A necessidade de relativização da impenhorabilidade do bem de família quando de elevado valor como meio de proteção ao direito fundamental de tutela executiva efetiva

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02/06/2019 às 18:08
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5 Conclusão

Ao responder afirmativamente o questionamento levantado no início desta pesquisa quanto à possibilidade de relativização da impenhorabilidade do bem de família quando de elevado valor, não se pretende afastar a proteção do princípio da dignidade humana, garantia basilar do nosso Estado Democrático de Direito. Pelo contrário, visando justamente preservá-la é que se entende que ao garantir o direito fundamental à tutela executiva efetiva está se preservando a dignidade do credor, entendendo-se que no caso concreto a dignidade do executado não será violada, já que com o remanesceste da venda do imóvel, o executado poderá adquirir outro para sua moradia.

 A possibilidade da relativização do regime da impenhorabilidade de bens tem como fundamento a ideia de que este visa à preservação de um patrimônio mínimo necessário a uma vida digna e não a manutenção do padrão de vida do executado. Ao assumir uma obrigação patrimonial é natural que o executado sofra redução do seu patrimônio e privações necessárias à satisfação do crédito. O que não pode ser permitido é que a busca sem freios dessa satisfação prive o devedor do mínimo indispensável a uma vida digna.

Apesar do posicionamento favorável adotado por ilustres doutrinadores e seguido por esta pesquisa, o entendimento jurisprudencial dominante é pela impossibilidade da relativização, com o fundamento de que deve ser conferida à Lei nº 8009/90 interpretação restritiva, só admitindo mitigação do regime da impenhorabilidade nos casos das ressalvas expressas no próprio dispositivo legal. E como a mencionada lei não faz distinção à proteção em relação ao valor do imóvel, esta não pode ser mitigada no caso concreto. A impenhorabilidade, portanto, seria regra absoluta tendo como objetivo a proteção da dignidade do executado.

Embora se respeite o posicionamento jurisprudencial, não é possível aceitá-lo, em virtude das razões expostas neste artigo. O que se defende é que no caso concreto, quando o único bem do devedor é bem de família de elevado valor, estão em conflito direitos fundamentais do executado e do exequente que devem ser sopesados por meio do postulado da proporcionalidade.

O direito à tutela efetiva é garantia fundamental do credor estando consubstanciado no princípio constitucional do acesso à justiça, que garante ao credor não apenas o acesso em sentido estrito, mas o direito a uma prestação jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva. Assim, o acesso à justiça não pode ser entendido como direito a uma sentença, mas também a garantia de que ao ser reconhecido um direito material sejam utilizados todos os meios executivos necessários à sua concretização.

No caso concreto, entende-se que há uma proteção excessiva do direito do executado já que, como afirmado, se com a venda do bem for possível realizar o pagamento do crédito e com o valor remanescente comprar outro imóvel, a dignidade do executado não será violada, devendo neste caso através da utilização da proporcionalidade ser garantido o direito fundamental do credor à tutela executiva efetiva. Não é possível, neste caso, permitir que uma demanda executiva chegue ao final sem a satisfação do crédito, condenando o credor a um processo longo e inútil quando for possível alcançar sua satisfação sem violar a dignidade do devedor.

Não se negam as dificuldades encontradas. A moradia ou a casa é direito social essencial à pessoa humana, previsto no art. 6º da Constituição Federal, onde pode viver não apenas o executado, mas outros membros da sua família, trazendo, muitas vezes, uma grande carga valorativa tornando a saída do imóvel traumática. Outrossim, não é fácil definir o que seria bem de família de elevado valor e quanto deve ser preservado após a venda para compra de outro imóvel. Mas esses problemas devem ser superados, como foi fundamentado, pela apreciação do caso concreto pelo julgador, que deve utilizar o postulado da proporcionalidade, proferindo decisões fundamentadas e tendo sempre como norte a ideia de que a mens legis do regime da impenhorabilidade é a preservação do patrimônio mínimo necessário à garantia da dignidade do executado e não a manutenção de um padrão de vida luxuoso.


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