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O juiz inquisidor em busca da verdade real no processo penal

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17/06/2019 às 14:00
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2. PRINCIPAIS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO PENAL

2.1. Princípio do Juiz Natural

Esse princípio está consubstanciado na garantia de que se possa saber, antes do fato típico, quem é o juiz que tem competência preestabelecida, conforme Artigo 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, garantindo a imparcialidade e impedindo a possibilidade de pressões políticas, jurídicas ou de qualquer outra natureza. Essa garantia afasta, ainda, a possibilidade da criação de Tribunais de exceção ou pós-fato, de acordo com o Artigo 5º XXXVII da Carta Magna.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

Renato Brasileiro (2016), afirma que tal princípio deve ser compreendido como o direito que cada cidadão tem de saber, previamente, a autoridade que irá processar e julgá-lo caso venha a praticar uma conduta definida como infração penal pelo ordenamento jurídico.

O princípio do Juiz natural ou princípio do juiz legal não é ofendido quando o magistrado fisicamente competente é substituído por outro de acordo com as regras legais, tal como acontece com as hipóteses de substituições legais e com os regimes de convocação de magistrados por órgãos de segunda instância ou de instância superior. A alteração da composição física deve ocorrer em compasso com a lei (juiz com competência atribuída por lei). Daí o entendimento do STF no sentido de que o julgamento por colegiado integrado, em sua maioria, por magistrados de primeiro grau convocados, não viola o princípio do juiz natural nem o duplo grau de jurisdição.

2.2. Princípio da Busca da Verdade Real ou Verdade Processual

Atualmente, a necessidade de divisão entre verdade formal e material deixou de existir, conforme afirma RENATO BRASILEIRO (2016, p. 48), “Já não há mais espaço para a dicotomia entre verdade formal, típica do processo civil, e verdade material, própria do processo penal”.

Vários anos predominou numa visão geral, o entendimento de que, na seara cível, se discute direitos disponíveis, vigente o princípio dispositivo, que dispõe, somente as partes leva ao processo o material probatório, à vista disso, restava ao magistrado se reservar a uma postura passiva, evitando agir na produção de provas. Na conclusão do processo, se houvesse dúvida dos fatos abordados, caberia ao magistrado julgar o litígio segundo a verdade formal, ou seja, apenas quando a relação material fosse inviável, duvidosa, nesse momento era admitido ao magistrado determinar a produção de provas ex officio, portanto à de se dizer que, no processo civil, predominava o denominado princípio da verdade formal.

Na seara do processual penal, em comparação ao sistema adotado pelo processo civil, o que efetivamente é discutido, refere-se à liberdade do acusado, direito indisponível, o magistrado seria favorecido de amplos poderes instrutórios, podendo determinar a produção de provas ex officio, sempre na busca da verdade material, nesse âmbito permanecia o entendimento, que no processo penal, vigorava o princípio da verdade material, também conhecido como princípio da verdade substancial ou real.

Vale ressaltar, que a descoberta da verdade, conquistada a qualquer preço, era a ideia indispensável e justificável, para a realização da pretensão punitiva do estado, ou seja, a aplicação de arbitrariedades e violações de direitos, transformando-se, assim, num valor mais louvável do que a própria proteção da liberdade individual.

O processo penal não admite conclusões inverídicas, portanto, o juiz conduz o seu julgamento na reconstrução da verdade real dos fatos avocados, mesmo havendo desinteresse das partes na colheita probatória, como forma de registrar um provimento jurisdicional mais próximo possível do ideal de justiça. Todavia, a eficiência judicial na produção probatória encontra forte resistência doutrinária em razão da organização constitucional desempenhada pela adoção do sistema acusatório, limitando a atuação do julgador, em que o magistrado fica reservado apenas ao julgamento da lide.

O princípio da verdade real ou "substancial", de acordo com o dispositivo adotado pelo artigo 566, Código de Processo Penal, também é conhecido em algumas doutrinas como princípio da livre-investigação da prova no interior do pedido.

Ao dispor sobre as provas ilícitas, a Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LVI) e o Código de Processo Penal (artigo 157) limitamos o alcance da verdade real ao prescrever que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos’: o legislador vedou as provas obtidas com violação à norma constitucional ou legal, ainda que elas retratem a “verdade real”“.

A definição da verdade é algo que atormenta o homem ao longo dos séculos, não havendo um conceito que possa traduzir com segurança o vocábulo. A palavra originária do latim veritate, aproxima-se de exatidão, conformidade com o real.

Busca-se a verdade real, identificada como verossimilhança, extraída de um processo disciplinado no devido procedimento penal, respeitando-se o contraditório, a ampla defesa, a paridade de armas produzida pelas as partes e conduzido por um magistrado imparcial.

O resultado almejado é a prolação de decisão que reproduza o convencimento do julgador, construído com equilíbrio e que se proporcione uma justa medida, seja por sentença condenatória ou absolutória.

Assimila Marcos Antonio Marques da Silva (2001, p.35).

A busca da verdade no processo penal deve ser feita com cautela, pois não se admite qualquer meio de prova, mas somente aqueles processualmente admitidos, ainda que desta limitação resulte um sacrifício à verdade material. Estes os princípios que orientam o direito penal e o processo penal, no estado Democrático de Direito.

Renato Brasileiro (2016) ressalta que essa busca da verdade real no processo penal está sujeita a algumas restrições, como a inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos (art. 5, LVI da CF); a impossibilidade de leitura dos documentos ou exibição de objetos em plenário do júri, se não tiverem juntados aos autos com antecedência mínima de 3 (três) dias uteis, dando-se ciência à outra parte (CPP, artigo 479); as limitações ao depoimento de testemunhas que tem ciência do fato em razão do exercício de profissão, oficio, função ou ministério (art. 207 CPP); o descabimento de revisão criminal contra sentença absolutória com transito em julgado(art. 621 CPP), ainda que surjam novas provas contra o acusado.

2.3. Princípio da Imparcialidade de Juiz

Imparcialidade tem como significado aquele que julga desapaixonadamente; justo, ou aquele que não sacrifica a sua opinião à própria conveniência, nem as de outrem.

Muito mais que a garantia da justiça, do juiz natural, trata-se de uma garantia constitucional, dessa forma se faz necessário que o magistrado seja dotado de imparcialidade, demonstrando uma garantia de justiça para as partes. A constituição prevê garantias aos juízes, como a vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos e inamovibilidade.

Nestor Távora e Rosmar Rodrigues (2016, p. 73), entendiam a imparcialidade como característica essencial do perfil do juiz consistente em não poder ter vínculos subjetivos com o processo de modo a lhe tirar o afastamento necessário para conduzi-lo com isenção. Trata-se de decorrência imediata da CF I 1988, que veda o juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII) e garante que o processo e a sentença sejam conduzidos pela autoridade competente (art. 5°, LIII), representando exigência indeclinável no Estado Democrático de Direito.

No devido processo legal, tanto o impedimento como a suspeição devem ser reconhecidos ex officio pelo juiz, distanciando-se arbitrariamente de oficiar no processo e encaminhando-o ao seu substituto legal. A Constituição Federal de 1988 concede ao magistrado as prerrogativas descritas no artigo 95, para que ele possa atuar com isenção, incluindo declarar-se suspeito ou impedido. De todo modo, caso não reconheça a situação de imparcialidade, o juiz interessado deve ser recusado, e os permissivos legais para tanto se encontram no artigo 254, onde estão descritas as hipóteses de suspeição, e no artigo 252, que vislumbra as hipóteses de impedimento, todas do Código de Processo Penal.

A imparcialidade deve ser dotada de honestidade, demonstrando que o magistrado deverá levar consigo os valores de sua formação, que acabam por justificar entendimentos distintos em relação a uma pluralidade de situações fáticas, o que não significa, a princípio, que seja parcial verdadeiramente, o ideal do juiz imparcial é de ser preparado de maneira honesta, prolatando decisões suficientemente motivadas.

Para Aury Lopes Junior (2016), a atividade probatória do julgador fere significativamente a sua imparcialidade, mediante a gestão da prova deve estar nas mãos das partes (mais especificamente, a carga probatória está inteiramente nas mãos do acusador), assegurando-se que o juiz não terá iniciativa probatória, mantendo-se assim suprapartes e preservando sua imparcialidade.

2.4. Princípio da Igualdade Processual das Partes

Esse princípio também é tratado como paridade de armas, consagrado no caput do artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, em que demonstra o tratamento isonômico das partes no decorrer das fases processuais. Como consequência de um sistema acusatório, as partes envolvidas na lide devem estar em “PAR CONDITIO”, ou seja, as partes devem possuir igualdade de direitos, de deveres, ônus, enfim, obrigam-se a um equilíbrio processual, os desiguais devem ser tratados desigualmente, na medida de suas desigualdades.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

Conforme a garantia da paridade das armas no Processo Penal, igualando acusação e defesa, provoca e justifica outros princípios pertinentes, como é o caso do in dublo pro reo e favor rei. O primeiro, in dubio pro reo, decorre do princípio do estado de inocência onde se conclui que, para condenar o acusado, o juiz deverá obter a certeza de que o réu é o verdadeiro responsável pelo delito, caso contrário, resta apenas a dúvida, em outras palavras, ocorre a carência de certeza, para que se possa absorver o acusado. No segundo caso, o princípio do favor rei, quando houver o confronto entre o jus puniendi do Estado e o jus libertatis do acusado, é preciso o juiz decidir em favor deste último, pois qualquer discrepância de entendimento entre os julgadores deverá prevalecer a liberdade do acusado.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 127, aponta como fundamental à função jurisdicional do Estado, o Ministério Público, e no artigo 133, a indispensabilidade do advogado à administração da justiça, efetivando uma garantia de igualdade, portanto, a defesa e a acusação serão formuladas por pessoas tecnicamente preparadas.

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Nessa perspectiva, consiste na concessão de prazos iguais, do direito de contraditório e de ampla defesa, no poder do acusado atuar com os mesmos instrumentos garantidos à acusação, como por exemplo, o pleito de pedidos de busca e apreensão, bem como a admissibilidade de assistente de defesa, toda essa conjuntura possibilita uma real igualdade.

Portanto, devem as partes, integrantes do processo penal, ficarem no mesmo plano em consequência do princípio do contraditório, que somente se aperfeiçoará sob a vertente de uma igualdade substancial das partes, não meramente formal.

2.5. Princípio da Publicidade

Conforme a Lei Maior em seu artigo 5º, inciso LX, “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou interesse social o exigirem.” Nesse mesmo ponto de vista completa o artigo 93, inciso X, ao rezar que “a todos os julgamentos dos órgãos do poder judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.”

Renato Brasileiro (2016, p. 124) conceitua que o princípio da Publicidade, “garantia do acesso de todo e qualquer cidadão aos atos praticados no curso do processo, revela uma clara postura democrática e tem como objetivo precípuo assegurar a transparência da atividade jurisdicional, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda a comunidade. Basta lembrar que, em regra, os processos secretos são típicos de estados autoritários”.

Essa garantia é crucial em um estado democrático, já que confere transparência a todos os atos jurisdicionais. Essa deve ser a regra no estado constitucional, pois assegura a qualquer pessoa, o direito de assistir às audiências e julgamentos, conferindo ainda, transparência acerca dos atos judiciários.

Assim podemos comprovar a classificação do Princípio da Publicidade conforme Nestor Távora e Rosmar Rodrigues (2017, p.83):

(1) quanto ao sigilo do conteúdo do ato processual:

(a) publicidade interna, relativa às partes, restrita ou específica: é aquela que reveste ato cujo conhecimento é privativo das partes ou de sujeitos processuais específicos. Como exemplos, temos: a publicidade mitigada na votação feita no âmbito do Tribunal do Júri, realizada em sala especial (art. 485, caput, do CPP- antiga "sala secreta"), amparada constitucionalmente pelo sigilo das votações estabelecido no art. 5°, XXXVIII, "b", da Constituição de 1988. Os casos de "segredo de justiça", tal como se vê da restrição criada com a Lei n° 12.015/2009, que prevê a tramitação sob segredo de justiça dos processos em que se apure crime contra a dignidade sexual (art. 234-B do Código Penal):

(b) publicidade externa, relativa ao público externo ou geral: é a regra. Trata-se da que não guarda restrição quanto ao conhecimento público e está preconizada no art. 93, IX, da Constituição Federal, eis que todos os atos do Poder Judiciário serão públicos, salvo exceções expressas;

(2) quanto à voluntariedade do conhecimento do ato:

(a) publicidade ativa: determinados atos do processo chegam ao conhecimento do público de forma involuntária;

(b) publicidade passiva: a iniciativa para conhecimento do ato processual é do público que vai ao seu encontro para tomar ciência do ato;

(3) quanto à acessibilidade do ato processual:

(a) publicidade imediata: ocorre quando a publicidade dos atos processuais este disponível a todos, indistintamente;

(b) publicidade media ta: é a que se dá quando só se tem como tomar ciência dos atos processuais pela imprensa (mass media), certidão, ou cópia (nesse sentido: Rogério Lauria Tucci e Renato Brasileiro Lima).

A publicidade dos atos judiciários respeita a concepção democrática do devido processo legal, ou seja, a possibilidade de acesso à administração da justiça, ao julgamento de questões atinentes à sociedade da qual todos fazem parte. A regra é a publicidade, que só virá encontrar limitação na Constituição Federal, quando houver interesse social e a defesa da intimidade o exigirem.

2.6. Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa

Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão disciplinados no artigo 5º, inciso LV, da Carta Magna, que explica Aury Lopes Jr. (2012, p. 239):

O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo protestativo, mas sobre o conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusação (expressão do interesse punitivo do Estado) e a defesa (expressão do interesse do acusado [e da sociedade] em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas). É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo.

As garantias do contraditório e da ampla defesa não se encontram expressas apenas na Constituição, mas também, na seara da internacionalização dos Direitos e garantias fundamentais, em Tratados e Convenções internacionais, como por exemplo, Pacto de São José da Costa Rica de 1969 e seu artigo 8º.

Na fase inicial do Devido Processo Penal, quando do chamamento do imputado à lide penal, tais princípios consubstanciam-se na necessidade de clareza, efetividade, integralidade, que deverá revestir o ato citatório, ou seja, o réu deve ser informado da maneira mais clara, explícita, simples, completa, viabilizando integralmente essa garantia. Caso ocorra diverso do esperado, poderá ocorrer nulidade absoluta do processo.

Essas garantias não podem ser provocadas apenas de maneira formal, elas devem ser amplamente exercitadas e postas no devido processo legal, pois o Juiz tem função fundamental no campo da garantia efetiva do contraditório e da ampla defesa, reafirmando, Par conditio, que consiste na apreciação da exigência de que assegure às partes a igualdade de forças no processo penal, ressaltando ainda o artigo 261, do código de Processo Penal, dispondo que nenhum acusado ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Ainda sob o contraditório, também deriva o direito à participação, pois se trata da possibilidade de a parte oferecer manifestação ou contrariedade ao que foi pleiteado pela parte adversa.

No princípio do contraditório entendia-se que, quanto à reação, bastava que a mesma fosse possibilitada, instigada, ou seja, tratava-se de reação possível, onde não se tinha uma real participação da parte adversa. No entanto, a mudança de concepção sobre o princípio da isonomia, com a superação da mera igualdade formal e a busca de uma igualdade substancial, materializou a necessidade de se igualar os desiguais, reproduzindo também no âmbito do princípio do contraditório. O contraditório deixou de ser visto como uma mera possibilidade de participação de desiguais para se transformar em uma garantia isonômica, ou seja, denominando o contraditório efetivo e equilibrado.

No tocante ao direito do contraditório ser obrigatório na fase processual, afirma Aury Lopes Junior (2017, p 26),

Prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a observância do contraditório só é obrigatória, no processo penal, na fase processual, e não na fase investigatória. Isso porque o dispositivo do art. 5º, LV, da Carta Magna, faz menção à observância do contraditório em processo judicial ou administrativo. Logo, considerando-se que o inquérito policial é tido como um procedimento administrativo destinado à colheita de elementos de informação quanto à existência do crime e quanto à autoria ou participação, não há falar em observância do contraditório na fase preliminar de investigações.

A ampla defesa, que privilegia também o acusado, certifica o interesse geral de um processo justo, porém seu exercício só é possível, conforme dois elementos que integra o contraditório, ou seja, o direito à informação, e a possibilidade de reação.

Explica Renato Brasileiro (2016, p. 29) que apesar das duas garantias, contraditório e ampla defesa, caminharem juntas, não ocorre a possibilidade de confundi-las:

Apesar da influência recíproca entre o direito de defesa e o contraditório, os dois não se confundem. Com efeito, por força do princípio do devido processo legal, o processo penal exige partes em posições antagônicas, uma delas obrigatoriamente em posição de defesa (ampla defesa), havendo a necessidade de que cada uma tenha o direito de se contrapor aos atos e termos da parte contrária (contraditório). Como se vê, a defesa e o contraditório são manifestações simultâneas, intimamente ligadas pelo processo, sem que daí se possa concluir que uma derive da outra.

Portanto, o contraditório diz respeito a ambas as partes, ou seja, deixar de comunicar um determinado ato ao membro de acusação, impedindo-lhe de se manifestar sobre determinada prova ou alegação imposta pela defesa, ao mesmo tempo em que a ampla defesa refere-se especificamente ao réu.

A Constituição Federal assegura aos litigantes, seja em processos judiciais ou administrativos, a possibilidade da sua proteção, abarcando o direito à defesa técnica seja ela processual ou especifica, e a autodefesa material ou genérica.

Na defesa Técnica assinala Renato Brasileiro (2016, p. 30), que será exercida por profissional da advocacia, legalmente cadastrado a Ordem dos advogados Brasileiros – OAB, mediante capacidade postulatória, seja ele advogado constituído, nomeado, ou defensor público, pois a Lei Maior apresenta-se no processo como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva, demonstrando que não há possibilidades que alguém seja processado sem que possua um defensor.

Na autodefesa será exercida pelo próprio acusado, em momentos necessários do processo, como o direito de audiência, direito de presença e o direito de postular pessoalmente. Caso ocorra alguma ofensa ao direito do acusado de exercer sua própria defesa, é causa de nulidade absoluta por violação à ampla defesa.

2.7. Princípio do Devido Processo Legal

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu Artigo 8º, já previa uma garantia fundamental relacionada com o processo justo.

A Carta Magna consagra o princípio, ainda que de uma forma indeterminada, de onde emanam vários outros, em seu artigo 5º, inciso LIV, solidifica que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo legal, dessa maneira, no momento em que o ilícito penal é cometido, já deve haver uma lei que regulamente o procedimento para a sua devida apuração. Entretanto, por se tratar de matéria de ordem pública, não é autorizado as partes optarem por procedimentos diversos daqueles já previstos em lei.

O devido processo legal é o estabelecido em lei, devendo traduzir-se em sinônimo de garantia, atendendo assim aos ditames constitucionais, dessa forma, concretiza o processo tipificado, sem a supressão ou desvirtuamento de atos essenciais.

No tocante a aplicação da sanção penal, é necessário percorrer e obedecer o procedimento regular, perante autoridade competente, tendo por alicerce provas validamente colhidas, respeitando o contraditório e a ampla defesa.

Conforme Nestor Távora e Rosmar Rodrigues (2017, p. 88), afirmam que o “devido processo legal deve ser analisado em duas perspectivas: a primeira, processual, que assegura a tutela de bens jurídicos por meios do devido procedimento (procedural due process); a segunda, material, reclama, no campo da aplicação e elaboração normativa, uma atuação substancialmente adequada, correta, razoável (substantive due process of law).”

O devido processo penal constitucional busca, então, realizar uma justiça penal submetida à exigência de igualdade efetiva entre os litigantes. O processo justo deve atentar, sempre, para a desigualdade material que normalmente ocorre no curso de toda persecução penal, em que o Estado ocupa posição de proeminência, respondendo pelas funções investigatórias e acusatórias, como regra, e pela atuação da jurisdição, sobre a qual exerce o monopólio.

Dessa forma, o processo deve obter um instrumento adequado para a sua aplicação efetivando consequentemente a sua garantia, contra os excessos do Estado, que é abordado como ferramenta de implementação da Constituição Federal, como garantia suprema do Jus Libertatis.

2.8. Princípio das Motivações das Decisões Judiciais

Esse princípio constitucional era tratado de forma bem detalhada, a motivação das decisões verificava apenas a analise processual, ou seja, que só interessava às partes daquela lide, como forma de conhecimento da fundamentação para o exercício do duplo grau de jurisdição e, para permitir o reexame pelos Tribunais Superiores.

Atualmente, a motivação das decisões foi elevada a uma garantia política e jurisdicional, como consagra expressamente no artigo 93, IX, da Constituição Federal de 1988, que demonstra o alcance as decisões judiciais de qualquer natureza, asseverando que o juiz é livre para decidir, desde que o faça de forma motivada, sob pena de nulidade insanável, ou seja, trata-se de autêntica garantia fundamental, decorrendo da fundamentação da decisão judicial, o alicerce necessário para a segurança jurídica do caso submetido ao judiciário.

Motivação das decisões judiciais (art. 93, IX e X, CF). IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes; X - as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;

Ao analisar as provas do processo o magistrado deverá estabelecer um juízo de valor crítico e racional, buscando impedir excessivas generalizações, devaneios e displicência. Nesse exercício valorativo, juízos arbitrários são inaceitáveis. Desse modo, o juiz goza de extensa liberdade na eficiência de valoração das provas, desde que o faça motivadamente, fundamentando as razões da formação de seu convencimento, tornando-as capazes de convencer também as partes, caso contrário, possam estas vir a ser confrontadas. Por isso refere-se ao livre convencimento do juiz como sendo motivado. De acordo com a posição de Tourinho Filho (2012, p. 272),

[...] de modo geral, admitem-se todos os meios de prova. O juiz pode desprezar a palavra de duas testemunhas e proferir sua decisão com base no depoimento de uma só. Inteira liberdade o tem na valoração das provas. Não pode julgar de acordo com conhecimentos que possa ter extra autos. Se o juiz tiver conhecimento da existência de algum elemento ou circunstância relevante para o esclarecimento da verdade, deve ordenar que se carreiem para os autos as provas que se fizerem necessárias.

Quanto à motivação, há de se ter em mente que, no tocante as decisões das quais resultem, de alguma forma, limitações aos direitos fundamentais, será por meio da fundamentação da decisão judicial que se poderá aduzir quais os motivos de fato e de direito levados em consideração pelo magistrado para a formação de seu convencimento, permitindo ao cidadão, ora parte do processo, o direito de impugnar o ato compreensível de inconstitucionalidade ou ilegalidade.

Esse princípio decorre de outras garantias, tais como a da cláusula do devido processo legal que, no que lhe diz respeito, também acolhe outros direitos fundamentais pertinentes tanto no âmbito procedimental quanto na esfera material.

Afirma, ainda, Távora e Rodrigues (2017) “Existe uma relação entre a obrigatoriedade de motivação das decisões e o sistema do livre convencimento do juiz, adotada pelo art. 155, caput, do CPP”. Deste modo, a fundamentação, no processo penal, deve se apoiar nos elementos produzidos perante o contraditório judicial, "ressalvando-se desta exigência tão somente as provas cautelares, realizadas antecipadamente e não sujeitas à repetição.”

Inobstante, percebe-se que o juiz procede à apreciação das provas no devido processo legal, conforme os critérios do sistema adotado em certo ordenamento jurídico seja em qualquer dos sistemas de apreciação da prova abordado busca-se um controle sobre a atividade judicante. Do mais, a livre convicção do juiz, encontra limites na própria lei, ou seja, o juiz aprecia livremente a prova enquanto válida, não podendo ignorar as restrições expressamente determinadas pelo legislador.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JONHSON, Endy. O juiz inquisidor em busca da verdade real no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5829, 17 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74618. Acesso em: 26 abr. 2024.

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