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O controle de atos políticos via ADPF: a (in)congruência dos julgados do STF

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20/11/2019 às 16:26
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6. CONCLUSÃO

As concepções de Estado de Direito, preceitos fundamentais, atos políticos e da própria arguição de descumprimento de preceito fundamental estão diretamente relacionados ao objeto e à conclusão do presente estudo.

Isso porque, desvelou-se que o Estado de Direito é a garantia da sociedade em face do Poder Público, que tem a obrigação de atuar em total observância às normas jurídicas e, sobretudo, às normas constitucionais.

Por sua vez, dentre as normas constitucionais (princípios e regras) existem aquelas que são especialmente valoradas, pois dizem respeito à própria essência, ao espírito que anima a lei fundamental, chamadas de preceitos fundamentais. Tratam-se de normas de caráter dinâmico, que são alçadas a este patamar a depender do momento por que passa à sociedade e a composição ideológica do tribunal ao qual, em último grau, compete a interpretação da constituição. Por essa razão, laborou bem o constituinte e o legislador infraconstitucional ao não estabelecer um rol taxativo desses preceitos.

Ocorre que, por vezes, o ato do Poder Público está em desconformidade com os preceitos fundamentais, razão pela qual o constituinte fez constar na Constituição Federal de 1988 um instrumento com objetivo de ser o verdadeiro guardião da essência constitucional, qual seja, a arguição de descumprimento de preceito fundamental. 

A previsão constitucional e a legal (Lei nº. 9.882/99) não foram suficientes para garantir que todos os atos do Poder Público fossem controláveis por meio de ADPF, uma vez que a Suprema Corte brasileira, perdendo importante oportunidade de garantir a normatividade plena à Constituição Federal de 1988, firmou jurisprudência no sentido de não estender esta proteção aos atos políticos.

Este entendimento está fundado na independência e harmonia entre os Poderes constituídos prevista no art. 2º, da CF/88, mas deixa desguarnecido o Estado de Direito e desconsidera a importância do sistema de freios e contrapesos.

Eis que, na contramão do entendimento do STF, este estudo defende que os atos políticos, ou seja, aqueles de competência da alta cúpula dos Poderes Constituídos, que decorrem de diretrizes ideológicas adotadas pelo Estado em um dado momento, devam ser objeto de controle pelo Poder Judiciário.

A justificativa reside na própria essencialidade e indisponibilidade dos preceitos fundamentais para a manutenção do Estado Constitucional de Direito, razão porque, em regra, não podem ser preteridos.

A defesa do controle judicial dos atos políticos muito se assemelha àquela que foi e continua sendo travada para possibilitar a sindicabilidade judicial dos atos administrativos discricionários. Ademais, por ambos serem espécies de atos do Poder Público, acredita-se ser prudente adotar forma de controle semelhante, na qual a verificação pelo Poder Judiciário estará circunscrita à legalidade dos requisitos da prática do ato, quais sejam: forma, competência, objeto, motivo e finalidade.

As Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental 01-RJ, 73-DF e 372-DF foram exemplos da adoção reiterada do entendimento do Supremo Tribunal Federal em não promover o controle de atos políticos desde 1999, ano do advento da Lei nº. 9.882, que regulamenta o processo e julgamento da ADPF.

Acredita-se que esses posicionamentos podem ser paulatinamente suplantados pela análise da legalidade dos requisitos do ato político praticado.

Deveras já se verificam alguns avanços na jurisprudência do STF, embora nenhuma diretamente mencionando o controle de atos políticos. Isso porque na ADPF nº. 378-DF, a Corte se manifestou sobre o rito a ser adotado no processo de impeachment, que, embora esteja previsto na Lei nº. 1.079/50, remete a um procedimento interna corporis do Congresso Nacional; já em julgado em que se desvela mais o caráter político, a Suprema Corte analisou a linha de substituição do Presidente da República, decidindo que o então Presidente do Senado Federal, réu em ação penal perante a própria corte, não poderia substituir o Presidente da República, embora pudesse se manter no cargo[31].

Observa-se que o Supremo é uma corte eminentemente política e se nega a admitir a importância do controle judicial dos atos políticos, entendimento que espera seja alterado em breve, possibilitando a efetiva defesa dos preceitos fundamentais a que se presta a arguição de descumprimento de preceito fundamental, bem como que a Constituição Federal de 1988 seja alçada a uma normatividade plena impulsionada pelo controle jurisdicional.


7. REFERÊNCIAS

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_________. Lei n. 9.882, de 03.12.1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal. Planalto. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 07 mar. 2017.

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_________. Supremo Tribunal Federal. ADPF 33 MC/PA, voto do Relator. Rel. Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. Julgado em 29.10.2003. Publicado em 06.08.2004.

_________. Supremo Tribunal Federal. ADPF 45 MC/DF. Rel. Min. Celso de Melo. Tribunal Pleno. Julgado em 29.04.2004. Publicado em 04.05.2004.

_________. Supremo Tribunal Federal. ADPF 372/DF. Rel. Minª. Rosa Weber. Tribunal Pleno. Julgado em 03.11.2015. Publicado em 06.11.2015.

_________. Supremo Tribunal Federal. ADPF 73/DF. Rel. Minª. Eros Graus. Tribunal Pleno. Julgado em 07.05.2007. Publicado em 11.05.2007.

_________. Supremo Tribunal Federal. ADPF 73/DF. Rel. Minª. Eros Graus. Tribunal Pleno. Julgado em 07.05.2007. Publicado em 11.05.2007.

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Notas

[2] Art. 102................

§ 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei. (Transformado em § 1º pela Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93)

[3] ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL: ART. 102, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – DECRETO ESTADUAL DE INTERVENÇÃO EM MUNICÍPIO – ARTS. 4º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CC E ART. 126 DO CPC – 1. O § 1º do art. 102 da Constituição Federal de 1988 é bastante claro, ao dispor: "a argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei". 2. Vale dizer, enquanto não houver lei, estabelecendo a forma pela qual será apreciada a argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente da Constituição, o STF não pode apreciá-la.3. Até porque sua função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, caput). E é esta que exige Lei para que sua missão seja exercida em casos como esse. Em outras palavras: trata-se de competência cujo exercício ainda depende de Lei. 4. Também não compete ao STF elaborar Lei a respeito, pois essa é missão do Poder Legislativo (arts. 48 e seguintes da CF). 5. E nem se trata aqui de Mandado de Injunção, mediante o qual se pretenda compelir o Congresso Nacional a elaborar a Lei de que trata o § 1º do art. 102, se é que se pode sustentar o cabimento dessa espécie de ação, com base no art. 5º, inciso LXXI, visando a tal resultado, não estando, porém, sub judice, no feito, essa questão. 6. Não incide, no caso, o disposto no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual "quando a lei for omissa, o Juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, para resolver lide "inter partes". Tal norma não se sobrepõe à constitucional, que, para a argüição de descumprimento de preceito fundamental dela decorrente, perante o STF, exige Lei formal, não autorizando, à sua falta, a aplicação da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito". 8. De resto, para se insurgir contra o Decreto estadual de intervenção no Município, tem este os meios próprios de impugnação, que, naturalmente, não podem ser sugeridos pelo STF.” (STF – AgRg em Petição 1.140-7 – TO – Plenário – Rel. Min. Sydney Sanches – DJU 31.05.1996)

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[4] EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (CF, ART. 102, § 1º). AÇÃO ESPECIAL DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE (LEI Nº 9.882/99, ART. 4º, § 1º). EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO APTO A NEUTRALIZAR A SITUAÇÃO DE LESIVIDADE QUE EMERGE DOS ATOS IMPUGNADOS. INVIABILIDADE DA PRESENTE ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO.O ajuizamento da ação constitucional de argüição de descumprimento de preceito fundamental rege-se pelo princípio da subsidiariedade (Lei nº 9.882/99, art. 4º, § 1º), de tal modo que não será ela admitida, sempre que houver qualquer outro meio juridicamente idôneo, apto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade emergente do ato impugnado. Precedentes: ADPF 3-CE, ADPF 12-DF e ADPF 13-SP.A mera possibilidade de utilização de outros meios processuais, no entanto, não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio em questão, pois, para que esse postulado possa legitimamente incidir, revelar-se-á essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se aptos a sanar, de modo eficaz e real, a situação de lesividade que se busca neutralizar com o ajuizamento da ação constitucional de argüição de descumprimento               de              preceito fundamental. (STF, ADPF 17-AP. Min. CELSO DE MELLO. Julgada em 20/09/2001. Publicada em 28/09/2001)

[5] Art. 1º A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

[6] Art.1º............

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição

[7] CUNHA JR, Dirley da. Controle de Constitucionalidade: teoria e prática. 8ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 322.

[8] Dicionário Aurélio <https://contas.tcu.gov.br/dicionario/home.asp> em 28/03/2017.

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição

[9] Op Cit. p. 323-324.

[10] São exemplos de normas formalmente constitucionais:

Art. 242. (...)

§ 2º  O Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal.

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.   

[11] Op Cit. p. 325.

[12] VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 2003, p. 295 e 296.

[13] NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 2002, p. 1478.

[14] TAVARES, André Ramos. Tratado de Arguição de Preceito Fundamental. São Paulo: Atlas, 2001. p.154.

[15] Parâmetro de controle — É muito difícil indicar, a priori, os preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave que justifique o processo e o julgamento da argüição de descumprimento. Não há dúvida de que alguns desses preceitos estão enunciados, de forma explícita, no texto constitucional. Assim, ninguém poderá negar a qualidade de preceitos fundamentais da ordem constitucional aos direitos e garantias individuais (art. 5º, dentre outros). Da mesma forma, não se poderá deixar de atribuir essa qualificação aos demais princípios protegidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, da Constituição, quais sejam, a forma federativa de Estado, a separação de Poderes e o voto direto, secreto, universal e periódico. Por outro lado, a própria Constituição explicita os chamados ‘princípios sensíveis’, cuja violação pode dar ensejo à decretação de intervenção federal nos Estados-Membros (art. 34, VII). É fácil ver que a amplitude conferida às cláusulas pétreas e a idéia de unidade da Constituição (Einheit der Verfassung) acabam por colocar parte significativa da Constituição sob a proteção dessas garantias. (...) O efetivo conteúdo das 'garantias de eternidade' somente será obtido mediante esforço hermenêutico. Apenas essa atividade poderá revelar os princípios constitucionais que, ainda que não contemplados expressamente nas cláusulas pétreas, guardam estreita vinculação com os princípios por elas protegidos e estão, por isso, cobertos pela garantia de imutabilidade que delas dimana. Os princípios merecedores de proteção, tal como enunciados normalmente nas chamadas ‘cláusulas pétreas’, parecem despidos de conteúdo específico. Essa orientação, consagrada por esta Corte para os chamados ‘princípios sensíveis’, há de se aplicar à concretização das cláusulas pétreas e, também, dos chamados ‘preceitos fundamentais’. (...) É o estudo da ordem constitucional no seu contexto normativo e nas suas relações de interdependência que permite identificar as disposições essenciais para a preservação dos princípios basilares dos preceitos fundamentais em um determinado sistema. (...) Destarte, um juízo mais ou menos seguro sobre a lesão de preceito fundamental consistente nos princípios da divisão de Poderes, da forma federativa do Estado ou dos direitos e garantias individuais exige, preliminarmente, a identificação do conteúdo dessas categorias na ordem constitucional e, especialmente, das suas relações de interdependência. Nessa linha de entendimento, a lesão a preceito fundamental não se configurará apenas quando se verificar possível afronta a um princípio fundamental, tal como assente na ordem constitucional, mas também a disposições que confiram densidade normativa ou significado específico a esse princípio. Tendo em vista as interconexões e interdependências dos princípios e regras, talvez não seja recomendável proceder-se a uma distinção entre essas duas categorias, fixando-se um conceito extensivo de preceito fundamental, abrangente das normas básicas contidas no texto constitucional. (ADPF 33-MC, voto do Min. Gilmar Mendes, julgamento em 29-10-03, DJ de 6-8-04)

[16] ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA “RESERVA DO POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”. VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).” (STF – Pleno – MC ADPF n. 45- Rel. Min. Celso de Melo, julgamento 29/04/04, DJ de 04-05-04)

[17] Nesse sentido: Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (Princípios Gerais de Direito Administrativo - Vol. I. São Paulo: Malheiros, 2007); Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 39ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2013) e Marçal Justen Filho (Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016).

[18] Nesse sentido pondera o Wilson Alves Souza ao tratar sobre jurisdição e o princípio democrático: (...) “no plano interno, não há outra solução: o Estado julga o próprio Estado. No entanto o Estado só pode exercer a função jurisdicional por meio de órgãos instituídos a partir da constituição, composto de outros agentes providos de independência e imparcialidade, ficando aquele no dever de se submeter ao seu próprio julgamento. Do contrário, não haverá acesso à jurisdição nem democracia. (Jurisdição, garantias, direitos e deveres fundamentais. In SOUZA, Wilson Alves (Coord.) Estudos de Direito Processual Civil. Salvador: Dois de Julho, 2014. P. 28). O posicionamento do doutrinador pode ser observado também na obra A Jurisdição. In SOUZA, Wilson Alves (Coord.) O Direito Processual em Transformação. Salvador: Dois de Julho, 2014.

[19] Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

[20] A título de esclarecimento, este trabalho considera que “atos políticos” e “atos interna corporis” são distintos, mas que estes últimos contemplam atribuições constitucionais a órgãos e entidades específicas, o que os torna, nesse aspecto, uma espécie de ato político.

[21] CRETELLA JÚNIOR, José. Dos Atos Administrativos Especiais. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998. p. 162

[22] Nesse sentido, pontifica Wilson Alves de Souza: “Atos interna corporis, como o nome sugere, são aqueles praticados no âmbito de determinado órgão ou entidade, relacionado com o próprio órgão ou entidade e seus componentes, desde que não diga respeito a direitos subjetivos desses componentes. Assim, se o ato envolve terceiros, não pode ser qualificado como interna corporis.” (Acesso à Justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011.p. 241)

[23] Wilson Alves de Souza trata da matéria com precisão: “Em resumo, não se pode afirmar a priori que os atos interna corporis são imunes a controle jurisdicional, vez que tal generalização pode resultar em negação do acesso à justiça. O fundamental em relação a tais atos é saber se se invoca violação de algum direito subjetivo, não tendo a mínima importância o tipo de norma em questão nem o fato de o impugnante ser componente do órgão que praticou o ato que se quer atacar ou mesmo se referir a suas funções como integrante desse órgão.” (Acesso à Justiça. Salvador: Dois de Julho, 2011.p. 246).

[24] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 39ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2013. p. 680. e DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. .28ª Ed. São Paulo: Grupo Gen, 2015. p. 178.

[25] Op Cit. p. 178.

[26] Op Cit. p. 325.

[27] Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Lei nº 9882, de 3.12.1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da referida medida constitucional. (...) 6. O objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental há de ser "ato do Poder Público" federal, estadual, distrital ou municipal, normativo ou não, sendo, também, cabível a medida judicial "quando for relevante o fundamento da controvérsia sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição". 7. Na espécie, a inicial aponta como descumprido, por ato do Poder Executivo municipal do Rio de Janeiro, o preceito fundamental da "separação de poderes", previsto no art. 2º da Lei Magna da República de 1988. O ato do indicado Poder Executivo municipal é veto aposto a dispositivo constante de projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, relativo ao IPTU. 8. No processo legislativo, o ato de vetar, por motivo de inconstitucionalidade ou de contrariedade ao interesse público, e a deliberação legislativa de manter ou recusar o veto, qualquer seja o motivo desse juízo, compõem procedimentos que se hão de reservar à esfera de independência dos Poderes Políticos em apreço. 9. Não é, assim, enquadrável, em princípio, o veto, devidamente fundamentado, pendente de deliberação política do Poder Legislativo - que pode, sempre, mantê-lo ou recusá-lo, - no conceito de "ato do Poder Público", para os fins do art. 1º, da Lei nº 9882/1999. Impossibilidade de intervenção antecipada do Judiciário, - eis que o projeto de lei, na parte vetada, não é lei, nem ato normativo, - poder que a ordem jurídica, na espécie, não confere ao Supremo Tribunal Federal, em via de controle concentrado. 10. Arguição de descumprimento de preceito fundamental não conhecida, porque não admissível, no caso concreto, em face da natureza do ato do Poder Público impugnado. (ADPF 1-QO/RJ, Relator Ministro Néri da Silveira, Tribunal Pleno, DJ 07.11.2003, destaquei)

[28] 1. Trata-se de arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL - ATRICON em face do veto presidencial oposto à íntegra do Projeto de Lei Complementar do Senado nº 274/2015, que dispõe sobre a aposentadoria compulsória aos setenta e cinco anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, consoante veiculado na Mensagem nº 441/2015 da Presidência da República. (...) 11. À luz do exposto, o veto presidencial fundamentado, pendente de deliberação política do Congresso Nacional, de modo algum se amolda à figura de “ato do Poder Público” para os fins do art. 1º, caput, da Lei nº 9.882/1999. 12. Forte nos arts. 4º, caput, da Lei nº 9.882/1999 e 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento à presente arguição de descumprimento de preceito fundamental, prejudicado o exame do pedido de liminar. (STF. ADPF 372-DF. Processo n. 0007934-95.2015.1.00.0000. Rel. Min. Rosa Weber. Julgado em 03/11/2015)

[29] 1. O Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB propõe argüição de descumprimento de preceito fundamental, com pedido de liminar, indicando como ato lesivo o veto parcial do Presidente da República ao Projeto de Lei n. 3, de 2004 – CN, que resultou na Lei n. 10.934, de 11 de agosto de 2.004. A lei mencionada dispõe sobre diretrizes para a elaboração da lei orçamentária de 2.005. 2. O argüente sustenta que seria patente o cabimento desta ADPF. Isso porque o ato de que se trata, veto a lei de diretrizes orçamentárias, não seria impugnável pela via da ação direta. Diz que Supremo Tribunal Federal entende que as leis de diretrizes orçamentárias consubstanciam atos de efeitos concretos. 3. Alega que o veto ao § 3º da Lei n. 10.934 violaria “os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, do direito a vida, do direito a saúde e da garantia de recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos da saúde, constantes, respectivamente, dos artigos 1º, inciso III, 5º, caput, 6º, caput, 196, todos da Constituição Federal, além do inserto no artigo 77 do Ato das Disposições Transitórias, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 29” (...) 11. O argüente afirma que o veto presidencial ao § 3º do artigo 59 da Lei 10.934 consubstanciaria lesão a preceito fundamental. Isso porque “o piso de aplicação em saúde em 2005 deveria estar sob a égide da Lei Complementar prevista na EC nº 29, porém a sua não aprovação até o momento implica na continuidade das regras estabelecidas para os exercícios de 2001 a 2004, estatuídas no inciso I, alínea ‘b’, do artigo 771. (...)13. A presente argüição de descumprimento de preceito fundamental carece de condições que viabilizem o seu prosseguimento. Nego seguimento à argüição nos termos do art. 21, § 1º, do RISTF. (ADPF 73-DF. STF. Rel. Min. Eros Graus DJ 11/05/2007 PP-00122 RDDP n. 52, 2007, p. 156-158).

[30] Nesse sentido, Dirley da Cunha Jr. e Luís Roberto Barroso.

[31] Eis o dispositivo da decisão monocrática do Min. Marco Aurélio Mello no bojo da ADPF 402/DF: “3. Defiro a liminar pleiteada. Faço-o para afastar não do exercício do mandato de Senador, outorgado pelo povo alagoano, mas do cargo de Presidente do Senado o senador Renan Calheiros. Com a urgência que o caso requer, deem cumprimento, por mandado, sob as penas da Lei, a esta decisão.”

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Sobre o autor
Felipe Jacques Silva

Mestre e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - UFBA, Especialista em Direito Civil pela UFBA. Professor Substituto da Faculdade de Direito da UFBA, da Pós-graduação da UNIFACS e de outras faculdades. Sócio-fundador do Escritório Antônio Bastos & Felipe Jacques Advocacia Especializada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Felipe Jacques. O controle de atos políticos via ADPF: a (in)congruência dos julgados do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5985, 20 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77886. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Elaborado como trabalho de conclusão da disciplina Teoria Constitucional do Processo no Doutorado em Direito do PPGD/UFBA.

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