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Proibição das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais

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4. PRINCIPAIS PROBLEMAS DECORRENTES DA DECISÃO DO STF NO JULGAMENTO DA ADI NO 4650-DF

Não são poucos os problemas decorrentes da proibição de doações eleitorais por pessoas jurídicas, consequência da decisão proferida pelo STF no julgamento da ADI no 4650-DF. O primeiro deles decorre do próprio resultado e parece incompatível com os fundamentos utilizados pela maioria para proibir as doações eleitorais de pessoas jurídicas: reduzir as desigualdades e o desequilíbrio no processo eleitoral, contribuindo assim com a democracia em razão do aperfeiçoamento da escolha dos representantes a serem eleitos pelo povo.

Porém, ao proibir as doações de pessoas jurídicas e não impor qualquer limite às doações de pessoas físicas, a Corte nada mais fez do que transferir o problema. Como a doação não pode mais ser feita via empresa, nada impede sua efetivação via um de seus sócios. Não houve também qualquer limitação ao autofinanciamento pelos muito ricos no Brasil.

Para ilustrar o problema, algumas páginas acima foi dado um exemplo daquele que é o maior doador das eleições de 2018 para campanhas alheias, porém, há a menção honrosa ao presidenciável do Movimento Democrático Brasileiro, Henrique Meirelles, que até o dia seis de setembro havia doado R$ 45.000.000,00 à própria campanha[31].

Outro ponto negativo importante é que a já citada migração das doações antes realizadas pelas pessoas jurídicas, que devem naturalmente passar a acontecer por intermédio dos sócios ou simplesmente voltar à clandestinidade do modelo anterior, implicará na perda de importante indicador das relações entre os setores econômicos e agentes políticos, dificultando o controle social exercido no país pela imprensa, movimentos civis, acadêmicos e cidadãos em geral[32].

Ainda, há de se considerar, e o próprio Ministro Luiz Fux chamou atenção para esse fato em seu voto, que os detentores de mandato atuais, os próximos, os que sucederem os próximos e assim por diante, todos têm e terão a tendência de legislar em causa própria, ou seja, de afunilar cada vez mais as regras de distribuição dos parcos recursos existentes, hoje exclusivamente públicos, para financiamento de campanhas eleitorais.

Com isso, diminuíram nas eleições que se aproxima e diminuirão a cada eleição as chances de renovação dos representantes a serem eleitos, retroalimentando um paradoxo que cada vez mais incomoda a população: enquanto a imensa maioria se diz cansada dos atuais representantes, o índice de renovação do Congresso, das Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais, Poderes Executivos, etc., é reduzido a cada eleição.

Nesse contexto, a renovação ou a aspiração a um mandato eletivo dependeria de estar necessariamente presente ou próximo das estruturas internas de poder dos partidos políticos para garantir recursos minimamente suficientes para a campanha, ser previamente conhecido por alguma realização ou carreira anterior (exemplos atuais pululam, como ex-desportistas, artistas famosos ou nem tanto, desde que caricatos suficientes) ou receber o endorsement de alguém muito popular que lhe consiga transferir essa popularidade.

A alternativa a quaisquer das situações acima narradas é estar ligado a alguma das estruturas quase paralelas de poder que em tempos eleitorais se movimentam agressivamente na tentativa de obter espaço: corporações de servidores públicos, entidades de classe, sindicatos, religiosos e o crime organizado.

Quanto aos sindicatos, é bem verdade que a edição da Lei no 13.467, de 13 de julho de 2017 – Reforma Trabalhista, e a recente decisão do STF que julgou constitucional o dispositivo da citada lei que pôs fim à obrigatoriedade do chamado ‘imposto sindical’ enfraqueceu bastante o poder de mobilização dessas entidades nas eleições. Não são, porém, forças a serem completamente descartadas de pronto.

Entidades de classe e corporações de servidores públicos também oferecem risco, ainda que em menor grau. Isso porque, na hora de decidir quem serão os candidatos das diversas categorias, sobram os que se sentem em condição de representar, o que acaba pulverizando a votação e, não raro, comprometendo o resultado.

Os problemas verdadeiros estão no crime organizado e nas organizações religiosas. Entende-se que os problemas advindos com a infiltração do crime organizado (de outro tipo) na política são autoexplicativos, sendo desnecessário tecer maiores considerações.

Grupos religiosos, porém, representam sim um problema, ainda que de outra natureza: um problema democrático. A laicidade do Estado é um conceito vital para a sustentação da democracia, especialmente de uma democracia jovem como a brasileira.

É o fato de o Estado ser laico que garante a base filosófica para a liberdade religiosa e para a convivência harmoniosa entre os pontos de vista diversos e diversificados que existem em sociedades complexas e plurais, como é o caso do Brasil[33].

Nesse contexto, torna-se preocupante a (tentativa de) formação de uma maioria político-parlamentar direcionada precipuamente à imposição dos valores morais das doutrinas católica e neopentecostais[34].

Os fenômenos descritos acima, porém, estão a acontecer. As bancadas religiosas, de artistas e desportistas r representantes de corporações de servidores ou entidades de classe começam a se formar e ser maioria no parlamento. Não que haja alguma impropriedade na origem dessas pessoas – exceto pelos representantes do crime organizado –, porém, a maioria ali chegou apenas por ser ex-alguma coisa ou professar alguma fé, não tendo efetivamente ou concretamente apresentado qualquer proposta para merecer a confiança e o mandato popular.


5. CONCLUSÃO

O STF teve a chance, ao analisar a ADI nº 4.650/DF, de estabelecer essas regras e limites ou ao menos impor ao Congresso Nacional a obrigação e o prazo para fazê-los, como proposto pelo Ministro Teori Zavascki, porém, a maioria da Corte optou por acatar os argumentos da OAB, fundados numa retórica extremamente principialista, conforme críticas fundamentadas em todos os votos divergentes, e simplesmente proibir as doações eleitorais de pessoas jurídicas, remetendo o Brasil de volta aos anos iniciais pós-redemocratização em termos de legislação eleitoral no tocante ao financiamento de campanhas.

A crítica feita nos votos divergentes e aqui reproduzida é que esse modelo utopicamente pueril comprovadamente não deu certo, tendo sido responsável pelo primeiro grande escândalo de corrupção no Brasil na vigência da Constituição Federal, culminando com a interrupção do mandato e o afastamento do primeiro Presidente da República eleito pelo voto direto após décadas de ditadura militar.

É certo também que o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas, da maneira como estava regulamentado, também não estava funcionando adequadamente. Os dois maiores escândalos de corrupção a nível nacional envolveram componentes de financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas, o mensalão e o petrolão (esse último considerado um dos maiores, senão um maior – o que parece ser um certo exagero, consideradas algumas questões como câmbio e déficit democrático em algumas das grandes economias do mundo), sem contar outros de cunho regional, como os mensalões de Minas Gerais e do Distrito Federal, bem como outros menos cotados que ocorreram ao longo do tempo em que o modelo vigeu.

O problema maior, porém, é outro, e já havia sido identificado no final da década de 90, quando o STF julgou questionamento do Partido dos Trabalhadores acerca da vedação às doações eleitorais por parte de entidades de classe e sindicais (historicamente setores sob a influência do partido).

Naquele julgamento, o então Ministro Sepúlveda Pertence, fazendo o mesmo alerta que fez o Ministro Teori Zavascki na ADI no 4.650 DF, consignou em seu voto que o processo eleitoral, uma das facetas mais evidentes do processo democrático, tem inegavelmente um custo e esse custo é elevado. Mais ainda, é extremamente inconveniente que esse custo recaia sobre o Estado, tendo em vista que é notória a escassez de recursos para questões ainda mais graves, como saúde, moradia, educação, etc.

Com essa premissa, já àquela época o Ministro Sepúlveda fez aquela que é a mais fundamental crítica ao modelo de financiamento eleitoral por pessoas jurídicas: a origem do problema é no sistema político em si, passa pela frouxidão da regulamentação eleitoral quanto à arrecadação dos recursos e culmina na deficiência da fiscalização.

Para utilizar a expressão do Ministro Teori, acreditar que uma decisão judicial, por si só, ao proibir as doações de pessoas jurídicas, tenha a capacidade de resolver os problemas estruturais do sistema político, o déficit regulatório da legislação eleitoral e as deficiências de fiscalização da Justiça Eleitoral, seria crer que o Poder Judiciário seria uma espécie de Messias, capaz de resolver todas as mazelas do país.

O argumento de que é necessário reduzir custos de campanhas eleitorais, comparando o Brasil com diversos outros países do mundo, apesar de sedutor, é falacioso. Comparar os custos de uma campanha eleitoral no Brasil com países como França, Alemanha e outros cujo território não chega a 20% do nosso é irreal.

Sob esse aspecto, apenas serviriam de parâmetro Canadá, Austrália, China, Rússia e Estados Unidos da América. Entretanto, Canadá e Austrália, apesar das dimensões territoriais semelhantes, não são tão populosos e possuem grandes faixas de seus territórios inabitadas, tendo sua população concentrada em determinadas faixas.

China e Rússia, por outro lado, são inadequados em razão do enorme déficit democrático. Resta apenas como referencial os Estados Unidos da América, assim mesmo, com a ressalva de que lá o sistema federativo é completamente diferente do nosso, inclusive o modelo eleitoral. O comparativo com os americanos, porém, foi basicamente desprezado pela maioria formada na Corte quando do julgamento da ADI, já que não favoreceria à tese adotada (lá os custos das campanhas são muito maiores), além de haver decisão da Suprema Corte no sentido de autorizar e legitimar a participação das pessoas jurídicas no processo eleitoral como contribuidoras financeiras independentes, ainda que com argumento diverso, o da liberdade de expressão.

Sobre esse ponto, custos de campanha, se se pretendia de fato reduzir ou estimular a redução dos gastos efetuados por partidos políticos e candidatos no processo eleitoral, havia alternativas melhores à disposição do STF. Como isso só acontecerá com o aperfeiçoamento do próprio sistema político e da legislação eleitoral de forma orgânica, além da necessária e abordada nos votos divergentes, mudança cultural dos próprios políticos e da sociedade, a Corte poderia ter imposto ou fixado prazo para o Congresso Nacional limitações mais rígidas às doações de pessoas jurídicas, tanto quanto aos valores máximos que poderiam ser doados como a impossibilidade de a mesma empresa ou empresas do mesmo grupo econômico contribuírem para candidatos das mais diversas matrizes ideológicas, concorrentes mesmo, apenas para “colocar o pé em todas as canoas possíveis”.

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Em outra seara, tema recorrente nas discussões políticas no Brasil é a necessidade de se fazer uma reforma política. Entretanto, o avanço concreto desse tema sempre esbarra em diversos fatores nos espaços de poder, o mais evidente deles e citado pelo Ministro Luiz Fux, é a falta de vontade dos atuais ocupantes desses espações em mudar as regras que os elegeu e que eles acreditam que os continuará elegendo. Entretanto, algumas considerações sobre o atual modelo podem ser feitas, apontando para alterações que, provavelmente[35], teriam maior chance de sucesso na redução dos custos das campanhas eleitorais do que simplesmente proibir as doações de pessoas jurídicas.

O sistema proporcional, utilizado nas eleições para Deputado Federal, Deputado Estadual e Vereador, é um bom exemplo. A candidatura a quaisquer desses cargos sempre teve custo elevadíssimo, na maioria das vezes até mais elevado proporcionalmente do que uma candidatura majoritária, porém, não por conta das doações das empresas, mas por causa do próprio sistema.

O candidato, para se eleger Deputado Federal ou Estadual, precisa percorrer, em tese, a mesma base territorial de um candidato da disputa majoritária estadual, tendo que concorrer com um número dez, vinte ou trinta vezes maior de concorrentes, já que em função da regra do quociente eleitoral os partidos e coligações podem lançar até uma vez e meia o número de cadeiras em disputa.

Na situação atual, em que são trinta e cinco os partidos políticos com registro no Tribunal Superior Eleitoral e se levarmos em conta que a partir das próximas eleições as coligações proporcionais estarão proibidas, se em um Estado qualquer estiverem em disputa dez assentos na Câmara dos Deputados, cada partido poderá lançar quinze candidatos, totalizando inacreditáveis quinhentos e vinte e cinco concorrentes, ou seja, mais de cinquenta e dois candidatos por vaga.

Se todos lançarem candidatos ao Senado, por exemplo, e considerando que na próxima eleição estará em disputa um assento por Estado, a concorrência será de trinta e cinco candidatos para uma vaga. Sabendo que nas eleições majoritárias ainda será possível a formação de coligações e alianças são necessárias, é bem provável que esse número seja reduzido à metade. Dito de outra maneira, os candidatos à cargos proporcionais, especialmente nas eleições gerais, precisam percorrer, no sistema atual, a mesma base territorial dos candidatos majoritários, porém, concorrendo com muito mais gente. Isso tudo para, ao final, às vezes não ser eleito em razão do quociente[36].

As discussões, porém, não avançam. Falta consenso sobre o modelo ideal para substituir o sistema proporcional. Enquanto alguns defendem o sistema distrital misto, outros defendem o distrital puro e uma terceira corrente defende o chamado distritão. Sem entrar no mérito de cada um e apenas para indicar que, do ponto de vista que se tem defendido no presente artigo, essa última opção seria desastrosa, já que oficializaria a realidade “majoritária” dos candidatos a Deputado Federal e Estadual.

Outro item importante que deveria voltar à pauta é o da verticalização. A não obrigatoriedade de se reproduzir no âmbito local as alianças formadas nacionalmente sim, é um desserviço a todo o processo eleitoral e, por que não afirmar, à democracia em última análise.

O fim da verticalização, primeiro com o “recuo” do próprio Poder Judiciário na interpretação acerca do significado do “caráter nacional dos partidos”, depois com a promulgação das Emendas Constitucionais no 52, de 8 de março de 2016, e 97, de 4 de março de 2017, representou a institucionalização da infidelidade partidária-eleitoral, tão escrachada e que está à vista de todos na propaganda eleitoral em curso.

Essa institucionalização da infidelidade partidária-eleitoral é outro fator de encarecimento das campanhas eleitorais, já que não há organicidade nos pedidos de votos. Diariamente lê-se na imprensa que o candidato a Presidente da República que reuniu em torno de si a maior coligação em termos de quantidade de partidos enfrenta problemas relacionado à traição dos aliados. Essas traições sistemáticas o forçaram a abrir comitês de campanha próprio em basicamente todos os Estados, já que em muitos deles os ditos aliados pedem votos para seus adversários.

Se as campanhas fossem feitas organicamente, como deveriam idealmente ser feitas, o candidato a Presidente saberia que todos os demais candidatos de sua coligação estão fazendo campanha de maneira vertical, permitindo a redução de custos a partir da negociação de melhores preços com fornecedores de serviços e mão de obra, padronização do investimento em marketing, produção de material, deslocamentos, etc.

Os exemplos citados acima são apenas dois pontos de aperfeiçoamento que precisam ser discutidos, porém, dificilmente o serão pelo Poder Legislativo, ao menos não sem provocação externa – pressão popular – ou determinação do Poder Judiciário.

Nesse sentido, entende-se que o STF, ao simplesmente proibir as doações de pessoas jurídicas no julgamento da no 4.650/DF ao invés de acatar a sugestão do Ministro Teori para ao menos impor prazo ao Congresso a adequada regulamentação da legislação, desperdiçou valiosa oportunidade de iniciar um diálogo institucional com o Poder Legislativo que poderia ter como resultado um aperfeiçoamento sensível do processo eleitoral e, por consequência, do processo democrático.

Entretanto, como bem observou o Ministro Luiz Fux, as discussões sobre o tema não se encerraram, sendo possível que, no futuro, a continuação desse colóquio entre os poderes traga melhores resultados para esse tão necessário e aguardado aperfeiçoamento do processo eleitoral no Brasil, o que poderia, no cenário ideal, ser a ignição de uma real reforma política.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRESCIANI, FELIPE CASCAES SABINO. Proibição das contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5830, 18 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74669. Acesso em: 22 dez. 2024.

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