormente, o princípio da dignidade da pessoa é o fundamento para o Direito ao meio ambiente equilibrado

Desta forma, por garantir a efetividade e eficácia de Direitos Fundamentais, a inobservância destes princípios suscita a violação desses Direitos, e por consequência, a violação dos princípios fundamentais, dispostos no artigo 1°, da Carta Magna, 1988.

Logo, quando o Estado atua de forma insatisfatória de acordo com o mínimo social, ou até mesmo se omite de seu dever perante um Direito Fundamental, observa-se a necessidade de análise de constitucionalidade do ato ou norma.

O Novo Código Florestal ao apresentar tais modificações, acarretam danos ambientais nas extensões, cuja áreas para proteção foram reduzidas. Mediante a vulnerabilidade dos dispositivos de tutela ambiental e o fomento as perdas ambientais, constata-se a divergência com deliberações constitucionais.

No momento em que o legislador reduz as Áreas de Preservação Permanente, inobserva o Direito Fundamental de proteção ao meio ambiente, violando o disposto em norma constitucional, o que ocasiona a inconstitucionalidade, com fundamento nos princípios da proibição do retrocesso ambiental e da proibição da proteção deficiente.


5. A REDUÇÃO DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO E AS GERAÇÕES FUTURAS

O direito ao meio ambiente equilibrado, como explanado, é um direito das futuras gerações, sendo que a redução das áreas de preservação permanente impactará de forma negativa em diversos aspectos.

Nos últimos anos uma das maiores discussões foram acerca da proteção da água, sendo esta a fonte essencial de vida dos seres humanos, fauna e flora. Com a retirada das vegetações das bordas dos cursos naturais de água, há um maior índice de assoreamento, o que ocasiona o acúmulo de materiais sólidos nesses cursos. E como é um processo contínuo, acumulam-se reduzindo o fluxo de água, até sua extinção. Ou seja, as APPS que tinham como função de proteger as fontes naturais de água, estão sendo reduzidas, e consequentemente prejudicando as presentes e futuras gerações.

As vegetações presentes nos morros, topos e serras têm a função vital de garantir a consistência ao solo a partir de suas raízes, que impedem o escoamento de água. Com a redução das APPS dessas regiões, aumento das ações antrópicas, e consequentemente com a infiltração da água da chuva no solo, o risco de deslizamento aumenta potencialmente, o que coloca a vida das pessoas que vivem próximas dessas elevações.

O mangue é um ecossistema rico em espécies marinhas, com solo rico em nutrientes, barreira natural para evitar a erosão das costas, além de ser um potencial regulador das emissões de carbono. A redução dessas áreas, aumentam as ações antrópicas, prejudicando a pesca por subsistência dos indivíduos que vivem aos arredores; a água do mar adentra ao continente com maior intensidade, sendo que pode chegar a atingir moradias.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo teve como objeto de análise a redução das áreas de preservação permanente, e a inobservância dos princípios da proibição do retrocesso ambiental e da proteção deficiente, confrontando o código Florestal de 2012 e a Constituição Federal, destacando as discordâncias, e referenciando a necessidade premente do correto alinhamento.

Pôde ser compreendido que o meio ambiente equilibrado é um direito fundamental inerente à cada indivíduo, para garantir a dignidade da pessoa humana. Com a previsão expressa no Código Florestal relativo à redução das áreas de preservação permanente, há um rompimento com o comando normativo e principiológico previsto na CRFB/88, tendo sua constitucionalidade comprometida.

O descompromisso com o Princípio Fundamental da dignidade da pessoa humana e a necessidade, portanto, a não aplicação do princípio da proibição do retrocesso ambiental e do princípio da vedação da proteção insuficiente, o que gera o retrocesso ambiental. O qual afeta diretamente à sociedade, uma vez que a proteção ambiental seria uma garantia às presentes e futuras gerações, promovendo uma melhor garantia de vida.


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Abstract: The forest code published in 2012, Law no. 12.651, confers specific treatment to areas of permanent protection. The Constitution of the Federative Republic of Brazil, on the other hand, establishes express and implicit principles that are directed to the protection of the environment. It is intended, therefore, to confront legislative approaches, under the epistemic, normative and principiological aspect, highlighting the alignments, but pointing out the contradictions next to the infraconstitutional text. The principles of the prohibition of environmental retrogression and deficient protection, as specified, are addressed in the face of the deficiency of the Forest Code in the face of the confrontations that the control and environmental inspection bodies show to be characteristic of the national reality. For this reason, based on the understanding and applicability of the principles, it is intended to highlight the environmental and humanitarian setback achieved through the consolidation of the Forest Code and the flagrant noncompliance with mandatory normative provisions set forth in the constitutional text.

Key words: Permanent Preservation Areas. Forest Code. Prohibition of environmental retrogression. Prohibition of Poor Protection.

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Sobre os autores
Fábio Barbosa Chaves

Doutor em Direito pela PUC Minas, Mestre em Direito pela PUC Goiás, Professor da Faculdade Católica do Tocantins,

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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