5 Conclusão
Ao responder afirmativamente o questionamento levantado no início desta pesquisa quanto à possibilidade de relativização da impenhorabilidade do bem de família quando de elevado valor, não se pretende afastar a proteção do princípio da dignidade humana, garantia basilar do nosso Estado Democrático de Direito. Pelo contrário, visando justamente preservá-la é que se entende que ao garantir o direito fundamental à tutela executiva efetiva está se preservando a dignidade do credor, entendendo-se que no caso concreto a dignidade do executado não será violada, já que com o remanesceste da venda do imóvel, o executado poderá adquirir outro para sua moradia.
A possibilidade da relativização do regime da impenhorabilidade de bens tem como fundamento a ideia de que este visa à preservação de um patrimônio mínimo necessário a uma vida digna e não a manutenção do padrão de vida do executado. Ao assumir uma obrigação patrimonial é natural que o executado sofra redução do seu patrimônio e privações necessárias à satisfação do crédito. O que não pode ser permitido é que a busca sem freios dessa satisfação prive o devedor do mínimo indispensável a uma vida digna.
Apesar do posicionamento favorável adotado por ilustres doutrinadores e seguido por esta pesquisa, o entendimento jurisprudencial dominante é pela impossibilidade da relativização, com o fundamento de que deve ser conferida à Lei nº 8009/90 interpretação restritiva, só admitindo mitigação do regime da impenhorabilidade nos casos das ressalvas expressas no próprio dispositivo legal. E como a mencionada lei não faz distinção à proteção em relação ao valor do imóvel, esta não pode ser mitigada no caso concreto. A impenhorabilidade, portanto, seria regra absoluta tendo como objetivo a proteção da dignidade do executado.
Embora se respeite o posicionamento jurisprudencial, não é possível aceitá-lo, em virtude das razões expostas neste artigo. O que se defende é que no caso concreto, quando o único bem do devedor é bem de família de elevado valor, estão em conflito direitos fundamentais do executado e do exequente que devem ser sopesados por meio do postulado da proporcionalidade.
O direito à tutela efetiva é garantia fundamental do credor estando consubstanciado no princípio constitucional do acesso à justiça, que garante ao credor não apenas o acesso em sentido estrito, mas o direito a uma prestação jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva. Assim, o acesso à justiça não pode ser entendido como direito a uma sentença, mas também a garantia de que ao ser reconhecido um direito material sejam utilizados todos os meios executivos necessários à sua concretização.
No caso concreto, entende-se que há uma proteção excessiva do direito do executado já que, como afirmado, se com a venda do bem for possível realizar o pagamento do crédito e com o valor remanescente comprar outro imóvel, a dignidade do executado não será violada, devendo neste caso através da utilização da proporcionalidade ser garantido o direito fundamental do credor à tutela executiva efetiva. Não é possível, neste caso, permitir que uma demanda executiva chegue ao final sem a satisfação do crédito, condenando o credor a um processo longo e inútil quando for possível alcançar sua satisfação sem violar a dignidade do devedor.
Não se negam as dificuldades encontradas. A moradia ou a casa é direito social essencial à pessoa humana, previsto no art. 6º da Constituição Federal, onde pode viver não apenas o executado, mas outros membros da sua família, trazendo, muitas vezes, uma grande carga valorativa tornando a saída do imóvel traumática. Outrossim, não é fácil definir o que seria bem de família de elevado valor e quanto deve ser preservado após a venda para compra de outro imóvel. Mas esses problemas devem ser superados, como foi fundamentado, pela apreciação do caso concreto pelo julgador, que deve utilizar o postulado da proporcionalidade, proferindo decisões fundamentadas e tendo sempre como norte a ideia de que a mens legis do regime da impenhorabilidade é a preservação do patrimônio mínimo necessário à garantia da dignidade do executado e não a manutenção de um padrão de vida luxuoso.
REFERÊNCIAS
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 jan. 2018.
______. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm>. Acesso em 10 jan. 2018.
______. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em 10 jan. 2018.
______, Superior Tribunal de Justiça, Súmula nº 364. Publicada em 31 out. 2008. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=237.21501&seo=1>. Acesso em: 09 mai. 2018.
______. Superior Tribunal de Justiça, Súmula nº 449. Publicada em: 02 jun. 2010. Disponível em:< http://www.conteudojuridico.com.br/sumula-organizada,stj-sumula-449,27130.html>. Acesso em: 15 mar. 2018.
_____. Superior Tribunal de Justiça, Súmula nº 451. Publicada em 21 jun. 2010. Disponível em:< http://www.coad.com.br/busca/detalhe_16/2370/Sumulas_e_enunciados>. Acesso em 15 mar. 2018.
______. Lei nº 12.607 de 4 de abril de 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12607.htm>. Acesso em 15 mar. 2018.
______. Superior Tribunal de Justiça, Súmula nº 486. Publicada em 01 ago. 2012. Disponível em: < http://sumulasjuridicas.blogspot.com.br/2014/05/sumula-486-do-stj.html>. Acesso em 15 mar. 2018
______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso: 10 jan. 2018.
______; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2014.
DIDIER JUNIOR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podivm, 2017. V. 5.
______. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. Salvador: Jus Podivm, 2015. V. 1.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2016. v. 6.
LOBO, Paulo. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva 2017.
LUSTOSA, Paulo Franco. De volta ao bem de família luxuoso: comentários sobre o julgamento do recurso especial nº 1.351.571/SP. Revista Brasileira de Direito Civil. v. 10, n. 4, 2016. Disponível em: https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/48. Acesso em: 1 maio 2018.
MAIDAME, Márcio Manoel. Impenhorabilidade e direitos do credor: biblioteca em homenagem ao Professor Arruda Alvim. Curitiba: Juruá. 2008.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIEIRO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 1.
______. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 3.
SANTOS, Leonardo Moreira. A relativização da impenhorabilidade de bens e o direito fundamental à tutela executiva efetiva no processo civil brasileiro. 2015. 145 f. Dissertação (Mestrado) Universidade Católica de Pernambuco. Recife, 2015. Disponível em: < http://tede2.unicap.br:8080/handle/tede/567>. Acesso em 18 fev. 2018.
SCHERER, Francieli Vanessa. (Im)penhorabilidade do bem de família. 2015. 57f. Dissertação ( Trabalho de Conclusão de Curso) Universidade Regional do Noreoeste Do Estado do Rio Grande do Sul. Santa Rosa, 2015.
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
TARTUCE, Flávio. Penhora do bem de família de alto valor. Disponível em: < http://cartaforense.com.br/conteudo/artigos/penhora-do-bem-de-familia-de-alto-valor-impossibilidade/17219>. Acesso em 1 de maio 2018
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v.3.