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Entre a lei e a realidade: o trabalho dos refugiados no Brasil

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Abordam-se aspectos sobre a relação de trabalho exercida por refugiados no Brasil e seus desafios, com base no ordenamento jurídico pátrio e internacional.

RESUMO: O objetivo geral deste estudo é analisar a relação de trabalho exercida por refugiados no Brasil e os seus desafios, com base no ordenamento jurídico pátrio e internacional, tendo em vista que compete ao Estado recebedor dar proteção jurídica aos emigrados. Além disso, coloca-se, ainda, em destaque, a importância de esclarecer aos refugiados os seus direitos trabalhistas. Por meio do estudo dogmático/dedutivo, foram analisados dispositivos legais afetos à temática de refugiados no Brasil e no mundo, bem como a leitura de doutrina, notícias e artigos indicados na bibliografia. A resposta obtida foi positiva em relação às ações já desempenhadas e proteção ao trabalho do refugiado, mas com especial destaque aos grandes desafios a serem enfrentados.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Refugiados. Dignidade da Pessoa Humana.


1 INTRODUÇÃO

A existência de refugiados entre a população de um país não é nova: existem registros desde a Grécia e Roma Antiga, onde a proteção a essas pessoas era concedida pelos templos. Já na Idade Média, era comum os senhores feudais acolherem refugiados. Ao longo da história, diversas revoluções, guerras, perseguições político-religiosas e desastres ambientais forçaram o deslocamento de inúmeras pessoas em busca de um local adequado para viver. Dentre os fatos que influenciaram o aumento do número de refugiados, destaca-se a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), período no qual diversas populações saíram do seu território, em busca de paz e equilíbrio social.

Diferente de outros dispositivos de proteção aos direitos humanos, o sistema dos refugiados foi construído gradualmente, visto que, por muitos anos, pensou-se que era um problema temporário, provocado por crises isoladas. Não obstante, o mecanismo internacional de proteção evoluiu e atualmente está melhor estruturado, tendo como pilar o Estatuto dos Refugiados, pactuado em Genebra no dia 28 de junho de 1951. O dispositivo, ratificado pelo Brasil, sofreu atualizações com o Protocolo de 1967, momento em que o conceito de refugiado sofreu ampliações, retirando limites geográficos e temporais.

Esses diplomas são interpretados, aplicados e fiscalizados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados-ACNUR, órgão criado em 1950 pela Assembleia Geral da ONU, que, por meio de ações humanitárias e sociais, busca efetivar a proteção dos refugiados no plano mundial, utilizando importantes princípios do direito internacional, como, por exemplo, o non refoulement, no qual o país acolhedor não pode devolver o refugiado ao país de origem ou de residência habitual se ainda houver neste os motivos que determinaram a fuga do indivíduo.

No tocante a legislação brasileira, a Lei nº. 9.474/1997 definiu os meios para consolidação do Estatuto dos Refugiados no país e criou o Comitê Nacional para Refugiados, que possui atribuição de analisar e julgar solicitações de refúgio. Essa é a primeira lei pátria a implementar um tratado de Direitos Humanos e a fazer referência expressa à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1948. Além disso, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, via de regra, brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil passaram a ter iguais direitos e deveres, sendo vedada distinções.

Entretanto, observa-se que, na prática, ao ingressar no Brasil o refugiado não possui a mesma oportunidade de emprego dos brasileiros, visto que problemas de comunicação e desconhecimento das leis nacionais contribuem para que esses estrangeiros tenham seus direitos trabalhistas violados, não sendo raras as notícias de trabalhos em péssimas condições. Atualmente, o assunto está ativo nas discussões políticas, pois cresce de forma relevante o deslocamento forçado.

Segundo os dados fornecidos pela Organização das Nações Unidas, até o final de 2018, 70,8 milhões de pessoas viviam fora de seus locais de origem, por causa de perseguição, conflito e violação aos direitos humanos. Nessa perspectiva, o número de indivíduos deslocados à força atingiu um crescimento recorde, chegando a 2,3 milhões somente em 2018. Ademais, 67% dos refugiados no mundo vem de apenas cinco países (Síria, Afeganistão, Sudão do Sul, Myanmar e Somália).

O objetivo geral deste estudo é analisar a relação de trabalho exercida por refugiados no Brasil e os seus desafios, com base no ordenamento jurídico pátrio e internacional, para que não exista diferenciação entre os trabalhadores estrangeiros e nacionais, tendo em vista que compete ao Estado recebedor dar proteção jurídica aos emigrados, garantindo direitos fundamentais.

Os objetivos secundários compreendem a análise dos dispositivos legais, internacionais e pátrios, sobre os direitos dos refugiados, o estudo acerca do procedimento administrativo interno para concessão do refúgio no Brasil, exame dos aspectos geopolíticos e históricos, assim como observação de dados oficiais e notícias. Por meio do estudo dogmático/dedutivo, serão analisados o Estatuto dos Refugiados de 1951, o Protocolo Adicional de 1967 e a Lei nº. 9.474/97, regramentos fundamentais acerca do tema. Este trabalho compreende quatro partes. A primeira, analisará a definição de refugiado, expondo sua evolução no decorrer da história. A segunda parte compreende a observação dos princípios jurídicos e direitos sociais que devem ser garantidos pelo país acolhedor.

 Ainda no segundo momento, a pesquisa concentra-se no estudo do direito internacional do trabalho e a terceira parte examinará a legislação trabalhista brasileira, observando a realidade e perspectivas acerca da implementação das políticas públicas voltadas para esse tipo de relação laboral. Além disso, esta pesquisa visa destacar importância de esclarecer aos refugiados os seus direitos trabalhistas, de inafastabilidade de jurisdição e a existência dos órgãos fiscalizadores, como o Ministério Público do Trabalho e a Secretaria Especial da Previdência e Trabalho, vinculada ao Ministério da Economia.


1 O REFÚGIO

 Etimologicamente, a palavra refúgio é originária do latim refugium, este é conceituado como “esconderijo, lugar para esconder-se, abrigo, amparo”, enquanto o termo “refugiado” refere-se ao “abrigado, fugido, escondido” (SCOTTINI, 2009, p. 463) O termo é usado para tipificar indivíduos no tocante ao espaço e direitos humanos, políticos ou sociais. Entretanto, segundo Hayden (2006, p.43), conceituar a categoria dos refugiados, contemplando, em harmonia, ética, teoria e a realidade, é um trabalho árduo.

Conforme os ensinamentos de Flávia Piovesan (2001, p. 54), pode-se dizer que “o refúgio é um instituto jurídico internacional, tendo alcance universal, [...] é a medida essencialmente humanitária, abarca motivos religiosos, raciais, de nacionalidade, de grupo social e de opiniões políticas. ”

Para Jaime Ruiz Santiago (1996, p.119), refúgio é “o instituto criado pela comunidade internacional, com importantes antecedentes, que tem por finalidade básica oferecer proteção à Pessoa Humana. ”

Assim, observa-se que uma das principais características para verificar o instituto é a ameaça ou violação dos direitos fundamentais, dentre eles, o direito à vida, liberdade e saúde. Fatores como o risco de morte, em razão da crença, ideologia ou origem, forçam o indivíduo a fugir do seu país, com o intuito de encontrar a segurança em terras estrangeiras. (PASCHOAL, 2012, p. 98).

No decorrer do tempo, inúmeros refugiados foram acolhidos por outras nações. Loescher, citado por Andrea Pacheco Pacífico (2005, p.5), expõe que “o problema do refugeísmo é parte da emergente” das crises globais maciças geradas pelas mudanças na estrutura econômica, política e social que ocorreram durante toda a história da civilização humana.

1.1 DEFINIÇÃO DE REFUGIADO

A definição legal de refugiado é prevista no artigo 1º, item II, da Convenção de Genebra de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, vejamos:

Artigo 1º - Definição do termo “refugiado”:

A. Para os fins da presente Convenção, o termo “refugiado” aplicar-se-á a qualquer pessoa:

[...]

(2) Que, em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951, e receando, com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar.(1951, p. 1).

Por meio desse artigo, constata-se uma limitação temporal no Estatuto, onde, no momento da assinatura de ratificação, o país poderia declarar o alcance da expressão “acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951”, se englobaria apenas acontecimentos passados na Europa ou em lugares diversos.

Com o avanço do tempo, conflitos e perseguições ocorriam em todos os continentes, assim, uma definição com limitações temporais e geográficas, mostrava- se insuficiente, destoando da realidade.

A fim de adequar o instituto, o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 ampliou o conceito, contemplando todos os Estados-partes, sem limitação geográfica, independente do período e dos acontecimentos históricos, conforme o artigo 1º, item II:

2. Para os fins de presente Protocolo, o termo “refugiado”, salvo no que diz respeito à aplicação do § 3º do presente artigo, significa qualquer pessoa que se enquadre na definição dada no artigo primeiro da Convenção, como se as palavras “em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e...” e as palavras “...como consequência de tais acontecimentos” não figurassem da Seção A do artigo primeiro.(1967, p.1).

A fim de harmonizar com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967, o legislador brasileiro promulgou a Lei nº. 9.474/1997, que conceitua o refugiado como todo indivíduo que:

I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social, ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III – devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Essa definição procura satisfazer a realidade presente, pois amplia o conceito de refugiado ao inserir, no art. 1º, inciso III, uma cláusula aberta que permite a atualização do instituto de acordo com ao momento. Assim, observa-se que a conceituação da Lei 9.474/97 é exemplificativa (numerus apertus).

Dessa forma, as razões do refúgio podem ser alteradas pelo regramento interno do país, que pode elencar causas que permitem a inclusão do indivíduo como refugiado. Com isso, a definição de refúgio não é estática e singular, visto que a partir da junção do plano universal (Estatuto de 51 e Protocolo de 67) e plano regional (Lei 9.474/97), procura-se alcançar o maior número de pessoas em deslocamento forçado.

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1.2 CAUSAS DO REFÚGIO

A fim de garantir o direito a quem de fato necessita, a concessão de refúgio é condicionada a análise de elementos objetivos e subjetivos. A caracterização do refugiado é formada pelos elementos da perseguição, do bem fundado temor, ou justo temor, e a extraterritorialidade (JUBILUT, 2007).

A perseguição é qualquer ameaça à vida ou à liberdade, devendo ser auferida tanto por critérios objetivos quanto subjetivos. No âmbito do Direito Internacional, Hathaway (2005 apud SOARES, 2012, p. 62) expõe que:

Sempre que existir uma violação ou uma ameaça de violação aos direitos humanos considerados inderrogáveis pela sociedade internacional, tais como o direito à liberdade de crença, à integridade física e psíquica e à saúde, por exemplo, ou seja, aqueles direitos protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 e pelos Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966, estará presente a “perseguição”.

O elemento do temor varia segundo a pessoa, por isso, é inserido no pressuposto subjetivo do refúgio. O terceiro elemento é a extraterritorialidade, pois, a fim de legitimar o refúgio, é preciso que o requerente esteja fora de seu país de origem. Além dos elementos para configuração do refúgio, deve-se analisar seus motivos, expostos pelo Estatuto de 1951 e pelo Protocolo de 1967, quais sejam, a raça, religião, nacionalidade, filiação a grupos sociais e as opiniões políticas.

Raça, no conceito biológico, é definida como populações de mesma espécie que são diferenciadas por certas características. Essa concepção é utilizada sobre todos os seres vivos estudados pela biologia, incluindo os humanos. Segundo os ensinamentos de Jubilut (2007, p. 115), há três raças primárias de humanos: negra, branca e amarela, delas surgem raças derivadas, geralmente chamadas de etnias.

Em que pese inexistir diferença hierárquica entre as raças, ao longo do tempo, alguns indivíduos, de forma temerária, afirmavam ser superiores em razão da sua cor de pele. A partir desse pressuposto, surge a figura do racismo, que é um dos principais motivos de conflitos internos e internacionais.

Diante dessa triste realidade, determinou-se que a perseguição motivada pela raça é causa suficiente para reconhecer o status de refugiado. Aqui, cuida-se de uma razão básica, prevista pelos dispositivos internacionais (Estatuto de 1951 e Protocolo de 1967), que não pode ser alterada pelos regramentos nacionais, a não ser que seja para ampliar seu alcance.

Outro motivo para solicitação de refúgio é a religião. Relevante mecanismo de controle social, a religião está intimamente atrelada a diversos conflitos mundiais, regionais e locais, conceituada como “um fenômeno, na maioria das vezes coletivo, fundado na fé, em algo metafísico e que ajuda indivíduos que possuem esta crença na organização de suas vidas, a partir de princípios éticos que devem ser seguidos” (JUBILUT, 2007, p. 129).

Além desses, a perseguição por causa da nacionalidade também fundamenta a concessão do refúgio. A nacionalidade é o vínculo jurídico e político que une o indivíduo ao Estado (nacionalidade no sentido de cidadania), bem como pessoas que pertencem a um mesmo grupo linguístico ou ético (SOARES, 2012).

Segundo Lucci, Branco e Mendonça (2010, p. 301), nação é:

Um conjunto de pessoas que têm em comum o passado histórico, a língua, os costumes, determinados valores sociais, culturais e morais e, em alguns casos, a religião. Tudo isso confere à nação uma identidade cultural, uma consciência nacional, contribuindo, dessa forma, para que os seus indivíduos compartilhem determinadas aspirações, como, por exemplo, o desejo de permanecerem unidos, de se promoverem em termos sociais e econômicos e de preservarem sua identidade nacional.

Atualmente, é comum observar conflitos étnico-nacionalistas em países da África, Oriente Médio e leste europeu, geralmente relacionados a movimentos separatistas, onde o Estado toma medidas prejudiciais a uma minoria, com o intuito de forçá-los a sair do território.

Ademais, o pertencimento a certo grupo social é outro fator que motiva o sujeito a solicitar refúgio. A definição de grupo social é complexa e propositalmente imprecisa, pois este motivo deve ser aplicado apenas de forma subsidiária, quando o pleiteante de refúgio não se encaixar em nenhum outro critério de refúgio encontrado na legislação (JUBILUT, 2007).

Conforme o Estatuto de 1951, o último motivo que fundamenta a solicitação de refúgio é a perseguição política. Neste sentido, a simples demonstração que o indivíduo tem opinião política oposta ao do governo de seu país não justifica o pedido, sendo necessário comprovar o real o temor de perseguição.

1.3 DIFERENÇA ENTRE REFÚGIO E OUTROS INSTITUTOS

Alguns institutos, por vezes, são equiparados ao refúgio. Dessa forma, a fim obstar confusões, é relevante fazer distinções entre refúgio, asilo político, refúgio natural e deslocamento interno.

O asilo político busca tutelar a pessoa na qual a dignidade, liberdade ou vida são ameaçadas por representantes de outro Estado, em decorrência de perseguições de cunho político. Segundo os ensinamentos de Francisco Rezek, o asilo político é caracterizado:

Onde o objeto da afronta não é um bem jurídico universalmente reconhecido, mas uma forma de autoridade assentada sobre ideologia ou metodologia capaz de suscitar confronto além dos limites da oposição regular num Estado democrático (REZEK, 2006 apud PORTELA, 2013, p. 359).

Dentre os tipos de asilo políticos, os de maior destaque são o territorial e o diplomático. O asilo territorial, externo ou internacional, é caracterizado pelo “recebimento de estrangeiro, em território nacional, para o fim de preservar a sua liberdade ou a sua vida, colocadas em grave risco no seu país de origem dado o desdobramento de convulsões sociais ou políticas” (MAZZUOLI, 2012, p. 753).

O diplomático, extraterritorial, interno, internacional ou político, é uma “modalidade provisória e precária do asilo político stricto sensu [territorial], nascido de um costume emergido do contexto regional latino-americano no século XIX” (MAZZUOLI, 2012, p. 756). Neste tipo de asilo, o indivíduo continua dentro do território do Estado perseguidor, abrigado em repartições consulares, embaixadas, representações diplomáticas do país concedente.

O asilado é conceituado como criminoso político pelo país perseguidor, já o refugiado procura proteção de um país, fundado no temor de perseguição por causa da raça, opinião política, nacionalidade, religião e grupo social, essa é uma das principais distinções entre os institutos.

Ademais, a concessão de asilo é um ato discricionário, justificado pelos critérios da oportunidade e conveniência. O principal dispositivo, no âmbito internacional, acerca do asilo, é a Convenção sobre Asilo Territorial, assinada em Caracas no dia 28 de março de 1954. Já o refúgio é um ato vinculado, previsto no Estatuto de 51, Protocolo de 67 e legislação nacional.

No Brasil, os institutos são regulados por Leis diversas. O asilo é previsto na Constituição de 1988 e pelo Estatuto do Estrangeiro (art. 28 e ss. da Lei nº. 6.815, de 19 de agosto de 1980 - Estatuto do Estrangeiro), ao passo que o refúgio é disciplinado pela Lei nº. 9.474/97.

Importante também discernir refúgio de “refugiados naturais”, estes não são expressamente abarcados na definição de refúgio do Estatuto de 51, Protocolo de 67 e na Lei nacional.

Os naturais são aqueles que saem do país de origem em decorrência de desastres ambientais, como terremotos, tsunamis, furacões, erupções. Impulsionados pelas consequências do aquecimento global, o número de refugiados ambientais aumenta a cada ano, motivo pelo qual legislações internacionais e locais necessitam de atualização.

Outro instituto a ser diferenciado é o dos deslocados internos, neste, inexiste a figura da extraterritorialidade, requisito indispensável para o refúgio. Essas pessoas são deslocadas dentro de seu próprio país, pelos mesmos motivos de um refugiado. Conforme dados da ACNUR, em 2016, o país com maior número de deslocados internos era a Colômbia, com 7,4 milhões de pessoas.

1.4 REFÚGIO NO BRASIL

A partir da ratificação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e o Protocolo de 1967, o Brasil teve relevante papel na acolhida de refugiados, visto que a retirada das limitações geográficas previstas pelo Estatuto de 51 fez com que o país recebesse pessoas oriundas dos diversos continentes, não apenas da Europa.

Em 1989, o Brasil confrontou os limites geográficos presentes na legislação internacional e reconheceu como refugiado pessoas advindas de qualquer local. Destaca-se a importância desse ato, visto que países latinos, como o Chile, passavam por um período ditatorial.

Ademais, no ano de 1990, o Brasil eliminou as vedações impostas aos artigos 15 e 17 do Estatuto dos Refugiados, referente aos direitos de associação e ao emprego remunerado (Decreto nº. 99.757, de 03 de dezembro de 1990).

Marco na proteção de refugiados pelo Estado brasileiro, a Lei nº. 9.474/97, definiu os mecanismos para a implementação do Estatuto de 1951, consolidando entendimentos avançados à época, servindo de modelo para outros países.

Esse foi o primeiro dispositivo nacional a mencionar expressamente a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 (art. 48). Além disso, expandiu o conceito de refugiado, contemplando pessoas que devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, são obrigadas a deixar seu país de nacionalidade e buscar refúgio em outro país (art. 1º, III, da Lei n°. 9.474/97).

A lei também determinou a criação do Comitê Nacional para os Refugiados- CONARE (arts. 11, da Lei n°. 9.474/97) e regulamentou o procedimento para solicitação do refúgio (arts. 17 e ss, da Lei n°. 9.474/97).

Conforme dados extraídos do slide Refúgio em Números, elaborado pela Secretaria Nacional de Justiça, apenas em 2017 o Brasil recebeu um total de 33.886 solicitações de reconhecimento a condição de refugiado. 53% delas (o que corresponde a 17.865) são provenientes da Venezuela, o que reflete a grave crise na qual se encontra o País. 

Desse voluptuoso número de solicitações, apenas 587 foram deferidas. O número total compreende a soma de 431 refugiados reconhecidos com 156 pedidos de extensão dos efeitos da condição de refugiado.

Ponto fundamental na história democrática nacional, a Constituição Federal de 1988, mesmo não mencionando expressamente o refúgio, traz princípios e regras perfeitamente aplicáveis ao instituto, como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88), a ser estudado nos próximos capítulos desta pesquisa.

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Sobre os autores
Caio Rafael Coelho de Sá Rufino

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário.

Luís Eduardo Bomfim Lima

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário.

Thamyris Gabrielle Loureiro de Sousa e Silva

Graduada em Direito pela UFPI. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUFINO, Caio Rafael Coelho Sá ; LIMA, Luís Eduardo Bomfim et al. Entre a lei e a realidade: o trabalho dos refugiados no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5950, 16 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77162. Acesso em: 18 abr. 2024.

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