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O juiz inquisidor em busca da verdade real no processo penal

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17/06/2019 às 14:00
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Estuda-se, no âmbito do processo penal, quem seria o juiz inquisidor na busca da verdade real, bem como a possível inconstitucionalidade do art. 156 do Código de Processo Penal.

RESUMO: Essa monografia tem por objetivo principal analisar, no âmbito do Processo Penal, quem seria o Juiz inquisidor na busca da verdade real, bem como a inconstitucionalidade ou não do art. 156 do Código de Processo Penal alterado pela Lei nº 11.690, que entrou em vigor no dia 11 de agosto de 2008. Serão abordados aspectos do sistema jurisdicional nacional, mais precisamente quanto à possibilidade de o juiz produzir provas de ofício no processo penal, quais os sistemas processuais penais existentes e qual foi o sistema adotado pelo Brasil, além dos princípios processuais penais e, para finalizar, a produção de provas no contexto geral.

PALAVRAS-CHAVE: Código de Processo Penal. Sistemas Processuais Penais. Inconstitucionalidade. Projeto de Lei do Senado nº 156/2009.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 OS SISTEMAS PROCESSUAIS. 1.1 Sistema Inquisitório.1.2 Sistema Acusatório. 1.3 O Sistema Misto ou Francês. 1.4 O Sistema Processual Brasileiro. 1.5 Prova no Processo Penal: Conceito, Função e Ônus. 2 PRINCIPAIS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO PENAL.2.1 Princípio do Juiz Natural. 2.2 Princípio da Busca da Verdade Real ou Verdade Processual.2.3 Princípio da Imparcialidade de Juiz. 2.4 Princípio da Igualdade Processual das Partes. 2.5 Princípio da Publicidade..2.6 Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa.  2.7 Princípio do Devido Processo Legal. 2.8 Princípio das Motivações das Decisões Judiciais. 3 A FIGURA DO JUIZ NO PROCESSO PENAL. 3.1 Análises dos Poderes Instrutórios dos Magistrados e da Inconstitucionalidade do art. 156 do Código de Processo Penal. 3.2 O Juiz Inquisidor e a Produção de Provas na Busca da Verdade Real no Processo Penal. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão de curso discorre sobre a possibilidade de produção de provas ex officio pelo juiz criminal à luz constitucional do sistema acusatório e também resgata o instituto da identidade física do juiz no processo penal, conferindo-lhe o valor que merece. Pois bem, será abordado, analisado e comparado os sistemas processuais acusatório, inquisitivo e o misto, assim como os princípios norteadores do devido processo legal, a conduta, postura do magistrado e as suas motivações nas decisões.

O juiz Inquisidor na busca da verdade real, prevista no artigo 156, inciso “I”, do Código de Processo Penal, trata-se de um auxílio na solução do caso concreto ou tipifica verdadeiramente a inconstitucionalidade mediante a violação do devido processo legal?

A figura do juiz inquisidor remonta à época histórica do império Romano, onde os poderes instrutórios do juiz estavam associados ao sistema inquisitório e à busca da verdade real a qualquer custo. Nesse contexto, o acusado não passava de um mero objeto de investigação. Atualmente, mediante uma visão moderna e positivista, é inadmissível, quando é traçado uma finalidade apenas punitiva, prevalecendo uma limitação aos diversos princípios constitucionais, com a justificativa de estar em busca da verdade real.

Neste trabalho, é plausível o resgate do que venha a ser essa ideia de Juiz Inquisidor, com a demonstração da sua presença no nosso ordenamento jurídico, sem, contudo deixar de fazer as devidas críticas a tal figura.

Os sistemas processuais vêm, no decorrer do tempo, sofrendo diversas mudanças, onde foram evoluindo de suas fases primitivas até as mais modernas. Com a Constituição Federal de 1988, adotou-se um regime democrático de direito no Brasil, dando ênfase inclusive no plano processual penal brasileiro. O regime democrático trouxe consigo o princípio da imparcialidade, verificando-se nesse ponto o problema: enquanto o sistema acusatório valoriza a imparcialidade do magistrado, o sistema inquisitivo o despreza.

Ademais, diante uma análise do sistema processual penal adotado no Brasil e do princípio da imparcialidade, intenta-se certificar se seria possível, após a Constituição Federal de 1988, a busca de provas contundentes pelo magistrado no processo penal, diante do apego ao dogma da verdade real, com a atribuição, por lei, de vastos poderes instrutórios ao magistrado, o que compromete a acusatoriedade do sistema e rompe a paridade de armas, em geral, em prejuízo do acusado.

Outrossim, pretende-se obter um posicionamento plausível sobre a constitucionalidade do artigo 156 do Código de Processo Penal que valida ao magistrado determinar de ofício, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante, além de autorizar também, a produção antecipada de provas consideradas urgentes antes de iniciada a instrução penal.

Para tanto, necessário se afastar o julgador das atividades administrativas de investigação, pois tal sistemática, comum nos países que adotam os Juizados de Instrução, não se amolda bem ao escopo garantista do processo. Ao magistrado cabe, no curso da apuração prévia, a função de preservar direitos fundamentais, atuando, na persecução judicial, como estimulador do contraditório quanto às provas apresentadas, promovendo atividade instrutória supletiva, sempre que reste dúvida sobre elementos do material probatório colhido.

Nessa vertente, foram abordados os sistemas processuais penais, princípios constitucionais e do processo penal, voltados definitivamente à conjuntura do devido processo legal, e decisões que possuem posições a favor e contra postura tomada pelo magistrado.

Faz-se necessária a produção dessa pesquisa, tendo em vista a pertinência da moderna conjuntura da jurisdição penal, onde se percebe a incompatibilidade da previsão legal com o sistema processual penal adotado pelo nosso ordenamento jurídico, em que se deixa de lado a imparcialidade das partes e o respeito ao devido processo legal, ostentando a finalidade de aplicação punitiva.

Por fim, o objetivo geral é analisar os aspectos processuais e materiais voltados ao Juiz Inquisidor, tendo em vista sua atuação na gestão probatória processual penal em relação da busca da verdade real.

Ademais, buscar-se-á observar os princípios que regem o devido processo legal, como também apresentar os sistemas de persecução penal, com base na produção probatória, compreender a real competência e a aplicabilidade da figura do Juiz no devido processo legal penal.


1. OS SISTEMAS PROCESSUAIS

O presente capítulo explanará os sistemas processuais penais e trará a partir de posicionamentos doutrinários o poder instrutório do juiz, examinando as características do sistema acusatório no processo penal, com ênfase nas garantias constitucionais de processo.

A Constituição não prevê expressamente a garantia de um processo penal orientado pelo sistema acusatório. Contudo, não há dúvidas da sua consagração, a qual não decorre da “lei”, mas da interpretação sistemática da Constituição. Para tanto, basta considerar que o projeto democrático constitucional assegura a valorização do homem e do valor da dignidade da pessoa humana, pressupostos básicos do sistema acusatório. Recorde-se que, a transição do sistema inquisitório para o acusatório é, antes de tudo, uma transição de um sistema político autoritário para o modelo democrático. Logo, democracia e sistema acusatório compartilham uma mesma base epistemológica.

Faz-se necessário constar que o sistema acusatório predomina nos países que respeitam mais a liberdade individual e que possuem uma sólida base democrática. Porém, por outro lado, o sistema inquisitório predomina historicamente em países de maior repressão, caracterizado pelo autoritarismo ou totalitarismo, em que se fortalece a hegemonia estatal em detrimento dos direitos individuais.

A principal função da estrutura processual, como aponta Geraldo Prado (2005, p. 42) em seu livro SISTEMA ACUSATÓRIO, é a de garantia de limitação contra o arbítrio estatal, adequar o processo penal à Constituição Federal, de sorte que o sistema processual penal estaria contido dentro do sistema judiciário, que por sua vez é espécie do sistema constitucional, que deriva do sistema político, ou seja, o estado deve zelar pela paz social, assim como a liberdade de seus cidadãos, conforme o princípio da isonomia, protegendo os inocentes e punindo os culpados.

1.1.Sistema Inquisitório

O sistema inquisitório tem como principal característica a acumulação das funções de acusar, defender e julgar nas mãos do juiz. Essa característica se dá pelo fato de o juiz poder iniciar a persecução penal, investigando o caso, valorando as provas e posteriormente chegando a um entendimento sobre o fato ocorrido, inexistindo a ampla defesa, nem o contraditório, predominando o segredo e o procedimento escrito, sendo possíveis amplos e irrestritos poderes de investigação aos órgãos judicantes. Assim, restando claro a falta de imparcialidade do juiz diante do caso, conforme preceitua Aury Lopes Júnior (2011, p. 57): O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O que era um duelo leal e franco entre o acusador e o acusado, com igualdade de poderes e oportunidades, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz-inquisidor e o acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador.

Confundem-se as atividades do juiz e acusador, e o acusado a condição de sujeito processual e se converte em mero objeto da investigação. Esse método inquisitivo nunca foi uma novidade espetacular, pois é possível encontrar antecedentes no Império Romano aperfeiçoando-se, a pretexto de evitar escândalos em torno dos fatos que se pretendia punir, coibir a propagação de condutas heréticas ou contestadoras do poder real e também com o argumento de desestimular a vingança privada, limitando o direito de acusação, onde se estabeleceu um procedimento de ofício, prevendo também uma investigação preliminar escrita, sigilosa e sem dar o devido respeito ao contraditório, com domínio absoluto da atividade julgadora, na perseguição da verdade material, em nome da qual por vezes o acusado era torturado a fim de obtenção da confissão. O magistrado utiliza-se de qualquer meio necessário para punir o acusado. Assim, o réu fica à mercê do inquisidor para fazer o que for necessário para comprovar as alegações feitas em seu desfavor, inclusive, na época em que foi criado este modelo processual. Isso se dava em razão do sistema de prova coletada, adotada no modelo inquisitivo, onde cada prova era valorada com critérios anteriormente estabelecidos, tornando uma prova apta, por si só, para condenar o acusado.

Em consonância com o mencionado acima, Paulo Rangel (2010) e o Aury Lopes (2016) ressaltam que o juiz atua como parte, ou seja, investiga, dirige, acusa e julga, isto é, não existindo separação de funções dentro do sistema inquisitório, pois o mesmo que investiga é o que julga.

Assim, podemos apontar algumas características próprias do sistema inquisitivo conforme RANGEL, Paulo, (2003, p. 46):

a) As três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma só pessoa, iniciando o juiz, ex officio, a acusação, quebrando, assim, sua imparcialidade;

b) O processo é regido pelo sigilo, de forma secreta longe dos olhos do povo;

c) Não há o contraditório nem a ampla defesa, pois o acusado é mero objeto do processo e não sujeito de direitos, não se lhe conferindo nenhuma garantia;

d) O sistema de provas é o da prova tarifada ou prova legal, e, consequentemente, a confissão é a rainha das provas.

Nota-se, assim, que o sistema inquisitivo demonstra ser parcialmente incompatível com as garantias constitucionais que, necessariamente, devem existir dentro de um Estado Democrático de Direito. Portanto, deve ser banido das legislações modernas que desejem assegurar ao cidadão as mínimas garantias de respeito à dignidade da pessoa humana.

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Quanto ao processo, o sistema inquisitório se divide em duas fases: a inquisição geral e a especial. Sendo a inquisição geral destinada a comprovar a autoria e materialidade e a inquisição especial destinada à condenação e ao castigo.

Portanto, no que se coaduna a Inquisição, não estão presentes os elementos da acusação e da publicidade, que caracterizam o devido processo legal. O juiz inquisidor atua de ofício e em segredo, assentando por escrito às declarações das testemunhas (cujos nomes são mantidos em sigilo, para que o réu não os descubra).

Afirma o professor Renato Brasileiro (2016) que o sistema inquisitorial é rigoroso, secreto, que adota ilimitadamente a tortura como meio de atingir o esclarecimento dos fatos e de concretizar a finalidade do processo penal, não estando presente o contraditório, pois todas as funções predominantes de um devido processo legal estão reunidas nas mãos do juiz inquisidor, sendo o acusado considerado mero objeto do processo, e não sujeito de direitos.

Aury Lopes Jr. (2016) demonstra que o sistema inquisitório foi desacreditado principalmente por incidir em um erro psicológico ao crer que uma só pessoa pudesse exercer funções tão antagônicas como investigar, acusar, defender e julgar.

1.2. Sistema Acusatório

A origem do sistema acusatório nos direciona ao direito grego, o qual se desenvolveu referendado pela participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador. O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá apenas exercer seu dever de sentenciar, garantido o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal. Portanto, tratando-se do oposto ao sistema inquisitivo, o sistema acusatório apresenta-se com o ideal de garantir os direitos fundamentais individuais do ser humano. Não é admitido que o acusado seja mero objeto de prova no processo, e atribuindo funções peculiares a cada órgão, ou seja, a produção probatória investigatória incumbe a Autoridade Policial, acusação é atribuída ao Ministério Público; a defesa aos defensores; e a função de julgar tão somente do juiz.

Atualmente, o sistema acusatório apresenta as seguintes características, conforme OLIVEIRA, Eugênio Pacelli (2008, p. 09):

a) Há separação entre as funções de acusar, julgar e defender, com três personagens distintos: autor, juiz e réu;

b) O processo é regido pelo princípio da publicidade dos atos processuais, admitindo-se, como exceção, o sigilo na prática de determinados atos;

c) Os princípios do contraditório e da ampla defesa informam todo o processo. O réu é sujeito de direitos, gozando de todas as garantias constitucionais que lhe são outorgadas;

d) O sistema de provas adotado é do livre convencimento, ou seja, a sentença deve ser motivada com base nas provas carreadas para os autos. O juiz está livre na sua apreciação, porém não pode se afastar do que consta no processo;

e) Imparcialidade do órgão julgador, pois o juiz está distante do conflito de interesses instaurado entre as partes, mantendo seu equilíbrio, porém dirigindo o processo adotando as providências necessárias à instrução do feito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

A principal característica do sistema acusatório é a separação das funções de acusar, julgar e defender em pessoas diferentes. Nesse sistema inexiste o juiz-inquisidor ou investigador, não ficando concentrados no magistrado os poderes de investigar e julgar o acusado. Há a ideia do juiz garantidor da legalidade investigatória. Nesse âmbito, o Ministério Público é titular da ação penal, o juiz se restringe a julgar o caso de acordo com as provas a ele entregues. Isto posto, honrar-se pela imparcialidade do magistrado, prevalecendo seu equilíbrio por estar distante do conflito, somente adotando as providências necessárias.

É importante ressaltar outra diferença entre o sistema inquisitório e o acusatório, que é a publicidade. No tocante ao primeiro sistema, os atos processuais são realizados em sigilo para que não haja aberturas para questionamentos. Como o sistema inquisitivo é fundamentado na busca da verdade real, a publicidade poderia colocar em dúvida as decisões dos juízes.

Já no que se refere ao sistema acusatório é imperado pela publicidade dos atos processuais. Isto, “por um lado, decorre da necessidade da participação da sociedade na gestão das decisões judiciais e, por outro lado, possibilita ainda a fiscalização da atuação do Juiz e demais agentes responsáveis pela prestação da função jurisdicional” (PRADO apud FARIA, 2011, p. 27). Afirma, Renato Brasileiro (2016, p. 45) sobre a publicidade:

[…] Funciona a publicidade, portanto, como pressuposto de validade não apenas dos atos processuais, mas também das próprias decisões que são tomadas pelo Poder Judiciário. Logo, são normas de direito processual aquelas que versam sobre a publicidade, cabendo à União legislar privativamente sobre o tema, ex vi do art. 22, inciso I, da Constituição Federal. Analisando a ideia de garantismo penal, ao contrário do modelo inquisitório, os princípios do contraditório e da ampla defesa informam todo o processo. “O réu é sujeito de direitos, gozando de todas as garantias constitucionais que lhe são outorgadas” (RANGEL, 2011, p. 51). Ademais, Alexandre de Morais (2005, p.93) preceitua a ampla defesa e o contraditório da seguinte maneira: Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. Efetivamente, sobre o contraditório, ensina Fernando Capez (2010, p. 62-63) que: […] exprime a possibilidade, conferida aos contendores, de praticar todos os atos tendentes a influir no convencimento do juiz. Nessa ótica, assume especial relevo as fases da produção probatória e da valoração das provas. As partes tem o direito não apenas de produzir suas provas e de sustentar suas razões, mas também de vê-las seriamente apreciadas e valoradas pelo órgão jurisdicional. Portanto, podemos dizer que o sistema acusatório é totalmente voltado a manter as garantias fundamentais individuais e “que respeita a proibição do ne procedat iudex ex officio, isto é, não cabe nunca ao juiz ideal imiscuir-se, sponte sua, na atividade de colheita (principalmente preliminar) de provas ou da de acusar” (GOMES apud FARIA, 2011, p. 28).

1.3 O Sistema Misto ou Francês

O sistema misto, ou Francês, iniciou-se na Revolução Francesa, quando ocorriam os movimentos político-sociais cujos ideais se espalharam pela Europa continental, através do Code d’Instruction Criminelle (Código de Napoleão) de 1808. Esse sistema era caracterizado por uma instrução preliminar, secreta e escrita, ou seja, inquisitorial, a cargo do juiz, com o intuito da produção de provas, e por uma fase acusatória em que se dá o julgamento, onde o réu se defende e juiz julga, estando presentes nesse momento a oralidade e a publicidade, aceitando-se a efetividade da ampla defesa e de todos os direitos dela decorrente. Assim, podemos apontar as características próprias do referido sistema NESTOR Távora (2017, p. 58):

(a) Investigação preliminar, a cargo da polícia judiciária;

(b) Instrução preparatória, patrocinada pelo juiz instrutor;

(c) Julgamento: só este último, contudo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

(d) Recurso: normalmente há o "recurso de cassação", no qual se impugnam apenas as questões de direito, mas também é possível o "recurso de apelação", no qual são impugnadas as questões de fato e de direito.

Nesse sistema processual, a jurisdição também se iniciaria na fase de investigação, sendo que, no Brasil a presidência continua com o magistrado assim como ocorre no sistema inquisitório. No entanto, a acusação criminal ficava a cargo de outro órgão Ministério Público, e não com o juiz, característica esta marcante do sistema acusatório. Exatamente por essas características, denominou-se, ao referido, de sistema misto, com aspetos essenciais dos modelos inquisitórios e acusatórios.

Na análise do sistema misto, citado por Renato Brasileiro (2017, p. 16), explica que:

É chamado de sistema misto porquanto o processo se desdobra em duas fases distintas: a primeira fase é tipicamente inquisitorial, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso, sem contraditório. Nesta, objetiva-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga, vigorando, em regra, a publicidade e a oralidade.

Diante o fracasso da inquisição e a sucessiva adoção do modelo acusatório, o Estado prosseguia com a titularidade absoluta do poder de apenar, e não podia abandonar em mãos de particulares a função de persecução. Com o novo modelo, a acusação continua como monopólio estatal, mas realizada através de um terceiro distinto do juiz.

É lugar comum na doutrina processual penal, a classificação de “sistema misto”, com afirmação de que os sistemas puros seriam modelos históricos sem correspondência com os atuais. Ademais, a divisão do processo penal em duas fases (pré-processual e processual propriamente dita) possibilita o predomínio, em geral, da forma inquisitiva na fase preparatória e acusatória na fase processual, desenhando assim o caráter “misto”.

Quando o Código de Processo Penal entrou em vigor, permaneceu a perspectiva de que o sistema nele seria o sistema misto. A fase preliminar da persecução penal, materializada pelo inquérito policial, era inquisitorial. No entanto, uma vez iniciado o processo, tínhamos uma fase acusatória. Porém, com a chegada da Constituição Federal, que prevê de maneira explicita a fragmentação das funções de acusar, defender e julgar, estando garantido o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da presunção de não culpabilidade, adotou-se um sistema acusatório.

Aury Lopes (2016) defende ser sistema misto falacioso, uma vez que continua existindo a presença marcante do modelo inquisitório no sistema. Reafirmando, uma parte significativa da doutrina brasileira costuma referir-se ao modelo de sistema processual, no que se refere à definição da atuação do juiz criminal, como um sistema de natureza mista, isto é, com feições acusatórias e inquisitoriais.

Diante dessa vertente, salienta Aury Lopes (2016, p. 162), afirmando que:

A fraude reside no fato de que a prova é acolhida na inquisição do Inquérito, sendo trazida integralmente para dentro do processo e ao final, basta pelo discurso do julgador para imunizar a decisão. Esse discurso vem mascarado com as mais variadas formulas, do estilo: a prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada: cotejando a prova policial com a judicialização, que, na verdade, está calcada nos elementos colhidos, está calcada nos elementos colhidos no segredo da inquisição. O processo acaba por converter-se em uma mera repetição ou encenação da primeira fase.

O exemplo mais fiel de aplicação do sistema misto é o denominado “Juizado de Instrução”, que verdadeiramente trata-se de uma fase persecutória preliminar, destinada a apuração das infrações penais, sob a presidência de um juiz. A função da polícia, neste caso, fica reduzida a prender os infratores e apontar os meios de prova, inclusive testemunhal, cabendo ao “Juiz Instrutor”, como presidente do procedimento, acolher todos os elementos probatórios a instruir a ação penal. Tal sistemática é adotada em diversos países da Europa, principalmente na França.

Avalia-se que a violação ao sistema acusatório se daria na medida da permissão ainda vigente no CPP, da intervenção judicial para a tutela de funções investigativas, que, como se sabe encontra-se a cargo de órgãos públicos específicos como o Ministério Público e a Polícia Judiciária.

Assim, entende-se que o sistema misto apesar de ser um avanço ao sistema inquisitivo não é o melhor sistema, pois ainda mantém o juiz na colheita de provas mesmo que na fase preliminar de acusação.

1.4 O Sistema Processual Brasileiro

Diante do que já fora abordado, analisa-se qual seria o sistema processual adotado, para posteriormente apontar se seria possível ou não a produção de prova ex officio pelo juiz no processo penal. Apesar de o Código Processual Penal de 1941 ter sido feito sobre um ideal autoritário e com características inquisitivas, a Constituição Federal de 1988 veio acompanhada com o sistema acusatório, prestigiando a presunção de inocência, do devido processo legal, publicidade dos atos processuais, ampla defesa, contraditório, e outros institutos que direcionem a evolução de tal sistema. Entretanto estamos diante de uma tarefa árdua, quando temos uma seleção de princípios garantistas, viabilizando uma sociedade com um alto grau de liberdade e respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, exercendo de fato um estado democrático de direito. Dessa forma, alguns doutrinadores trazem até um terceiro sistema, o sistema misto, para se referir ao modelo processual penal brasileiro.

Esse sistema seria uma verdadeira mistura entre características do sistema acusatório e do sistema inquisitivo, sendo dividido em duas fases. A primeira fase com características inquisitivas e a segunda com características acusatórias. Em síntese, Paulo Rangel (2011, p. 52) esclarece essas fases da seguinte forma: 1ª) Instrução preliminar: nesta fase, inspirada no sistema inquisitivo, o procedimento é levado a cabo pelo juiz, que procede às investigações, colhendo as informações necessárias a fim de que se possa, posteriormente, realizar a acusação perante o tribunal competente. 2ª) Judicial: nesta fase, nasce a acusação propriamente dita, onde as partes iniciam um debate oral e público, com a acusação sendo feita por um órgão distinto do que irá julgar, em regra, o Ministério Público.

No entanto, a caracterização do sistema processual brasileiro como sendo misto não é aceito por alguns doutrinadores. Eugênio Pacelli (2013, p. 13) preleciona que: No que se refere à fase investigativa, convém lembrar que a definição de um sistema processual há de limitar-se ao exame do processo, isto é, da atuação do juiz no curso do processo, E porque, decididamente, inquérito policial não é processo, misto não será o sistema processual, ao menos sob tal fundamentação. Além disso, para outros doutrinadores, o sistema processual brasileiro é um sistema acusatório, mas que não se trata de um sistema puro existe ainda resquícios do sistema inquisitivo. Nesse sentido são os ensinamentos de Paulo Rangel (2011, p. 54-55): Assim, nosso sistema acusatório hodierno não é puro e sua essência. Traz resquícios e ranços do sistema inquisitivo; porém, a Constituição deu grande avanço ao dar ao Ministério Público privatividade da ação penal pública. Em verdade, o problema maior do operador do direito é interpretar este sistema acusatório de acordo com a Constituição e não de acordo com a lei ordinária, pois, se esta estiver em desacordo com o ela estabelece, não haverá recepção, ou segundo alguns, estará revogada.

No processo penal, como se transcreve as garantias constitucionais que o moldam, agrega-se ao sistema acusatório. E esse é o entendimento de Aury Lopes (2016), que se posiciona e defende a inconstitucionalidade de todos os dispositivos do CPP que violem as regras desse sistema acusatório constitucional.

A codificação processual penal ainda é farta de dispositivos do sistema inquisitório. Ilustra-se com os artigos codificados: 127 o qual faculta ao juiz o sequestro de bens do acusado e o 242 que lhe permite decretar a busca e apreensão; 311 o qual lhe permite decretar a prisão preventiva; 209 que lhe autoriza ouvir outras testemunhas, além das arroladas pelas partes. Portanto, para Aury Lopes (2016), todos esses artigos permitem ao julgador atuar de ofício, ou seja, como acusador. Há, no entanto que se reconhecer o caráter inquisitório da execução penal, integrando aí a problemática e questionável inquisição na fase processual.

Nesse sentido, e de acordo com o posicionamento de Aury Lopes (2016) a respeito da inconstitucionalidade dos artigos acima referidos, o Superior Tribunal de Justiça decidiu no RHC de nº 23.945-RJ, Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), julgado em 05/02/2009, como se transcreve a seguir:

Na espécie, ainda na fase de investigação preliminar, antes que fosse oferecida a denúncia, o juiz, por entender que a causa era complexa, iniciou a realização do interrogatório de alguns réus. O referido procedimento não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, o que torna nulo não apenas os atos decisórios, mas todo o processo. O juiz não pode realizar as funções do órgão acusatório ou de polícia judiciária, fazendo a gestão da prova, pois seria retornar ao sistema inquisitivo. Assim a turma, por maioria deu provimento ao recurso para declarar a nulidade de todo o processo não apenas dos atos decisórios, bem como dos atos praticados pelo juiz durante a fase das investigações preliminares, determinando que os interrogatórios por ele realizados nesse período sejam desentranhados dos autos, de forma que não influencie a opinio* delicti do órgão acusatório na propositura da nova denúncia.

É perceptível, que há contradições entre o procedimento previsto no CPP e o disciplinado em leis extravagantes, as quais, em análise, refletem as tensões ainda existentes entre postulados típicos de um processo inquisitivo e aqueles pertinentes ao modelo acusatório.

Interpretada a indagação e respeitada à opção “acusatória” da Carta Magna, que traz em seu artigo 129, VIII, são funções do Ministério Público, entre outras, requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais, na mesma linha de raciocínio, o artigo 13, inciso II, do Código de Processo Penal, reza que incumbe à autoridade policial efetuar as diligências requisitadas pelo Ministério Público, diante da real situação.

Em face ao exposto, verifica-se que o sistema processual brasileiro, por mais que a Constituição tenha adotado o sistema acusatório, ainda possui resquícios inquisitivos. Dessa forma, conclui-se em concordância com o ilustre doutrinador Paulo Rangel, que o sistema processual brasileiro é acusatório, mas que não é puro em sua essência.

1.5 Prova no Processo Penal: Conceito, Função e Ônus

O processo penal evidencia um procedimento regrado com a finalidade de uma reconstrução aproximada do determinado acontecimento. O processo é formado por meio de provas contundentes e plausíveis de legitimidade para que o magistrado obtenha conhecimento dos fatos e teses apresentadas, buscando, deste modo, a solução cabal para a situação ali exposta. Como aponta COUTINHO (2015, p. 21): [...]todo conhecimento é histórico e dialético. Histórico porque é sempre fruto de determinado momento de uma certa sociedade. Dialético porque, além de ser reflexo das condições materiais de seu tempo, atua sobre esta materialidade, alterando-a. Em outras palavras: todo saber é condicionado e condicionante. Nessa mesma perspectiva, LOPES JR. (2016, p. 356) afirma que: O processo penal, inserido na complexidade do ritual judiciário, busca fazer uma reconstrução (aproximativa) de um fato passado. Através – essencialmente – das provas, o processo pretende criar condições para que o juiz exerça sua atividade recognitiva, a partir da qual se produzirá o convencimento externado na sentença. As provas decorrem de informações, alegações, testemunhos, manifestações, declarações de fatos ocorridos que buscam elucidar hipóteses levantadas para a aplicação da norma jurídica.

Desse modo, as provas são de extrema relevância no devido processo legal, para que por meio delas ocorra o convencimento do julgador, e qual posicionamento, melhor hipótese, ele venha a tomar, para a solução justa do conflito. De fato, se faz necessário uma conceituação de prova no âmbito doutrinário, sob uma análise de seu significado. Conforme LIMA (2016, p. 573), “a palavra prova apresenta origem etimológica pariforme de probo (do latim probatio e probus) e traz a ideia de confirmação ou verificação”. Carnelutti (2001. p. 72-73), para melhor entendimento, afirma que “a prova, em sentido jurídico, é demonstrar a verdade formal dos fatos, mediante procedimentos exigidos por lei”. Nesse, raciocínio, LOPES JR (2016. p. 355.), define prova como, “os meios através dos quais se fará essa reconstrução do fato passado (crime)”. É importante salientar, que para ser chamada de “prova”, no âmbito do processo penal é indispensável que passe pela apreciação do princípio do contraditório, observando algumas exceções, como as provas cautelares (quando há o risco do desaparecimento da prova pelo decurso do tempo), provas não repetíveis (quando não podem ser realizadas novamente) e as provas antecipadas (aquela realizada em momento diverso ao que prevê a legislação). Se não houver obediência ao princípio do contraditório, não poderá o juiz pronunciar seu entendimento sobre as mesmas.

A prova tem a finalidade de elevar e demonstrar a veracidade às teses levantadas pelas partes, ocorrendo a apreciação e, por conseguinte o julgamento, restando a procedência ou improcedência do pedido pleiteado. Nesse seguimento, CORDERO (2000 apud COUTINHO 2015) salienta que “cabe às partes formularem hipóteses e ao juiz acolher a mais provável, conforme a atividade probatória desenvolvida ao longo do processo.”. O artigo 156 do Código de Processo Penal (CPP) determina em seu dispositivo, que o ônus de elaboração da prova pertence a quem faz a alegação, ou seja, cabe à acusação produzir provas cabíveis, a respeito de um delito para que seja instaurada a ação penal, e por outro lado, a defesa, perante o uso do contraditório e da ampla defesa, teria o ônus de provar causas excludentes de ilicitude, a título de exemplo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JONHSON, Endy. O juiz inquisidor em busca da verdade real no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5829, 17 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74618. Acesso em: 25 dez. 2024.

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